Menstruação ainda é cercada de tabus; veja o que é mito ou verdade

Série de fotografias sobre menstruação e iniciativa de jovem norte-americano nas redes sociais são exemplos recentes que questionam a falta de naturalidade para lidar com o tema

Valéria Mendes 14/05/2015 09:30
Rupi Kaur e Prabh Kaur
Foto da série 'Period', das irmãs Rupi Kaur e Prabh Kaur, censurada no Instagram (foto: Rupi Kaur e Prabh Kaur )
“Sangro todo mês para ajudar que a humanidade seja possível. Meu ventre é um lugar divino. Uma fonte de vida para a nossa espécie”. A frase integra a série de fotografias ‘Period’ das irmãs paquistanesas Rupi Kaur e Prabh Kaur e ficou conhecida após o Instagram remover do perfil de Rupi uma das imagens que ela compartilhou na rede social. O registro mostrava uma mulher deitada na cama com manchas de sangue na calça que usava e também no lençol.

Clique aqui e veja as fotos da série 'Period'

“Menstruação ainda é tabu”, declarou a escritora radicada no Canadá após polêmica. Apesar do desfecho favorável - já que o Instagram restaurou o conteúdo – o episódio exemplifica bem a falta de naturalidade para lidar com algo que é normal. Muito antes pelo contrário: os absorventes evoluem em qualidade e modelos – coletor menstrual e a adesão cada vez maior entre as brasileiras, calcinha que dispensa absorvente e até absorvente íntimo em que é possível fazer sexo estando com ele -, mas o sangue feminino ainda é motivo de vergonha e nojo. Mulheres se esforçam para esconder que estão menstruadas, pedem socorro sussurrando quando o sangue desce inesperadamente, ficam ruborizadas caso a roupa manche, carregam a embalagem em direção ao banheiro com receio de serem descobertas, como se o ciclo menstrual fosse algo que as humilhasse. Não é.

Em uma das entrevistas que concedeu após o caso repercutir, inclusive no Brasil, Rupi declarou: “Meu desejo é que a sociedade se pergunte sobre o porquê de o tema da menstruação causar tanto incômodo. Quero mostrar a ignorância e a misoginia que cerca esse tema”. Segundo a escritora, a foto provocou um tipo de resposta que era exatamente o que ela e a irmã tentavam criticar, uma reação de ódio que precisa ser encarada como algo normal. Menstruar é sinal de saúde.

“A menstruação é o resultado da descamação interna do útero quando não houve fecundação. A mulher não engravida e o endométrio – que se preparou para receber o óvulo fecundado – descama. É um sinal de que a parte hormonal e a parte anatômica do organismo feminino estão em perfeita harmonia”, define a médica responsável pelo setor de Ginecologia Endócrina Infanto Puberal e Climatério do Hospital Municipal Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo, Maria Elisa Noriler.

É claro que existem as particularidades e algumas mulheres se incomodam mais que outras com o período menstrual, tanto em relação às cólicas, mas também ao odor. “O cheiro é fisiológico, mas para algumas mulheres, esse cheiro fisiológico é mais forte e elas ficam inseguras pensando que outras pessoas podem senti-lo”, explica a ginecologista. Nesses casos, o coletor menstrual é uma boa opção já que o sangue não entra em contato com o ar, não oxida e, portanto, não altera suas características (principalmente o cheiro).

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Maria Elisa Noriler salienta que qualquer sintoma relacionado ao período menstrual merece atenção. “Se o caso é dor, algumas patologias precisam ser investigadas como, por exemplo, endometriose e adenomiose. O aumento do fluxo menstrual pode ser sintoma de mioma em crescimento desorganizado (miomatose uterina). Se o cheiro está desagradável, pode ser infecção vaginal, com alguma bactéria patogênica colonizando a vagina”, cita.

Em alguns casos, bloquear a menstruação é um tratamento recomendado e serve até para verificar se a mulher se sentiria melhor. Entretanto, a ginecologista ressalta que, independentemente de sintomas, é cada vez mais comum histórias de mulheres que simplesmente não querem menstruar e optam, por exemplo, pelos contraceptivos como o DIU e o implante de progesterona.

A razão dessa decisão – que também é pautada pela cultura da menstruação como algo que incomoda – ganha ainda mais fôlego em razão do período que antecede o ciclo menstrual e que também pode trazer algum tipo de desordem ao organismo feminino. Maria Elisa Noriler diz que qualquer que seja ele – dor de cabeça, inchaço, diminuição da libido, irritabilidade, ansiedade e vontade de comer doce – merece ser alvo de investigação multidisciplinar. Para ela, nem sempre a melhor opção é bloquear a menstruação. “Essas sensações são resultado da diminuição dos níveis de serotonina no corpo”, pondera. A ginecologista cita a atividade física como uma forma simples e saudável de minimizar os efeitos da tensão pré-menstrual (TPM).

Além do preconceito, ainda existem muitas informações equivocadas e transmitidas de geração a geração que impedem que as próprias mulheres enxerguem a menstruação pelo ponto de vista de algo que é da natureza do corpo feminino. O Saúde Plena levantou algumas dúvidas para que a ginecologista Maria Elisa Noriler comentasse. Leia abaixo o que é mito e o que é verdade:

Rupi Kaur e Prabh Kaur
Menstruar é sinal de saúde (foto: Rupi Kaur e Prabh Kaur )


Menstruação engorda

Em razão da retenção hídrica, da elevação do nível de progesterona no organismo e do fato de a mulher urinar menos durante o período que antecede a menstruação, a sensação de engordar é real e pode ser sentida, por exemplo, no anel que não incomodava e que parece apertado ou naquela calça jeans justa que, de repente, ficou mais difícil de entrar. “É muito comum, por exemplo, na pausa do anticoncepcional a mulher ter a sensação que desinchou”, cita Maria Elisa Noriler.

Fluxo intenso é sinal de alguma doença
A ginecologista Maria Elisa Noriler afirma que fluxo intenso desde os primeiros ciclos menstruais é fisiológico. No entanto, se o aumento do fluxo menstrual se manifestou em mulheres com ciclo regular é razão para se investigar. “Próximo da menopausa também é normal que a mulher note o aumento do fluxo sanguíneo”, pondera.

Menstruei mais cedo, entrarei na menopausa mais cedo
A reserva ovariana é genética e a idade para entrar na menopausa tem relação com a história familiar da mulher.

Mulher não engravida menstruada
Não se pode dizer nunca, mas é muito raro uma mulher engravidar menstruada. Maria Elisa Noriler cita os casos de mulheres com ciclos muito curtos – que menstruam a cada 18 até 21 dias – que poderiam engravidar caso não utilizem nenhum método contraceptivo. “Se o ciclo é de 20 em 20 dias e a mulher sangra entre sete a oito dias, quando ela estiver no último dia da menstruação, tem chance de ovular. Ou seja, quem tem ciclo menstrual curto pode engravidar no final da menstruação porque, na verdade, já está entrando no período fértil”, esclarece.

Mulheres que convivem menstruam na mesma época
Não passa de coincidência, nenhum estudo jamais comprovou essa sensação que algumas mulheres têm. “Cada mulher tem um ciclo ovulatório independente”, afirma a ginecologista.

Andar descalça piora a cólica
ou
Não pode lavar a cabeça quando se está menstruada
Essas duas crenças se baseiam no fato de a mulher ter uma leve queda de imunidade durante o ciclo menstural. No entanto, não existe comprovação científica de nenhuma dessas duas relações. “O período em que a mulher está menstruada ela fica mais propícia, por exemplo, a infecções vulvoginais como a candidíase”, diz a médica.

A menstruação favorece o aparecimento de acne
No período pré-menstrual e durante a menstruação o aumento da progesterona eleva a oleosidade das glândulas sebáceas da pele e podem favorecer o aparecimento ou aumento de acne.

Ter relação sexual no período menstrual é mais prazeroso
Maria Elisa Noriler afirma que essa questão é de ordem pessoal, mas diz que em muitos casos a libido da mulher fica aumentada no meio do ciclo. “As mulheres ficam mais excitadas é quando estão ovulando, mas para algumas, a menstruação dá uma sensação de segurança em relação ao risco de engravidar e, para outras, traz desconforto. É pessoal”, observa.

Suspender a menstruação faz mal à saúde

A resposta é não, mas a especialista recomenda um cuidado com a contracepção de progesterona a longo prazo para não ter diminuição na densidade óssea. “Muitas mulheres se perguntam para onde vai o sangue, ele não vai para lugar nenhum já que com o medicamento o sangue não prolifera”, explica.

Transar menstruada aumenta o risco de transmitir doenças sexuais
As DSTs são transmitidas através dos fluidos e o sangue faz aumentar, sim, o risco de contração de doenças tanto para a mulher quanto para o homem. “O fluido da mucosa vaginal não tem alta concentração de vírus como o sangue”, ressalta.

TPM existe
Cerca de 80% das mulheres sofrem com os sintomas da tensão pré-menstrual já que a diminuição do estrogênio gera sintomas em muitos casos. A diminuição também da serotonina, um neurotransmissor que dá a sensação de bem-estar, também desencadeia sintomas como irritabilidade, ansiedade e insônia. É verdade também que quem tem menos atividade prazerosa tem mais TPM e quem não faz atividade física tem mais TPM”, diz.

Na menstruação o corpo elimina o sangue que não é útil

A ideia de sangue inútil é equivocada. A ginecologista pondera que o sangue da menstruação é usado pelo organismo na preparação do útero para uma possível gestação. “Na ausência da gravidez, ele é expelido naturalmente e não apresenta nenhuma purificação”, esclarece.

Alguns fatores emocionais influenciam a duração e intensidade do fluxo no ciclo menstrual
A emoção age no controle do fluxo menstrual e também na ovulação.

Praticar atividade física regular e ingerir chocolates melhoram a TPM

Os exercícios físicos e a ingestão de chocolates liberam no corpo o hormônio da felicidade, a endorfina. “Como algumas características da TPM são tristeza, melancolia e depressão, tanto um quanto o outro aliviam os sintomas”, conclui.

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Reprodução Instagram
Posta de Jose Angel Garcia (foto: Reprodução Instagram )


#realmensupportwomen (homens de verdade apoiam as mulheres)
Um garoto norte-americano de 15 anos, Jose Angel Garcia, iniciou um ‘movimento’ no Instagram em que convida garotos a levaram absorventes para a escola. O objetivo – além de tratar o assunto com naturalidade – é ajudar meninas que porventura possam precisar do objeto. Em entrevista ao Buzzfeed, ele declarou que percebeu que qualquer menção à palavra menstruação ainda é motivo de desconforto e que muitas meninas ainda se sentem envergonhadas quando estão menstruadas.

Na legenda da foto postada em seu perfil na rede social, o adolescente sintetiza sua ideia: “Para todo garoto que me segue e que se considera um homem ou simplesmente um ser humano bom: peço para que a gente comece a levar alguns absorventes para a escola para ajudar nossas amigas. Se você tem uma namorada ou é amigo de uma garota, é bom que você saiba que ela nem sempre carrega absorventes, ou que, às vezes, a menstruação dela chega sem aviso, e ela tem dificuldade de encontrar um. Você já deveria saber que tem que emprestar seu casaco a ela e não questionar se ela o amarrar na cintura. Temos que apoiar as meninas nisso. Se você tem respeito pela sua mãe, sua namorada ou pelas mulheres em geral, espero que você me acompanhe. Para toda garota que me segue: sinta-se à vontade para me pedir um absorvente a qualquer momento, sem ganhar uma resposta negativa ou um olhar feio. Todos nós deveríamos nos ajudar, então você não precisa me agradecer”.