LAM: conheça a doença que rouba o ar das mulheres

Enfermidade rara e incurável que ataca pulmões de mulheres ainda é pouco conhecida, até mesmo por pneumologistas

por Correio Braziliense 21/09/2015 15:00

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Cristiano Gomes / CB / D.A Press
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“Eu sentia muito cansaço ao tomar banho e até mesmo quando penteava o cabelo, mas não imaginava o porquê disso. Como sentia dores abdominais, no início, fui diagnosticada com pedra na vesícula. Mas, depois de uma tomografia, foi descoberta a possibilidade de eu estar com linfangioleiomiomatose”, conta a bióloga Verônica Melo Borges, 40 anos. Em outubro do ano passado, a moradora de Brasília ouvia pela primeira vez o nome da doença, ao mesmo tempo em que descobria que era uma das poucas pessoas a desenvolver esse mal incurável — estima-se que 250 mil pessoas tenham a enfermidade em todo o mundo — e que conta com pouco apoio no Brasil.

Também designada simplesmente pela sigla LAM, a linfangioleiomiomatose é causada por uma mutação genética nos genes TSC1 e TSC2. A alteração leva à proliferação de cistos formados por células musculares lisas que tomam o espaço que serviria para os alvéolos pulmonares se expandirem durante a inspiração do ar. Vem daí a falta de ar sentida por quem tem o mal, um quadro que pode causar insuficiência respiratória grave, levando ao risco de morte.

A bióloga também tem o perfil da maioria das pessoas com o problema, que afeta, principalmente, mulheres entre 20 e 40 anos. O diagnóstico se tornou mais fácil nos últimos anos, mas muitos médicos ignoram a enfermidade. “Hoje, a LAM é entendida como neoplasia de baixa malignidade. Isso quer dizer que ela é um tecido que se prolifera sem controle. O diagnóstico é facilitado pela maior acessibilidade da população à tomografia, porém ela ainda é pouco conhecida pela comunidade médica”, afirma o pneumologista Marcelo Palmeira, do Hospital Universitário de Brasília (HUB).

Hormônio
A prevalência em mulheres em idade fértil está ligada à produção de estrógeno nesse período da vida. O hormônio atua como indutor na multiplicação de células musculares em todo o corpo feminino. Quanto mais cedo a paciente desenvolver a doença, maior será o risco de uma morte prematura por incapacidade respiratória. As pacientes não podem, portanto, usar anticoncepcionais e fazer reposição hormonal. A gravidez é contraindicada.

A formação dos cistos pode ocasionar uma passagem de ar para a pleura, membrana que envolve o pulmão. Esse bolsão de oxigênio impede que a pessoa inspire. “Esse ar fica represado entre o pulmão e a pleura, sendo necessário drená-lo, pois o pulmão fica muito comprimido. Então, colocamos um tubo pelo tórax para perfurar a pleura e esvaziá-la”, conta Palmeira.

Outra complicação recorrente é o derrame pleural, no qual também é necessário esse escoamento. Nesse caso, os cistos entopem os vasos linfáticos, responsáveis por carregar células que lutam contra infecções. O comprometimento do sistema linfático pode levar ao aparecimento de angiolipomas, tumores vasculares localizados nos rins. Apesar de serem benignos, eles podem se romper e provocar perigosas hemorragias.

Tratamento
Atualmente, não há cura para a LAM. O transplante de pulmão é uma opção, mas há risco de a doença voltar a se manifestar no novo órgão. O tratamento é feito, principalmente, pela administração da substância sirolimus. “Em alguns casos, o remédio consegue reverter a piora da doença e, na maioria das vezes, a estabiliza”, explica Bruno Baldi, pneumologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, principal centro de referência para acompanhamento da LAM no Brasil.

A instituição recebe pacientes de todos os estados, conta o diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do hospital, Carlos Carvalho. “Atendemos mais de 100 mulheres com a enfermidade. Aqui, fazemos as avaliações necessárias para o diagnóstico e desenvolvemos pesquisas que podem levar a uma melhora na qualidade de vida das portadoras”, comenta. As principais pesquisas realizadas sobre a LAM no Brasil estão voltadas para o aumento da expectativa de vida. “Criamos um programa de exercícios aeróbicos com resultados positivos. Conseguimos melhora significativa na capacidade pulmonar”, completa.

O maior desafio de quem sofre com a doença, porém, é o acesso ao tratamento. Como a doença não está cadastrada no Ministério da Saúde, mulheres diagnosticadas não conseguem receber a sirolimus no Sistema Único de Saúde, que só fornece a droga para transplantados de pulmão ou rim. Cada caixa da medicação, suficiente para um mês de tratamento, custa R$ 2 mil. “As pacientes que têm a doença só conseguem o direito a esse remédio por meio de um mandado judicial”, diz Bruno Baldi. “Como muitas doenças raras, ela é muito negligenciada. Hoje, as pacientes ainda batalham por benefícios simples, como a isenção de impostos, a aposentadoria antecipada e um atendimento público com supervisão médica correta em seus estados de origem”, completa.

Outra luta é por tornar a doença mais conhecida, pois há poucas informações até entre pneumologistas. “É importante que a classe médica conheça a enfermidade e os sintomas para que reconheça na paciente os indícios da LAM”, defende Carvalho. Para alcançar esses objetivos, pacientes criaram a Associação LAM do Brasil.

Em 18 de agosto, um pequena vitória foi alcançada: representantes de associações de doenças raras fizeram da LAM o foco principal em discussão sobre políticas públicas na Comissão de Seguridade Social e Família na Câmara dos Deputados. Uma ação nesse sentido é urgente, lembra Marcelo Palmeira, do HUB. “A maioria das pacientes está na faixa dos 20 aos 35 anos. Daqui a uma ou duas décadas, estarão em um estado crítico de insuficiência pulmonar. Há pouco tempo, tive uma paciente que morreu aos 41 anos, sem conseguir acesso ao remédio”, lamenta o médico.

Depoimentos

“Eu sempre coloco uma meta para mim: quero ver minha filha se formar no ensino médio. Quando alcançar essa meta, vou querer vê-la se formar no ensino superior. Depois, quero assistir ao casamento dela… Vai ser assim enquanto eu puder”
Carmelina de Moura, 48 anos, economiária

“Quando contei para minha família, todos entraram em depressão. Meu pai não conseguia nem ver foto minha que chorava. Todos foram para a internet e, lá, descobriam que minha expectativa de vida era na base dos 10 anos. Ficaram desesperados”
Karina Garcia, 36 anos, autônoma

“Uma das coisas que mais me assustam é saber que, se eu tiver uma complicação repentina, é possível que os médicos por quem serei atendida não entendam o que eu tenho”
Maria Deusa Cavalcante, 55 anos, servidora pública