Um azul quase rosa: faltam ações públicas para facilitar a vida dos daltônicos

Com dificuldade para perceber os tons de determinada cor, daltônicos acabam confundindo uma com outra. Situação traz constrangimento, especialmente quando o assunto é trabalho, mas pode ser superada

por Alessandra Alves 04/05/2015 09:00

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Arquivo pessoal
"A maior dificuldade que sinto é no trabalho, quando o atendimento é dividido por cor. No caso de um hospital, o grau de emergência é identificado pelas cores azul, branco, verde e amarelo. Muitas vezes, confundo as cores, as tonalidades. Aí preciso pedir ajuda", Felipe Lopes, 30 anos, enfermeiro (com esposa e filho) (foto: Arquivo pessoal)
A recente implantação de políticas públicas de acessibilidade no país tem tornado menos difícil a vida daqueles que não podem ver, ouvir, falar ou andar. Neste quadro, uma parcela significativa da população parece, ainda, ser ignorada. Visto menos como deficiência e mais como condição, o daltonismo atinge cerca de 8% da população mundial, sendo a maioria homens. Quem tem o problema, lida constantemente com a dificuldade em distinguir as cores do semáforo, o embaraço na hora de escolher um assento no cinema, no ônibus ou avião, se atrapalha ao preencher formulários online (que destacam campos em vermelho) ou ao optar por qualquer coisa que tenha cor. E, apesar da maioria dos problemas indicarem uma solução simples, não existe ainda nenhum tipo de ação pública com objetivo de facilitar a vida dos daltônicos.

Em 2013, a senadora Ana Amélia (PP-RS) propôs um projeto de lei que estabelece formatos diferentes para os focos luminosos dos semáforos. Se aprovado, a luz vermelha dos sinais terá o formato quadrado, a amarela triangular e a verde circular. O que poderia ser uma boa notícia para os portadores da condição é, na realidade, um desalento. O projeto da senadora é muito parecido com outro, proposto em 2009 pelo então deputado Fernando Gabeira, que acabou arquivado. Mas as dificuldades do daltônico vão além da distinção das cores do semáforo. Muitas vezes, a discromatopsia influencia diretamente a profissão e a rotina do portador. É o caso do enfermeiro Filipe Lopes, de 30 anos, que teve que se adaptar ao seu modo à condição.

Fernando Gentil: Arquivo pessoal
Fernando Gentil, de 25 anos, tem daltonismo leve, nunca diagnosticado por um oftalmologista (foto: Fernando Gentil: Arquivo pessoal )
Filipe descobriu o daltonismo quando tinha cerca de 6 anos e, na escola, coloria as árvores de laranja e a grama de vermelho. “Lembro-me também da primeira vez em que viajei sozinho. Tinha uns 17, comprei uma camisa azul e era rosa, uma cinza e era rosa, uma rosa e achei que era cinza”, conta, rindo. Para essas situações ele acha graça, como no dia em que escolheu um cortador de unhas para o filho, Mauro, recém-nascido, e comprou rosa achando que era azul. O quadro muda quando o assunto é trabalho. Filipe é enfermeiro e em alguns hospitais os pacientes usam uma pulseira colorida, que identifica o tipo de atendimento que deve ser dado pelo profissional de saúde.

ATENDIMENTO
“A maior dificuldade que sinto é no trabalho, quando o atendimento é dividido por cor. No caso de um hospital, o grau de emergência é identificado pelas cores azul, branco, verde e amarelo. Muitas vezes confundo as cores, as tonalidades. Aí preciso pedir ajuda”, revela. Na maioria das vezes, Filipe conta com a solidariedade e a boa vontade dos colegas de trabalho e do próprio paciente, já que, por enquanto, a diferenciação por cor é a única alternativa encontrada pelos hospitais para identificar as pulseiras.

Segundo o oftalmologista e vice-presidente do Departamento de Oftalmologia da Associação Médica de Minas Gerais, Luiz Carlos Molinari, não existe, de fato, qualquer tipo de política pública de saúde ou educação no Brasil para a discromatopsia ou daltonismo. Para o médico, o defeito pode ter implicações diretas no processo de ensino-aprendizagem e, por isso, espera-se que professores do ensino fundamental sejam capacitados para identificar prováveis alunos com defeito de visão cromática. Estudo publicado na revista Physis, em 2014, mostrou relatos de desconforto, vergonha e ansiedade no ambiente escolar por parte de portadores de discromatopsia.

Ana Furtado: Reprodução/Facebook
Ana Furtado: "Tomei muita bomba nos desenhos e nas aulas de geografia" (foto: Ana Furtado: Reprodução/Facebook )
Recentemente, a apresentadora Ana Furtado disse, em um programa de entrevistas, que na escola tomou “muita bomba nos desenhos e nas aulas de geografia”. Ela relatou que, até descobrir o daltonismo, tinha de ouvir das pessoas que “sofria de doença psicológica”. “Quando era pequena, coloria a maçã de rosa, a folha de marrom, o caule de verde, e diziam que eu tinha problema psicológico. Por acaso, descobri (o daltonismo) em uma visita ao oftalmologista”, conta. Para Luiz Carlos Molinari, a falta de preparo dos professores pode gerar situações vexatórias, assim como ocorreu com a apresentadora na infância. Para agravar o quadro, Ana faz parte de uma população ainda mais restrita, já que o daltonismo acomete cerca de 0,4% a 0,7% de todas as mulheres do mundo, enquanto nos homens o índice da condição é de 8%.

Ausência de cones na retina
Discromatopsia é um termo usado para designar qualquer tipo de defeito de visão de cores. A expressão daltonismo é popularmente usada como sinônimo de discromatopsia, em referência ao químico John Dalton, o primeiro cientista a estudar a anomalia de que ele mesmo era portador. Dalton tinha protanopia, quando há ausência na retina de cones vermelhos. Há ainda a deuteranopia (ausência de cones verdes) e a tritanopia (ausência de cones azuis). O que ocorre nos três tipos, geralmente, não é uma deficiência total. O coordenador de projetos sociais e direitos humanos, Fernando Gentil, de 25 anos, tem daltonismo leve, nunca diagnosticado por um oftalmologista, mas diz que, desde que se entende por gente, tem dificuldade em identificar cores. Apesar disso, diz sofrer pouco com o problema.

Wilkins Delmaschio: Reprodução/Facebook
Wilkins Delmaschio: "Confundo as cores de tom para tom. Como cinza com verde, roxo com marinho, verde com marrom..." (foto: Wilkins Delmaschio: Reprodução/Facebook)


“Quando tenho que criar uma arte de um convite ou banner, às vezes a escolha de cores não fica legal. Na combinação de roupas também, mas nunca confundi as luzes do semáforo, por exemplo. Então, não são coisas muito graves ou problemáticas. É algo que você resolve rapidamente pedindo a opinião de outrém”, explica. O bancário Wilkins Delmaschio, de 50, também mistura algumas tonalidades, mas não acha que o problema interfira muito em sua vida. “O meu grau é baixo. Confundo as cores de tom para tom. Como cinza com verde, roxo com marinho, verde com marrom...”, diz.

TESTE
Independentemente do grau e do tipo de daltonismo, a indicação dos oftalmologistas é que o problema seja identificado ainda na infância, a fim de que o portador entenda, desde cedo, sua dificuldade e crie os próprios meios para conviver com a condição. Um dos testes mais comuns utilizados para fazer o diagnóstico do daltonismo é o de Ishihara, que consiste numa sequência de cartões com ruído de fundo, em múltiplas tonalidades, dentro das quais há uma figura, normalmente uma letra ou algarismo, facilmente reconhecido por uma pessoa normal, mas não por um daltônico. Atualmente, não existe nenhum tipo de tratamento para o daltonismo.

Teste Ishihara: Reprodução/Internet
Teste Ishihara (foto: Teste Ishihara: Reprodução/Internet )


Ishihara_9: Wikimedia/Reprodução
Teste Ishihara (foto: Ishihara_9: Wikimedia/Reprodução )