Suplementos podem causar transtorno alimentar

Cientistas norte-americanos alertam para a ingestão indiscriminada desses produtos e suas consequências

Isabela de Oliveira 18/08/2015 10:00
AFP PHOTO / BERTRAND GUAY
Pesquisa levantou informações sobre a dieta e o uso de suplementos alimentares de 195 homens com mais de 18 anos (foto: AFP PHOTO / BERTRAND GUAY )
Bombardeados por imagens de modelos sarados e másculos, de protagonistas heroicos de filmes de ação ou de garanhões de performance excepcional, os homens estão tão preocupados com a aparência quanto as meninas e as mulheres, grupo que até pouco tempo atrás detinha a fama de mais suscetível à pressão pelo corpo perfeito. E, em um esforço para construir uma imagem-alvo de desejo, eles apostam quase sempre em produtos vendidos legalmente: os suplementos alimentares. O consumo e as metas estão ficando tão desproporcionais que o psicólogo norte-americano Richard Achiro alerta que o novo padrão de consumo dessas substâncias está transformado o exagero ao ingeri-las em um distúrbio alimentar masculino emergente.

Achiro, que é pesquisador da Alliant Internatinal University, em Los Angeles (EUA), apresentou na reunião anual da American Psychological Association, dados que corroboram a observação. Ele levantou informações sobre a dieta e o uso de suplementos alimentares de 195 homens com mais de 18 anos. Os participantes haviam consumido produtos do tipo até um mês antes da pesquisa e malhavam pelo menos duas vezes por semana.

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A descoberta mais surpreendente para o psicólogo foi a forma como muitos homens expressaram preocupação com a própria ingestão excessivo de suplementos legais (29%). Apesar da cisma, admitiram que, além de não interromper o consumo, passaram a aumentá-lo. “O fato de eles estarem preocupados, mas não conseguirem parar ou reduzir a suplementação indica que existem questões psicológicas mais profundas que os fazem optar pela utilização contínua”, explicou o pesquisador.

Essas questões psicológicas envolvem, entre outros fatores, baixa autoestima, insatisfação com o corpo e conflitos com o papel do gênero, ou seja, a sensação de inadequação com o que se espera social e culturalmente da masculinidade. Achiro e o coautor da pesquisa, Peter Theodore, PhD da Escola de Psicologia Profissional da Califórnia, descobriram ainda que mais de 40% dos participantes indicaram que aumentaram a ingestão de suplementos ao longo do tempo e 22% admitiram substituir refeições regulares por esses produtos (veja infográfico).

Para Achiro, os achados são um demonstrativo empírico de que a ingestão excessiva e arriscada de suplementos é uma nova variante de transtorno alimentar em homens. Ele e Theodore chegaram a essa conclusão porque os participantes se encaixaram nos termos do Eating Disorder Examination-Questionnaire, um instrumento de diagnóstico estabelecido para avaliar transtornos alimentares. “Meu palpite é que, como o corpo dos homens está cada vez mais objetificado e submetido aos padrões do que se entende de perfeito, cada vez mais eles vão se deparar com sensações de inadequação e, a partir disso, buscar estratégias excessivas a fim de se enquadrar às ‘normas’. O físico masculino ideal hoje é magro e musculoso”, explica Achiro.

Mortalidade alta
A psicóloga Carolina Halperin, da Wainer Psicologia Cognitiva, de Porto Alegre, avalia que as constatações de Achiro acendem um sinal de alerta. Isso porque os transtornos alimentares são síndromes psiquiátricas que apresentam a maior taxa de mortalidade entre todos os problemas do tipo, em torno de 15%. Dietas muito restritivas, comer compulsivamente e usar métodos inadequados para a perda e a manutenção de peso são alguns dos comportamentos que indicam que há algo errado. Há também uma série de cognições disfuncionais sobre conceitos nutricionais.

A taxa exata de transtorno alimentar entre homens, conta Halperin, ainda não foi completamente estabelecida. “A proporção relatada na literatura é, via de regra, de um homem para cada 10 mulheres com o problema. Entretanto, alguns estudos sugerem que essa proporção começa a mudar e mais homens estão sendo diagnosticados com bulimia nervosa. Além disso, os estudos sobre vigorexia (obsessão pelo corpo musculoso) sugerem que esse transtorno é bem prevalente entre homens”, conta.

É nesse sentido também que os achados da pesquisa norte-americana têm força, avalia a psicóloga brasileira. “O estudo é relevante no momento em que apresenta um novo tipo de comer transtornado — que pode se tornar um problema alimentar como a vigorexia.” Halperin explica que o conceito comer transtornado é novo e indica um foco excessivo no ato de preparar e de ingerir alimentos: seja para perder peso, seja para ganhar massa, seja por qualquer outro motivo. “Comer faz parte das necessidades básicas dos seres humanos, mas nem por isso deve ser feito sem levar em consideração fatores como o prazer e a diversão. A partir do momento que se torna um sofrimento e acarreta prejuízos emocionais, sociais e cognitivos, pode ter algo de errado”, alerta.

Achiro acredita que os resultados terão impactos positivos na prática clínica. O pesquisador avalia que um número significativo de homens tem consciência do próprio corpo e está lutando contra comportamentos alimentares e transtornos, que eram anteriormente negligenciados. “Além disso, nossos resultados destacam a importância de ajudar essa população a entender o que o corpo representa para ela e como problemas psicológicos e emocionais, como baixa autoestima e conflito de papéis de gênero, estão se concretizando por meio de comportamentos que são prejudiciais à própria saúde”, complementa.

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Fatores múltiplos
“Devemos compreender a existência de alguns fatores que interagem de tal forma que favorecem o desenvolvimento dos transtornos alimentares em um indivíduo independentemente do gênero. Há questões socioculturais, como mudança dos padrões de beleza; familiares, relacionamentos rígidos e incapacidade de resolver conflitos, por exemplo; e individuais, que são, por exemplo, a baixa autoestima e a forma que a pessoa reage ao bullying ou a outro tipo de violência. Em relação ao prognóstico, não temos dados conclusivos. Caso haja intervenção precoce, pode ser que o resultado seja mais favorável. A pessoa, porém, pode vir a desenvolver dismorfismo corporal, que atinge negativamente a funcionalidade do organismo devido à preocupação exacerbada com a aparência, adquirindo comportamentos repetitivos, como checagens ao espelho.”

Gracianne de Castro Carneiro, nutricionista clínica e coordenadora do Projeto Grupo de Atendimento a Transtornos Alimentares, da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal