Puberdade precoce deve ser observada com cuidado, já que pode comprometer o crescimento da criança

O período de transição entre a infância e a vida adulta é repleto de intensas mudanças, mas, algumas vezes, o processo começa antes do planejado

por Gláucia Chaves 24/09/2015 11:00

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Editoria de Arte/CB/D.A Press
Desenvolvimento sexual completo se dá em torno dos 12 aos 14 anos (foto: Editoria de Arte/CB/D.A Press)
O momento em que a puberdade começa a dar os primeiros sinais é sempre delicado, tanto para os futuros adolescentes, quanto para os pais. Quando o crescimento de mamas, os primeiros pelos corporais e o desenvolvimento dos órgãos genitais começam antes da hora, contudo, o assunto é ainda mais polêmico. Se as mudanças acontecem antes dos 8 anos para as meninas e dos 10 para os meninos, o sinal amarelo se acende. Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e especialista em pediatria pela Universidade da Califórnia (EUA), Sylvio Renan Monteiro de Barros explica que, quando o desenvolvimento sexual inicia-se antes do tempo, a criança pode ficar com a estatura final abaixo da expectativa, perdendo até 10cm da altura que poderia ter.

O mecanismo que provoca a produção hormonal da hipófise, responsável pelos hormônios sexuais e, consequentemente, pelo início da puberdade, está presente em nós desde que nascemos. Logo nos primeiros meses de vida, esse mecanismo é inibido. Por volta dos 6 anos, esse mecanismo passa a ser interrompido. “Quando os hormônios começam a ser liberados, é porque a pessoa entrou na puberdade”, resume Ieda Verreschi, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Nas meninas, o processo acontece mais rapidamente por conta da composição corporal — peso e altura — necessária para a reprodução, segundo a médica.

Em média, o desenvolvimento sexual completo se dá em torno dos 12 aos 14 anos. De acordo com Ieda Verreschi, há poucas explicações para o adiantamento da maturidade sexual. A puberdade precoce verdadeira ou central, por exemplo, acontece quando traumas ou lesões no sistema nervoso, como tumores, estimulam o hipotálamo e a glândula hipófise, responsáveis pelo controle dos hormônios sexuais. Quando esse estímulo não tem justificativa aparente, o fenômeno passa a ser chamado de puberdade precoce verdadeira idiopática.

Há ainda a puberdade precoce periférica, em que medicamentos (como anticoncepcionais) ou glândulas sexuais e/ou adrenais ocasionam o estímulo. Ieda ressalta que o problema é que formulações estrogênicas (ou seja, com substâncias que atuam como o estrogênio no organismo) existem tanto em medicamentos, quanto na natureza. Um exemplo são os fitoestrógenos, substâncias de origem vegetal que atuam no organismo de forma semelhante ao estrogênio. Ervilha, feijão, grãos integrais, soja e alimentos derivados, como tofu, são alguns exemplos de alimentos ricos em fitoestrogênio. “Eles estão no grupo de substâncias que chamamos de desreguladores endócrinos”, completa a médica.

O bisfenol A (BPA), composto usado na fabricação da maioria dos plásticos, é um bom exemplo de desregulador hormonal — e um vilão para as crianças. O BPA é ótimo para acondicionar alimentos, uma vez que evita a ferrugem e previne a comida da contaminação externa — razão pela qual é geralmente usado no revestimento interno de latas de comida. Acontece que, em contato com o organismo, a substância se comporta como o estrogênio, o que pode desorganizar a produção hormonal como um todo, causando, entre vários outros problemas, a puberdade precoce. “Existe uma janela aberta de sensibilidade no tempo de vida da criança para essas ações nocivas”, completa Ieda Verreschi.

O primeiro passo para contornar o problema, de acordo com Sylvio de Barros, é entendê-lo. “Existem alguns tabus, como a puberdade precoce ser causada por hormônios presentes em alimentos ou pela sexualização dos programas de televisão.” Outro grande problema, segundo ele, é a falta de diagnóstico, já que muitos pais não se atinam para as mudanças. “Atendo em consultório desde 1978 e percebo que é um hábito dos pais deixarem de trazer os filhos a partir dos 9 anos”, exemplifica. “Essa é uma fase importantíssima para o acompanhamento pediátrico. É o que vai avaliar se a criança vai ter uma boa estatura ou não.”

Luis Eduardo Calliari, pediatra e endocrinologista infantil, diz que o problema acomete mais meninas do que meninos. Em compensação, quando acontece com eles, geralmente o motivo que causou a aceleração hormonal é mais grave. “Nas meninas, na maioria das vezes, é por alterações hormonais. É mais comum os meninos apresentarem quadros mais graves, como alterações neurológicas que podem vir associadas a crises convulsivas”, explica.

Assim que os sinais são detectados, a orientação dos médicos é unânime: a criança deve ser encaminhada imediatamente ao endocrinologista ou ao pediatra, a fim de que o profissional investigue os sintomas. Calliari explica que a primeira parte da investigação consiste em um exame físico, em que serão observados sinais como aumento de quadril, de mama, da quantidade de pelos no corpo e alterações genitais características da adolescência. Outra coisa que se percebe facilmente no exame físico é o crescimento rápido, chamado de “estirão”. É nessa fase que os pré-adolescentes parecem crescer de uma hora para outra: é esperado que as meninas cresçam cerca de 16cm e os meninos, 20cm. Com a chegada da puberdade, o crescimento não vai muito mais longe. Se a puberdade chega antes do previsto, o crescimento também para antes do tempo.

Depois da avaliação física, os médicos passam para os exames laboratoriais. “Dosamos os hormônios e fazemos avaliações radiológicas”, detalha Luis Eduardo Calliari. Um desses exames é o raio X da mão da criança, para saber se a idade óssea equivale à idade cronológica do paciente. “Se uma menina de 6 anos apresenta uma estrutura óssea de uma de 8, quer dizer que está havendo estímulo hormonal”, exemplifica o médico. Seja qual foi o motivo ou o sexo da criança, o tratamento é basicamente o mesmo: supressões hormonais mensais ou trimestrais para adiar o processo. A medicação usada é chamada de análogo de GnRH, que atua inibindo a atuação da hipófise.

A perda de centímetros preciosos na estatura final não é o único problema que a puberdade precoce pode deixar de lembrança. Problemas sociais e comportamentais em crianças nessa situação também são comuns, uma vez que ela ou ele estarão esteticamente diferentes dos colegas da mesma faixa etária. Luis Calliari, pediatra e endocrinologista infantil, frisa que essas meninas, convivendo com outras que nem menstruaram, ainda podem ficar antissociais, arredias e, em alguns casos, até deprimidas. “Não chega a causar problemas de saúde no futuro, mas as questões que ela gera não são simples”, reforça. “Agressividade e hábitos de risco são perigosos nessa fase.”

Ieda Verreschi, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), explica ainda que, com o desenvolvimento sexual precoce, outros efeitos nocivos dos hormônios sexuais costumam aparecer no organismo. Basicamente, nos ossos. “Vai haver uma aceleração em um primeiro momento e, em seguida, o bloqueio dos locais de crescimento.” Isso pode gerar prejuízo no futuro. “O paciente não adquire todo o desenvolvimento que poderia, o que é muito grave para ambos os sexos.”

A puberdade precoce, quando diagnosticada a tempo, tem tratamento. Verreschi detalha que são usadas drogas especiais que voltam a inibir o controle do hipotálamo antes que o processo de puberdade se complete. “São substâncias análogas aos hormônios liberados pelas gonadotrofinas da hipófise, conhecidas desde a década de 1970.” Usadas de maneira supervisionada e controlada, as drogas têm efeitos satisfatórios, garante a médica. “Assim que os pais perceberem os sinais, devem levar os filhos ao médico, para evitar que a criança entre de vez na puberdade. Se eles não agirem rápido, podem perder o bonde.”

O passo a passo da puberdade
  • De modo geral, a puberdade acontece entre 8 e 13 anos, para as meninas; e entre 9 e 14, para os meninos.
  • Entre várias outras tarefas, o hipotálamo é a parte do cérebro que age nos processos relacionados ao desejo sexual. Na puberdade, essa parte do cérebro libera um hormônio chamado de hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH);
  • O hormônio liberado pelo hipotálamo atua na hipófise, uma pequena glândula localizada na base do cérebro;
  • A hipófise libera dois hormônios: o luteinizante (LH) e hormônio folículo estimulante, hormônio de estímulo folicular (FSH);
  • Juntos, o LH e o FSH estimulam o ovário a produzir estrogênio e os testículos, testosterona.


Principais sintomas

  • Desenvolvimento das mamas;
  • Aumento dos testículos;
  • Aparecimento dos pelos pubianos e axilares;
  • Evolução muito acelerada dos caracteres sexuais;
  • Estatura acima do padrão da família (altura de pai e mãe);
  • Idade óssea muito avançada;
  • Velocidade de crescimento acelerada.


Diagnóstico

  • Exame físico;
  • Dosagem hormonal;
  • Checagem da idade óssea com radiografia de punhos e mãos;
  • Ressonância magnética de crânio;
  • Ultrassom de abdômen.


Tratamento

  • Administração de hormônios bloqueadores da puberdade.


Fonte: Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)