Busca por informação e troca de experiência são essenciais para quebrar paradigmas sobre o a síndrome de Down

A insegurança no cuidado com os pequenos, bem como a incerteza sobre o futuro deles, são as principais preocupações dos pais

por Gláucia Chaves 02/07/2015 11:00

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thatdadblog.com / Divulgação
Pai faz ensaio de filho voando para chamar atenção para a Síndrome de Down (foto: thatdadblog.com / Divulgação)
Saber que o bebê tão esperado tem síndrome de Down, a princípio, pode ser um choque, mas o sentimento costuma durar pouco. A busca por informação é - ou deveria ser - a primeira providência para entender um pouco mais sobre a realidade especial dos pequenos com a doença. Pensando nisso, especialistas, médicos e cerca de 130 familiares de pacientes organizaram a primeira edição da Jornada Científica Sobre Síndrome de Down, realizada no auditório do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) na última semana, em Brasília. O objetivo principal do encontro foi esclarecer familiares e profissionais da área sobre temas como hipotireoidismo, suplementação nutricional e aprimoramento cognitivo farmacológico.

O ponto de partida para a realização do evento — que teve apoio da organização não governamental Instituto Ápice Down —, de acordo com Moema Arcoverde, pediatra e coordenadora do Centro de Referência Interdisciplinar em Síndrome de Down (CRIS Down) do Hran, foi o interesse das famílias. “Os médicos também tinham muito interesse em trazer informações verdadeiras, baseadas em evidências científicas e práticas para ajudar na assistência aos pacientes.” As dúvidas surgem de acordo com cada etapa da vida da criança ou do adolescente, explica a especialista. “A prática de vida diária é que vai despertar as dúvidas, de acordo com as particularidades de cada um”, reforça.

"É preciso saber que existem minerais, sais, vitaminas, proteínas, enfim, vários produtos que você tem que saber usar, quando usar e saber reconhecer, na clínica e na dieta desse indivíduo, se há excesso ou falta destes produtos” - Zan Mustacchi

A insegurança no cuidado com os pequenos, bem como a incerteza sobre o futuro deles, são as principais preocupações dos pais. “Eles querem muito saber como vai ser o filho, mas isso é algo que nenhum profissional pode responder”, comenta Moema. A médica frisa que o programa foi lançado em 2013, mas o atendimento a crianças com a síndrome já era feito pela Secretaria de Saúde desde 1987. A equipe, formada por psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, odontólogos, médicos e profissionais de outras especialidades relacionadas à doença, atua simultaneamente, de forma interdisciplinar. “O Ápice Down é nosso braço social”, esclarece.

Karlo Quadros, clínico geral do Hran e do CRIS Down, frisa que outro objetivo foi desmistificar práticas duvidosas disseminadas na internet, em especial nas redes sociais. É comum, segundo o especialista, que substâncias, suplementos e nutrientes ainda em fase inicial de estudo sejam anunciados na rede como remédios milagrosos ou mesmo como a cura da síndrome. Um exemplo é o ginkgo biloba, planta conhecida por ter efeitos benéficos para o cérebro e para a memória, mas que também tem como ação a diminuição da coagulação do sangue. “O (paciente com) Down tem tendência a ter uma doença chamada síndrome de Moya Moya, uma inflamação no cérebro que pode gerar hemorragia”, explica. “Logo, se a pessoa usa ginkgo biloba, pode ter uma hemorragia cerebral.”

Pesquisador da condição há 38 anos, o pediatra e geneticista Zan Mustacchi chamou a atenção do público para a importância da nutrição desses pacientes. “É preciso saber que existem minerais, sais, vitaminas, proteínas, enfim, vários produtos que você tem que saber usar, quando usar e saber reconhecer, na clínica e na dieta desse indivíduo, se há excesso ou falta destes produtos”, destaca.

Quando Carla Mota, 42 anos, descobriu que o filho tinha síndrome de Down, imediatamente ficou preocupada com o futuro do garoto. “Só descobrimos que Miguel tinha a síndrome quando ele nasceu. Fiquei com medo do preconceito”, conta. Dois meses após o nascimento do pequeno, hoje com 6 meses, a médica procurou orientações no CRIS Down. Lá, foi orientada sobre a importância dos estímulos constantes para o melhor desenvolvimento do menino. Para Carla, eventos em que se é possível trocar informações e experiências são importantíssimos para os pais, uma vez que as crianças demandam um olhar especial. “Hoje em dia, é muito diferente. Antes, a criança era excluída, diziam que ela não seria capaz de fazer nada.”

Entrevista
Zan Mustacchi

Médico geneticista e pediatra especialista em síndrome de Down. É um dos fundadores da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down

Carlos Vieira / CB / D.A Press
Zan Mustacchi (foto: Carlos Vieira / CB / D.A Press)
Existem alimentos mais adequados aos pacientes com síndrome de Down?

Há produtos que chamamos de neuronutrientes. Eles têm funções importantes com relação a aspectos nutricionais que evocam a nutrição encefálica. São produtos que têm contexto de lipossolubilidade, ou seja, permite que eles atinjam o sistema nervoso central. É preciso quando e como usar minerais, sais, vitaminas e proteínas. Além disso, temos que reconhecer, na clínica e na dieta desse indivíduo, se há excesso ou falta destes produtos.

Quais seriam esses produtos?
Zinco, iodo, ferro, selênio. Existe uma série de produtos que são, principalmente, antioxidantes. Na verdade, eles favorecem a todos nós, pois diminuem as lesões celulares, além do envelhecimento prematuro. Se fizer um trabalho nesse sentido, é possível reduzir o desenvolvimento das lesões nas pessoas com síndrome de Down.

A dieta da pessoa com síndrome de Down precisa ser diferente da nossa?
Existem condições nutricionais que são favoráveis para todo mundo. Você tem que usar um aporte nutricional natural, não pode nutrir alguém com comprimidos. Se eu falar para você que é preciso tomar um copo de suco de frutas cítricas, como limonada ou laranjada, uma vez por dia, ou tomar uma pílula, curiosamente, você escolhe a pílula. Ela é mais fácil de tomar e você não vai ter o trabalho de comprar a fruta, lavar, fazer o suco. Você acredita que está sendo nutrido pela complementação de vitamina C, mas isso não é verdadeiro.

Quais são os principais mitos com relação à alimentação da pessoa com Down?
O grande mito é que o Down é obeso. Eles têm uma tendência a engordar por causa do intestino mais longo e mais lento, mas não é isso que vai fazer ficar obeso. O problema é comer de forma errônea, com calorias aumentadas. Sobre alimentos, gosto de enfatizar que qualquer bicho, quando dá a luz, usa como critério a erupção dentária para o desmame da prole. As pessoas não têm consciência disso. É um marco de maturação que permite o indivíduo a ter habilitação fisiológica para se nutrir adequadamente. O grande erro é dar comida para o bebê antes de ele ter dentes.

A dentição do paciente com Down demora muito a aparecer  (geralmente ocorre por volta de 1 ano). Até atingir essa fase, os pais devem dar apenas leite materno?
Leite materno é fundamental, claro, mas você também tem frutas e suco de frutas. Há fórmulas para complementar, porque a mãe também tem que trabalhar, ter seu contexto social. Vivemos no século 21 e a remuneração exclusiva do pai ou da mãe é insuficiente para manter a família. Isso tudo precisa ser considerado, mas não impõe a papinha salgada. É possível oferecer frutas amassadas, que serãosuficientes, e complementos de fórmula.

Quais os principais erros dos pais na alimentação da criança com Down?
Substituir alimento por prazer. Comer é um prazer. Uma criança que morde a ponta do lápis, por exemplo, está tendo um prazer neurológico.

Atualmente, existem suplementos artificiais específicos para quem tem síndrome de Down. Qual sua avaliação desses produtos?
Avalio primeiro como uma questão econômica. Quem elaborou isso, pensou: “Preciso produzir alguma coisa para que os pais comprem”, mas não conhece de nutrição nem de fisiologia do paciente com Down. É preciso bom senso. Esse tipo de complemento é necessário quando o aporte nutricional desse indivíduo não é suficiente.

Nos últimos 40 anos, o que mudou no tratamento desses pacientes?
Muito. A principal mudança foi a participação social. Os pais, antigamente, ficavam escondidos, não expunham os filhos. Hoje, eles perguntam, se queixam e querem mais, estão debatendo e exigindo do médico mais.

Qual conselho daria para quem acabou de ter um filho diagnosticado com Down?
A primeira coisa é saber que se trata de um bebê que nunca vai infartar. É uma criança que nunca vai ter hipertensão arterial, câncer sólido, parasitose intestinal nem asma. Por fim, digo que esses pais precisam acreditar nessa criança.