Interface controlada pelo próprio cérebro faz jovem paraplégico andar sem prótese ou exoesqueleto

Procedimento inédito capturou e traduziu os pensamentos de homem de 26 anos que percorreu sozinho 3,66 metro

por Roberta Machado 07/10/2015 11:00

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Um homem que estava paraplégico havia cinco anos voltou a andar com a ajuda de uma interface controlada pelo próprio cérebro. O sistema eletrônico interpretou os sinais neurais do paciente e transmitiu os comandos de movimento diretamente para as pernas dele. Trata-se da primeira vez em que uma pessoa que sofre de paralisia completa nas duas pernas devido a uma lesão na medula espinhal consegue andar sem o auxílio de dispositivos invasivos ou membros robóticos. Divulgada no Journal of NeuroEngineering and Rehabilitation, a pioneira pesquisa norte-americana mostra que é possível usar o controle cerebral para recuperar o movimento de membros paralisados.

Com a ajuda de um sistema de segurança que o mantinha suspenso, o homem de 26 anos deu uma série de passos e percorreu 3,66 metros usando o sistema que captou e traduziu os pensamentos dele. O equipamento usado para o teste é totalmente não invasivo e foi fabricado a partir da tecnologia usada pela engenharia biomédica. Uma touca com sensores de eletroencefalograma (EEG) detecta os sinais elétricos do cérebro do usuário, que são amplificados e transmitidos via bluetooth para um computador.

Depois que o sistema interpreta os dados, um comando é enviado a uma série de estimuladores elétricos presos aos nervos femorais e fibulares, próximos ao joelho do paciente. O dispositivo envia o sinal para a perna, estimulando os músculos tibiais anteriores. A perna reage contraindo-se, executando um movimento de flexão do pé, do joelho e do quadril. Todo o processo é feito sem a ajuda de qualquer prótese ou exoesqueleto.

Um eletrodo conectado ao quadríceps mantém a perna esticada entre cada passo. “Da mesma forma, quando o indivíduo relaxa, o seu EEG vai mudar da forma correspondente. O computador tem uma alta probabilidade de detectar essas alterações e comandar o sistema para desligar a sequência de passos”, explica ao Correio Zoran Nenadic, pesquisador da Universidade da Califórnia e principal autor do estudo.

Nenadic conta que a pesquisa é resultado de um trabalho de cinco anos que começou com voluntários com movimentos normais. Os indivíduos, que não sofriam de qualquer tipo de paralisia, usaram a interface cérebro-computador (BCI, em inglês) para controlar avatares em um ambiente de realidade virtual. O teste ajudou os cientistas a compreenderem os comandos de movimento naturalmente emitidos pelo cérebro para um corpo sadio.

O experimento foi repetido com um grupo de pessoas que haviam sofrido danos na medula espinhal e perdido o movimento das pernas. Os voluntários paraplégicos conseguiram controlar o ambiente virtual tão bem quanto os primeiros, mostrando que a mente deles era capaz de cumprir a função perdida há anos. Encorajados por esses resultados, os cientistas decidiram testar a função do sistema de BCI além do ambiente de realidade virtual.

Adaptação trabalhosa
Primeiro, demonstraram que uma pessoa com paralisia poderia andar em uma esteira com a ajuda de órtese robótica controlada pela interface cerebral. Depois, avançaram para o estimulador muscular elétrico, que permitiu a um voluntário dar passos controlados por conta própria. “Mesmo após anos de paralisia, o cérebro pode gerar ondas cerebrais eficientes que podem ser detectadas para permitir uma caminhada simples. Nós demonstramos que é possível restaurar a caminhada intuitiva, controlada pelo cérebro, depois de uma lesão medular completa”, ressalta em um comunicado An Do, neurologista do hospital da Universidade da Califórnia em Irvine e um dos autores do estudo.

Isso não significa, no entanto, que o processo de adaptação do usuário à interface computadorizada foi simples. Antes que o voluntário pudesse dar os primeiros passos com o sistema eletrônico, ele teve de passar por uma bateria de testes que comprovassem que o corpo dele teria condições de se mover da forma adequada. Depois, foi submetido ao ambiente virtual, em que seus sinais cerebrais foram decodificados para o aperfeiçoamento do sistema.

Durante todo o tempo, o paciente realizou uma série de exercícios físicos para fortalecer os músculos enfraquecidos pelos anos de paralisia. O processo levou 19 semanas, durante as quais ele se submeteu a 22,5 horas de treinamento. “Mesmo aqueles que são capazes de assumir rapidamente o controle do sistema aprimoram a precisão do controle da interface com o tempo”, avalia o Zoran Nenadic. Eventualmente, o participante foi capaz de se mover com a ajuda de um andador e de um equipamento de segurança que o mantinham de pé sobre o solo. Os autores do estudo lembram que o tempo recomendado de fisioterapia para o uso desse tipo de equipamento é de 32 sessões de uma hora.

Experimental
Embora alguns dos componentes usados nos experimentos já sejam aprovados pela agência de saúde norte-americana, os autores do estudo ressaltam que o trabalho ainda está na fase conceitual. O sistema eletrônico só foi testado até o momento com um único voluntário e em um ambiente controlado. Portanto, ainda não está pronto para restaurar os movimentos de outros pacientes. “No entanto, os resultados são encorajadores e indicam que a busca por sistemas como esse é justificada”, acredita Nenadic.

Depois de testar a interface com outros voluntários, o grupo pretende adaptar a interface cérebro-máquina para um sistema totalmente implantável. A integração dos eletrodos ao corpo do paciente poderia produzir dados de muito mais qualidade e que, talvez, permitissem o controle de movimentos mais complexos e precisos. O implante também seria a única forma de dar ao paciente o feedback táctil necessário para uma caminhada mais segura e controlada.

"Mesmo após anos de paralisia, o cérebro pode gerar ondas cerebrais eficientes que podem ser detectadas para permitir uma caminhada simples. Nós demonstramos que é possível restaurar a caminhada intuitiva, controlada pelo cérebro, depois de uma lesão medular completa” - An Do, neurologista do hospital da Universidade da Califórnia e participante do estudo