Injeção reverte cegueira causada por diabetes

Aplicada no olho, a substância impede o surgimento descontrolado de vasos sanguíneos, evitando o surgimento da retinopatia diabética. A doença silenciosa é a principal causa de perda da visão de adultos

por Isabela de Oliveira 08/05/2015 10:00

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A epidemia do diabetes, ao contrário de outros surtos, é silenciosa. Pior do que isso, costuma ser aliada de doenças incapacitantes, como a retinopatia diabética (RD), principal causa de perda de visão entre pessoas com idade ativa. Sorrateira, a RD revela-se em estado avançado, quando a cegueira é iminente. Há, entretanto, uma boa notícia: dá para controlar — e até mesmo reverter — a complicação com uma substância que atua diretamente nos olhos. Apresentada neste mês em um congresso médico na capital da Colômbia, a estratégia, aliada à prevenção, pode evitar que muitos adultos percam a capacidade de enxergar.

Quanto mais tempo os pacientes — especialmente os negligentes com o tratamento — convivem com o diabetes, maiores a chances de perder a visão. Depois de 20 anos, quase todos os com o tipo 1 da doença metabólica e 60% dos acometidos pelo tipo 2 vão desenvolver a RD. Embora 80% dos casos possam ser evitados com mudança na dieta e com a prática de exercícios físicos, nem todo mundo evita o pior. A doença, inicialmente assintomática, manifesta-se inicialmente pela visão borrada e com manchas negras.

Quando isso ocorre, é difícil reverter o problema. A aflibercepte, substância ativa do Eylea, tem capacidade de recuperar essa perda de visão, segundo a farmacêutica Bayer. A droga não é necessariamente uma novidade. É usada para tratar outro problema de visão, a degeneração macular relacionada à idade (DMRI), principal causa de cegueira na velhice. Agora, começa a ser aplicada contra a RD em alguns países latinos, como Paraguai, Uruguai e Colômbia, e nos Estados Unido. A previsão é de que Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) libere as prescrições ainda neste ano.

A aflibercepte é um antiangiogênico, ou seja, inibe a replicação anormal de vasos sanguíneos no olho doente. Aschner Pablo Montoya, professor de endocrinologia na Faculdade de Medicina da Universidade Javeriana, na Colômbia, explica que esse crescimento irregular é consequência do descontrole dos níveis anormais de açúcar no organismo. A glicose interfere na ação do endotélio, camada interna dos vasos sanguíneos que está por trás da resistência vascular e regula, por exemplo, o fluxo sanguíneo e as respostas às inflamações.

“O açúcar enfraquece esse protetor e causa danos, ou microangiopatias, nos capilares, os vasos sanguíneos bem pequenos que estão, inclusive, nos olhos. Isso faz com que existam aí problemas de circulação e hemorragias”, esclarece Montoya, também diretor científico da Associação Colombiana de Diabetes. Os vasos sanguíneos enfraquecidos perdem a capacidade de reter o líquido que circula dentro deles. Esse plasma, composto de sangue, lipídios, entre outras substâncias, escoa para a retina, prejudicando a visão.

Indolor
É no centro da retina que fica a mácula, uma estrutura fundamental para que uma pessoa possa enxergar. Sem ela, seria impossível focar o olhar em um objeto, o que explica o fato de pacientes com RD perderem a capacidade de centralizar a visão. Quando o líquido escapa pelos vasos danificados, “polui” o cenário captado pelas estruturas da retina. A aflibercepte, nesse sentido, regula a confusão do organismo, que passa a produzir novos vasos sanguíneos, achando que os existentes estão danificados demais para funcionar normalmente. O processo é chamado angiogênese e diminui os vazamentos.

A dose recomendada de aflibercepte, aplicada em uma injeção in loco, é de 2mg (0,05ml). O paciente, garantem oftalmologistas, não sente dor. “Ele é anestesiado e sente apenas uma pressão. Após a aplicação, vê um pouco embaçado porque o remédio está lá dentro. Entretanto, volta para casa no mesmo dia”, explica Cecília Achcar, consultora médica da Bayer. O tratamento é repetido mensalmente até que os resultados visuais e anatômicos sejam estáveis durante o trimestre seguinte.

“Se não houver melhora ao longo das três primeiras injeções, a continuação do tratamento não é recomendada. Se for continuado, os intervalos das sessões podem ser gradualmente aumentados a fim de manter os resultados visuais e anatômicos estáveis”, ressalva Achcar. Nos casos de interrupção da terapia, o esquema de monitoramento deve ficar a critério do médico, e as aplicações, retomadas, caso os resultados visuais e anatômicos se deteriorem.

Inovação
Antes do surgimento dos antioangiogênicos, a RD era tratada com terapias a laser, que “queimavam” os vasos novos decorrentes da complicação. A retina sã acabava sendo machucada com os feixes. Depois, apareceu o tratamento fotodinâmico, ou o laser frio, usado com o auxílio de um corante, a verteporfina, que marcava o vaso novo a ser queimado. Outros medicamentos disponíveis conseguiam eliminar o vaso novo e frágil que causa a RD, mas o tratamento apenas retardava a progressão da doença sem ajudar a recuperar a visão dos pacientes.

Os antiangiogênicos, contudo, oferecem a possibilidade de reverter o quadro se aplicados precocemente. No caso da aflibercepte, injeções e monitoramento podem ser feitos em intervalos maiores, sendo que, no primeiro ano, as aplicações ocorrem a cada dois meses depois de três iniciais. Após esse período, pode-se estender o tratamento de acordo com critérios médicos baseados na resposta visual do paciente. Alguns outros antiangiogênicos requerem injeções e monitoramento mensais.

Para a oclusão da veia central da retina (OVCR), um tipo comum de retinopatia diabética, por exemplo, o ganho de visão com a aflibercepte é alcançado logo nos primeiros meses de injeção. A OVCR também é uma desordem vascular retiniana muito comum entre os diabéticos. Estudos clínicos de fase 3 com a substância para o tratamento do edema macular diabético, outro tipo de RD, mostraram os benefícios logo no primeiro mês de tratamento, mantendo esse ganho ao fim de um ano.

Um mal epidêmico
As complicações das doenças da retina provocadas pelo diabetes, que é metabólico, crônico e grave, se alastram à medida que o mal avança entre a população, especialmente a mais jovem. São cerca de 380 milhões de vítimas da enfermidade. As amputações e a cegueira são alguns dos efeitos colaterais que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), devem dobrar até 2030. Elas acompanham o avanço das taxas de diabetes, que deverá somar mais de 500 milhões de diagnósticos nos próximos15 anos.

Isso significa que trabalhadores ainda jovens serão aposentados por invalidez, gerando um escoamento de recursos considerável. Para ser ter ideia do problema, em 2010, a perda de visão custou US$ 2,9 bilhões globalmente. A projeção é que o valor salte para exorbitantes US$ 3,9 bilhões dentro dos próximos cinco anos. Em 2012, Joanne Yau, pesquisadora da Universidade de Melbourne, na Austrália, analisou 35 publicações científicas que abrangiam 20 mil indivíduos para estimar a prevalência global de retinopatia diabética. Os resultados indicaram que 34,6% da população global sofre com o problema.

Pelo menos 60% das amputações das extremidades dos pés têm relação com o diabetes. Dessas, 85% decorrem de pequenos machucados que poderiam ser prevenidos e tratados, evitando a perda dos membros. A maioria dos pacientes, entretanto, não percebe as lesões. Isso é uma consequência da neuropatia diabética, a perda de sensibilidade dos membros inferiores que afeta, inicialmente, os dedos e outras áreas dos pés.

* A repórter viajou a convite da empresa farmacêutica Bayer HealthCare