Jaborandi é aliado na luta contra a esquistossomose

Grupo de cientistas brasileiros constata, depois de investigação laboratorial e testes preliminares, que planta nativa da Amazônia tem eficácia contra a verminose que mais mata no mundo

por Maria Clara Prates 31/07/2015 16:00

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Divulgacao/ USP
Os arbustos da planta nativa são facilmente encontrados no país. Se transformadosem remédio, poderia ter custo baixo de produção (foto: Divulgacao/ USP )

Pesquisadores brasileiros descobriram mais uma utilidade para o jaborandi, um arbusto de até três metros, nativo da floresta amazônica, que, além de combater o glaucoma, xerostomia (ausência de saliva) e ser amplamente usado em produtos cosméticos, tem propriedade de combater todas as fases do parasita da esquistossomose. Testes pré-clínicos comprovaram que um composto extraído da folha da planta, o epiisopiloturina, é eficaz no combate à verminose que mais mata no mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que a esquistossomose afeta quase 240 milhões de pessoas. E mais: pelo menos 700 milhões vivem em áreas endêmicas, localizadas principalmente em regiões tropicais e subtropicais, em comunidades carentes sem acesso a saneamento e água potável.

De acordo com a pesquisadora Ana Carolina Mafud, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), o estuda foi feito em três frentes – com o laboratório CentroFlora, a Universidade Federal do Piauí (UFPI) e a USP. Segundo Ana Carolina, a pesquisa teve início em razão da preocupação do laboratório em dar melhor destino ao resíduo na produção da pilocarpina, também retirada do jaborandi, para tratar o glaucoma (problema ocular caracterizado pelo aumento da pressão arterial nos olhos). Em razão disso, foi iniciada a investigação das propriedades do resíduo, sob coordenação do professor José Roberto de Souza de Almeida Leite, da UFPI, que constatou a presença de grande quantidade do alcaloide epiisopiloturina na planta. Já em São Paulo, foram feitos os testes in vitro e em animais, que verificaram a eficácia da substância conta a esquistossomose.

A infecção é adquirida quando as pessoas entram em contato com água doce que está infectada com as formas larvais de parasitas da espécie Schistosoma mansoni. Os vermes adultos microscópicos vivem nas veias de drenagem do trato urinário e dos intestinos. A maioria de seus ovos fica presa nos tecidos e a reação do corpo a eles pode causar grandes danos à saúde (veja ilustração).

VERSÃO SINTÉTICA A pesquisadora diz que a expectativa é que o medicamento já esteja sendo comercializado como fitoterápico nos próximos dois anos e, em razão da quantidade de matéria-prima, deve chegar ao mercado com custo baixo. Nesta fase, com a autorização do Sistema Único de Saúde (SUS), serão feitos experimentos em animais de maior porte, como coelhos e cachorros, e tentativas de se estabelecer dosagem adequada para humanos, sob coordenação da professora Yvonne Marcarenhas, do IFSC-USP). “Em parceria com o SUS, estamos avaliando a eficácia e a segurança de usar o composto como fitoterápico. Também existe a possibilidade de criar versões sintéticas da molécula com pequenas modificações e ação potencializada, o que seria mais interessante para a indústria farmacêutica”, explica Ana Carolina.

Há no mercado um único medicamento para o combate à verminose, o praziquantel, que tem ação limitada. A substância tem eficácia apenas contra vermes adultos e, embora melhore o quadro, não consegue promover a cura completa ou interromper o processo de transmissão da esquistossomose. Outras desvantagens do praziquantel são a alta toxicidade para o fígado e a ausência de uma formulação pediátrica, o que dificulta o tratamento de crianças, principal faixa etária atingida pela doença.

Obstáculo Apesar das vantagens do epiisopiloturina, os pesquisadores terão único obstáculo. Para ter efeito, o composto precisa ser administrado em dose bem mais alta (150mg/kg) do que o praziquantel (5mg/kg), o que deixa o produto pouco atraente para a indústria. Durante a fase da experiência em camundongos, foram aplicadas uma dose única, por via oral, cerca de 49 dias após a infecção pelo parasita. E para vencer essa barreira, o estudo tenta prolongar o tratamento por 10 dias adaptado à dosagem necessária. A pesquisadora Ana Carolina também deve descrever, antes da autorização de comercialização do fitoterápico, os mecanismos de ação do composto tanto no ser humano, como no parasita.