O parto de Kate Middleton e as reflexões sobre dar à luz no Brasil

Charlotte Elizabeth Diana nasceu após 41 semanas, com 3,700 quilos e a duquesa de Cambridge deixou o hospital dez horas depois do nascimento da filha.

por Valéria Mendes 04/05/2015 11:47

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.

AFP PHOTO / LEON NEAL
Kate Middleton deixou o hospital dez horas depois de dar à luz. Continuidade do cuidado para mãe e filha será dado por uma 'midwife' (foto: AFP PHOTO / LEON NEAL )
Por que é tão difícil acreditar na capacidade do corpo feminino em dar à luz? Se parir é um evento fisiológico, por que Kate Middleton - que também pariu George de forma natural – enganaria o mundo sobre a via de parto de sua filha? Sabemos que a vida da realeza britânica é consumida como se fosse um reality show e a julgar pela repercussão que uma reportagem de um jornal russo ganhou, inclusive no Brasil, é possível inferir que, no que tange aos assuntos que envolvem o clã da Rainha Elizabeth II, a audiência está acima de qualquer valor. Estruturada nas especulações de leitores e leitoras e alimentada pelas redes sociais, o texto do 'Komsomolskaya Pravda' pode nos afastar da oportunidade de refletir sobre a forma como se nasce no Brasil: país campeão mundial de cesarianas e que tem um índice de 12,5% de bebês que nascem prematuros.

O que parece estar consolidado no que foi divulgado sobre o nascimento de Charlotte Elizabeth Diana é que a bebê real nasceu após as 41 semanas de gestação, com 3,700 quilos e de parto natural. A duquesa recebeu alta do hospital dez horas depois de parir. E é justamente o intervalo entre a entrada no centro de saúde e a pose para as fotos com a duquesa de salto alto e cabelos escovados que têm alimentado a desconfiança de quem não acredita que a mãe de George pariu a filha de forma natural e que, segundo os boatos, Charlotte (que de tão bonita nem parecia uma recém-nascida pelas fotos) teria nascido dias antes do que foi divulgado à imprensa e que toda a cena na porta do hospital não passaria de um teatro.


Leia também: Kate Middleton dá a luz e derruba mito de barriga chapada após o parto


Pediatra, epidemiologista e coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Sônia Lansky afirma que a alta de Kate é totalmente condizente com o modelo de assistência obstétrica adotado na Inglaterra e em outras partes do mundo. Ela cita, inclusive, que na Dinamarca a liberação acontece entre três a seis horas após o parto. “Não existe evidência científica sobre o tempo de internação após o parto, o que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é a continuidade do cuidado para a mãe e para o bebê. Nas primeiras 24 horas, ambos precisam ficar sob vigilância e até 72 horas após o nascimento precisam ser reavaliados. Esse cuidado pode ser feito em casa. Na Inglaterra, mulheres e crianças recebem essa atenção das midwifes (profissionais de saúde que assistem mulheres que tiveram parto normal ou natural)”, explica a especialista que também é consultora do Ministério da Saúde.

Príncipe William dá bom exemplo: recém-nascido deve sair da maternidade no bebê conforto


No Brasil, existe um impedimento legal para alta antes das 24 horas já que se trata de uma norma do Sistema Único de Saúde (SUS). “O que seguraria mais o bebê no hospital é o teste do coraçãozinho (teste de oxiometria de pulso) que precisa ser realizado nessas 24 horas, mas que é possível ser feito em casa e é o que acontece no caso de partos domiciliares”. Além disso, a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria é de alta 48 depois após o parto. “Essa norma rígida (portaria 1.016, de 1993) mantém mães e bebês saudáveis internados sem respeitar a individualidade. O cuidado precisa ser particularizado. Em defesa dessa regra, os profissionais alegam, por exemplo, a icterícia que pode aparecer, o aleitamento que não se consolidou e a questão do vínculo entre mãe e filho”, acredita.

OMS alerta que cesarianas só devem ser feitas quando há indicação médica


Na opinião de Sônia Lansky, um sistema fortalecido na atenção primária resolveria esse impasse: “Investir na atenção primária, com o cuidado domiciliar à mulher e ao bebê no pós-parto é mais barato, ficar internado é mais caro. O que precisa ser garantido e o sistema de saúde tem condições de fazer é montar uma equipe de acompanhamento no pós-parto.”

A coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde afirma que em BH os hospitais já têm comunicado a alta de mãe e bebê ao centro de saúde da região em que a família reside para dar continuidade ao cuidado. Para ela, a permanência prolongada no hospital de mulher e bebês saudáveis, no caso do Brasil, é perversa. “Hospital faz mal para quem tem saúde, a continuidade do cuidado preconizada pela OMS pode se dar tanto com uma visita domiciliar ou pelo retorno de mãe e filho ao hospital ou centro de saúde. O que vemos no país e é gravíssimo: hospitais com gente saudável e pessoas do lado de fora que precisam de leito e não têm acesso. Sem contar o agravante de ainda termos altos índices de mortalidade materna e infantil”, pontua.

Vale lembrar que toda essa discussão só é válida para mulheres e bebês sem complicações médicas no pós-parto.


AFP PHOTO / LEON NEAL
Charlotte Elizabeth Diana nasceu com 3,700 quilos (foto: AFP PHOTO / LEON NEAL )


Mais de 41 semanas e bebê “grande”
O nascimento da filha de Kate Middleton e do príncipe William também é uma oportunidade para o Brasil refletir sobre o modelo atual de assistência obstétrica. Um estudo do Unicef em parceria com o Ministério da Saúde mostra que, a cada ano que passa, aumenta o número de bebês que nascem prematuros por aqui. Em 2000, o índice era de 7%; em 2014 chegou a 12,5% e coloca o Brasil no mesmo patamar dos países de baixa renda, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Na Inglaterra, por exemplo, esse índice é 55% menor. Ainda são necessários mais estudos para estabelecer essa relação com mais exatidão, mas o que as pesquisas apontam é uma estreita relação entre bebês prematuros e cesariana marcada.

A cesariana agendada, sem indicação médica, é um problema porque o tempo de uma gravidez não é exato, alguns bebês vêm ao mundo com 38 semanas e outros com até 42. O risco de fazer uma cesariana na 38ª semana de gestação é que o bebê pode ter apenas 36 semanas, ou seja, nasceria prematuro. A prematuridade é a principal causa de mortalidade infantil no primeiro mês de vida. Atualmente, a OMS considera ‘gestação a termo’ quando o bebê nasce entre 37 e 42 semanas. Veja como é a subdivisão:

termo precoce: de 37 a 38 semanas e 6 dias
termo completo: de 39 a 40 semanas e 6 dias - Momento ideal pra os bebês nascerem.
termo tardio: de 41 a 41 semanas e 6 dias
pós-termo: após 42 semanas

Ou seja, não é recomendado que se faça uma cesariana antes de 40 semanas, mas por aqui ultrapassar as 40 semanas é sinal de que o bebê está "passando da hora".

O peso de Charlotte Elizabeth Diana também chamou a atenção no Brasil. Isso por que, além dos altos índices de prematuridade, também têm aumentado no país os índices de baixo peso ao nascer. A média por aqui é de 2,5 quilos. Para se ter uma ideia, 2,5 quilos é peso de bebê que nasce entre 37 e 38 semanas e 3 quilos é a média de peso considerada normal para um bebê.

Na rede privada, em que o índice de cesarianas beira os 90% frente a uma recomendação da OMS de, no máximo, 15%, o peso do bebê ainda é motivo para os médicos indicarem cesariana. No país, muitos especialistas consideram 3,700 “bebê grande”, o que seria um impedimento para o parto normal. Clique aqui e saiba as reais indicações do procedimento cirúrgico.