Desejo de ser mãe: especialista defende que saúde reprodutiva é mais importante do que a idade

Referência mundial em reprodução assistida, espanhol Buenaventura Coroleu acredita que as técnicas se voltarão cada vez mais para a realidade de cada paciente. Por isso, aprova recente medida brasileira facilitando o procedimento em mulheres que passaram dos 50 anos

por Revista do CB 07/10/2015 15:00

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Carlos Vieira / CB / D.A Press
"Se temos a possibilidade de, antes de uma transferência embrionária, saber que o embrião que vamos transferir é geneticamente normal, penso que seria uma prática ruim por parte dos médicos não utilizar essas ferramentas" - Buenaventura Coroleu (foto: Carlos Vieira / CB / D.A Press)
O sucesso de países como a Espanha no campo da fertilização in vitro - a nação é a terceira entre as europeias em quantidade de reproduções assistidas por ano, cerca de 54 mil - se deve, em muito, aos investimentos em inovação. Pesquisadores como o médico Buenaventura Coroleu, um dos expoentes mundiais na área, têm colaborado para manter o país na vanguarda.

Buenaventura desembarcou no Brasil justamente na semana em que o Conselho Federal de Medicina atualizou as normas para a reprodução assistida no país. Segundo ele, a decisão de derrubar a obrigatoriedade de uma autorização do órgão para que as mulheres com mais de 50 anos usem as técnicas de reprodução assistida é acertada. “A idade já não pode ser determinante, e sim a saúde reprodutiva, a saúde do óvulo”, defendeu.

O pesquisador, que também é especialista em ginecologia e chefe do Serviço de Reprodução do Instituto Universitário Dexeus, em Barcelona, observa que a medicina está caminhando para a personificação dos tratamentos. “A idade não é mais um protocolo de restrição. Cada caso é analisado, é feito um estudo na paciente”, explica Buenaventura, que, no mês passado, publicou no periódico Reproductive Biomedicine Online um estudo sobre a implantação de mais de um embrião em uma mesma mulher e a possibilidade de gerar uma gravidez indesejada de gêmeos.

Um pouco incomodado com o calor impiedoso dos últimos dias na cidade, o médico, que conversou com a reportagem no lobby do hotel em que ficou hospedado, também fez observações sobre a edição genética de embriões, tanto dos que podem ser implantados quanto dos descartados. “A ética, sem abusar, é aplicar os conhecimentos que temos pelo bem da pessoa e da sociedade”, defende.

O pesquisador falou ainda sobre a polêmica recompensa financeira a doadoras de embriões e sobre novas apostas da reprodução assistida, como o transplante do tecido ovariano e o diagnóstico genético.

Resolução atualizada
Antes da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), até mesmo as pacientes que haviam começado a fazer o tratamento tinham que interrompê-lo quando entravam na sexta década de vida. Agora, tanto a paciente quanto o médico devem assumir os riscos da gravidez. O documento também deixa claro que a doação de gametas é restrita ao sexo masculino e determina novas regras para o descarte de embriões. As clínicas devem mantê-los congelados por cinco anos e, depois, podem descartá-los ou doá-los para estudos. Não foram contempladas pelas normas da CFM técnicas recentes, como a edição genética em embriões e o transplante de tecido ovariano.

Como a ciência explica que, em alguns casos, uma mulher de 50 anos tenha mais chances de gestar do que uma de 40 anos ou menos?
Habitualmente, a medicina marcou os 50 anos como limite para conseguir uma gestação saudável porque era a idade em que começavam a aparecer doenças, tanto na mulher quanto nos óvulos. Mas, ao longo dos anos, a expectativa de vida aumentou e o estilo de vida possibilita que mulheres com 50 anos ou mais tenham chances de engravidar de forma saudável. Isso era impossível de se imaginar há alguns anos. Concordo com a resolução (do Conselho Federal de Medicina) que permite que o tratamento de reprodução assistida, nesses casos, seja uma decisão entre a paciente e o médico, havendo uma personificação desse tratamento. Cada caso deve ser analisado, a idade não pode restringir. Mas é importante fazer um estudo pré-concepcional porque, a partir de uma idade, a gravidez se torna arriscada.

A idade, então, não é mais um fator determinante para quem quer fazer o tratamento de fertilização?
Acredito que ainda deve haver uma consciência do limite de 50 anos porque as chances de o tratamento dar certo diminuem a partir dos 38 anos. Antes, os protocolos eram muito restritos. Agora, as técnicas e os laboratórios são melhores, a idade não é mais um protocolo de restrição. Cada caso é analisado, faz-se um estudo dele. Há mais chances de conseguir um nascimento. Por isso, é importante fazer um estudo da paciente antes e depois do tratamento.

E sobre a questão do uso do próprio óvulo no caso de mulheres com 50 anos? Há um estudo espanhol recente, publicado pela European Society of Human Reproduction and Embryology, que alerta os médicos a orientarem as pacientes com mais de 44 anos a usar óvulos doados por mulheres com menos de 35. Por que isso é importante?
Essa é uma discussão que ocorre porque a mulher normalmente quer gestar o próprio óvulo. A análise desse estudo é muito importante, porque ele começa a separar em grupos de observação mulheres a partir dos 38 anos, quando as taxas de gravidez por reprodução assistida começam a cair. Antes, os estudos eram misturados. Colocavam mulheres com mais de 38 anos num grupo e as com menos de 38 em outro. Depois que fragmentaram as faixas etárias, foram percebendo a queda nas taxas de sucesso do tratamento. A partir dos 38 anos, diminui a chance de engravidar, a taxa podia chegar a 1% de sucesso. E observaram que, quando as mulheres usavam óvulos doados por outras mais jovens, os índices de sucesso aumentavam. É uma questão de saúde do óvulo e da mulher.

Quanto à questão da preservação da fertilidade, a ciência tem conseguido reverter a dificuldade de pessoas que têm câncer e são submetidas à quimioterapia e à radioterapia em terem filhos? Isso é realmente possível?
A preservação da fertilidade, graças às técnicas de reprodução assistida, tem solucionado ou pode solucionar — porque não podemos generalizar em reprodução assistida, não se pode garantir com toda segurança a gravidez — a questão de criar uma possibilidade para que um homem ou uma mulher tenha um filho depois do tratamento contra o câncer. Isso se dá por meio do congelamento do tecido ovariano ou do esperma antes da químio e da radioterapia. O primeiro nascimento graças ao transplante de tecido ovariano foi na Bélgica, há cerca de 11 anos, e, a partir desse momento, abriram-se as portas da preservação da fertilidade.

Esse é o procedimento mais atual no sentido de preservar a fertilidade?
Hoje, a técnica mais utilizada na preservação é a vitrificação de ovócitos, mais do que o congelamento do tecido ovariano. Esse congelamento é feito principalmente em meninas antes da puberdade, que não podem ser estimuladas, ou em tratamentos com contraindicação clara de uma estimulação posterior. Até agora, foram divulgados os nascimentos de mais de 60 crianças graças ao transplante de tecido ovariano. Mas essa é uma técnica que ainda é considerada experimental, embora tenha suas indicações.

O que falta avançar nessa técnica para que ela seja consolidada como a de vitrificação do ovócito, por exemplo?

O número de casos que são publicados. Por isso, é muito importante que todos os que trabalham em preservação da fertilidade publiquem os resultados, tanto positivos quanto negativos, para que realmente saibamos perfeitamente a utilidade do transplante do tecido ovariano. Assim, acredito que em um ou dois anos, ele possa ser mais analisado e autorizado.

Há uma discussão sobre a promoção do comércio de embriões quando as doadoras são recompensadas financeiramente. No Brasil, a legislação proíbe essa prática e mesmo o altruísmo. Como funciona na Espanha?
Acreditamos que deve haver uma recompensa pelo esforço que a doadora faz. Na Espanha, a quantia máxima permitida é de mil euros por doação e, até o momento, consideramos ser um bom sistema. É feito um estudo na doadora e isso significa, para ela, uma perda de horas no trabalho, há um deslocamento também. Isso tem que ser recompensado. A doadora tem que se submeter a uma intervenção cirúrgica, a uma punção folicular. Deve-se fazer uma diferenciação entre essas condições e a exploração das mulheres. É preciso haver um ponto de equilíbrio que considere o bem-estar delas.

Outra discussão bioética diz respeito à pré-seleção, ou mesmo à edição genética, de embriões para eliminar doenças, implantando apenas o considerado mais saudável. Qual é a sua opinião sobre esse tema?
Acredito que temos em nossas mãos uma técnica que pode garantir que o embrião a ser implantado seja saudável, não morfologicamente normal, mas saudável. Isso é uma técnica de prevenção magnífica para solucionar um problema grande. Sabemos que a idade da mulher é um fator negativo para a qualidade dos óvulos. Com o tempo, aumenta a probabilidade de alterações cromossômicas, como as síndromes de Down e de Turner, diferentes enfermidades que podem ser terríveis quando essas crianças nascem. Se temos a possibilidade de, antes de uma transferência embrionária, saber que o embrião que vamos transferir é geneticamente normal, penso que seria uma prática ruim por parte dos médicos não utilizar essas ferramentas. Por isso, acredito que, dentro de quatro anos, não faremos a fecundação in vitro da forma como fazemos atualmente. Agora, selecionamos o embrião que tem um aspecto, nada mais. Dentro de pouco tempo, poderemos selecionar o embrião que não somente tem um bom aspecto, morfologicamente normal, mas também é geneticamente normal. Isso é o que vão nos pedir as pacientes e a própria sociedade. Em um momento em que as ajudas sociais vão de mal a pior, não ter uma grande quantidade de crianças com problemas pode ser uma solução. A ética, sem abusar, é aplicar os conhecimentos que temos pelo bem da pessoa e da sociedade.

E quanto ao futuro da reprodução assistida? Qual é o próximo objetivo a ser alcançado?
O diagnóstico genético é uma linha magnífica, mas sigo dizendo que um objetivo claro é a diminuição de possíveis complicações, além de evitar a gravidez múltipla e fazer a implantação seletiva de um embrião, sabendo que ele é normal. A média de embriões implantados agora é bem diferente da de 20 anos atrás. Viemos diminuindo e descartando menos porque cada vez sabemos mais. O trabalho de laboratório é uma peça importante na fertilização in vitro. Para mim, o futuro é a seleção e a implantação de um único embrião que garanta êxito.