Isolamento é tão ruim para a longevidade quanto doenças crônicas

Estudo norte-americano foi feito com 3 milhões de pessoas. Idosos contam como vivem bem driblando a solidão

por Correio Braziliense 30/04/2015 15:00

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Filha de libaneses que vieram tentar a sorte no Brasil, Rafa Daher Ceva chegou à cidade goiana de Ipameri com a estrada de ferro, em 1912. Lá, formou a família e realizou o sonho de ser professora. A senhora de 102 anos ensinou o português a gerações de adolescentes do interior goiano. Hoje, recebe o carinho por onde passa. “Eu não falo de dor, não me queixo da velhice. Deus me deu coisas que nem mereço. Existem adversidades, mas é importante ver que cada fase da vida tem a sua beleza, e o que me motiva a estar viva é fazer o melhor para mim e para os outros. Ter muitas pessoas boas ao meu redor ajuda a me manter viva e em atividade”, diz.
Ana Rayssa / CB / D.A Press
Raimunda Leal criou há 28 anos, na Candangolândia, um espaço para os idosos se encontrarem: "Se ficassem em casa, entrariam em depressão e morreriam mais cedo" (foto: Ana Rayssa / CB / D.A Press)

A afirmativa de dona Rafa é constatada em um estudo científico feito com 3 milhões de pessoas e publicado recentemente na revista Perspectives on Psychological Science. Segundo os pesquisadores da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, a longevidade está ligada a fatores que vão além de cuidados com a saúde física, como a prevenção de doenças crônicas. Para se ter vida longa, também é necessário construir laços familiares e de amizade fortes. Por isso, a solidão e o isolamento social são uma ameaça tão grande quanto a obesidade.

Dona Rafa conta que sempre teve a casa cheia. O marido da ex-professora de português, o engenheiro civil Cesar Augusto Ceva, começou a praticar radioamadorismo ainda no início da década de 1940. “Antes mesmo de ele ter criado a rádio Xavantes (a segunda do estado de Goiás), sempre combinávamos horários para conversar com outros radioamadores. Muitas vezes, nunca tínhamos nos visto pessoalmente. Hoje, as pessoas também conversam sem se conhecer pessoalmente, né?”, compara.

Em 1947, com o surgimento da rádio comercial, a casa do casal se encheu de artistas que vinham até a cidade para se apresentar. Estrelas como os cantores Emilinha Borda, Ivon Curi e Ruy Rei, além do presidente Juscelino Kubitschek e do escritor Malba Tahan, foram recepcionadas, conta ela. Quando o marido de dona Rafa morreu, há 25 anos, o movimento foi reduzido. “Sempre gostei de gente na minha casa, gente em volta da minha mesa, gosto de conversar, de brincar. Sempre foi assim e tive muitos almoços, jantares, mas acabou”, conta.

A centenária, porém, não se abateu. Descobriu novas formas de estar em contato com amigos e familiares. “A viuvez foi difícil, mas o tempo vai formando uma nova pessoa. Fui enfrentando coisas que acharia que não daria conta e vencendo. O importante é nunca estar sozinha”, diz a centenária, que não perde a oportunidade de visitar os parentes e de festejar, sempre acompanhada dos filhos, primos, sobrinhos e netos.

Como o cigarro
Especialistas advertem que solidão e isolamento social podem ser muito diferentes. É possível estar cercado de pessoas e ainda se sentir sozinho. Assim como optar pelo isolamento social. O efeito sobre a longevidade, no entanto, é o mesmo nos dois cenários. A falta de conexões, aponta a pesquisa da instituição norte-americana, apresenta um risco adicional à saúde, e a existência de relações proporciona um efeito positivo sobre o corpo e a mente.

Segundo a pesquisa, a solidão pode ter o mesmo efeito à longevidade quanto fumar 15 cigarros por dia e ser um alcoólatra. “Os dados cumulativos de 70 estudos independentes (…) revelam um efeito significativo acerca do isolamento social, da solidão e de quem vive sozinho sobre o risco de mortalidade. Após a contabilização das covariáveis, descobriu-se que o aumento da probabilidade de morte foi de 26% para a solidão, 29% para o isolamento social e 32% para viver sozinho”, detalha o texto divulgado na revista científica.

Luisa Marini / Divulgação
"Existem adversidades, mas é importante ver que cada fase da vida tem a sua beleza, e o que me motiva a estar viva é fazer o melhor para mim e para os outros. Ter muitas pessoas boas ao meu redor ajuda a me manter viva e em atividade" - Rafa Daher, 102 anos (foto: Luisa Marini / Divulgação )
A gerontóloga Eloisa Adler avalia que um dos pontos mais interessantes do estudo é mostrar que existem diferentes tipos de velhice e subjetividade. “A solidão é algo psicológico e o isolamento social, algo físico. Uma coisa é certa: a convivência com outros indivíduos é importante em todos os momentos da vida”, ressalta a integrante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

A frase funciona como dogma na Associação do Idoso Candango (AIC), espaço criado na Candangolândia, em 1987, para a convivência de idosos. Basta ouvir os relatos dos frequentadores do local. “Moro com seis pessoas na minha casa, mas todo mundo trabalha e eu fico só, venho aqui para me divertir”, conta Tibúrcio Costa da Mota, 87 anos.

“Minha esposa é bastante nervosa. Por isso, faz dois anos que venho aqui me descontrair”, engata João Batista, 79. Dona Francisca Borges Ferreira, 79, ficou viúva e mora sozinha. Em vez da falta de contato dentro de casa, prefere estar com os amigos da mesma idade. “Tenho cinco filhos, mas todo mundo tem suas obrigações e não pode me dar atenção sempre. Venho aqui para descontrair.”

Espaços como associações e asilos são essenciais na inserção social de idosos a uma vida ativa e saudável, mas a gerontóloga Eloisa Adler lamenta a falta de políticas públicas focadas no aumento da longevidade e no bem-estar dos idosos. Fundadora da AIC, Raimunda Leal faz a mesma observação. “Mantemos a associação aos trancos e barrancos. Desde 2008, não recebemos qualquer ajuda do governo. Hoje, há um desrespeito total com os direitos dos velhos. Aqui, recebemos muitos que, se ficassem em casa, entrariam em depressão e morreriam mais cedo.”

Breno Fortes / CB /D.A Press
Expedita Ricardo mora sozinha há 19 anos e usa a internet para conversar com os amigos (foto: Breno Fortes / CB /D.A Press)


Valem até os virtuais

Há muitas alternativas para dominar os estragos de sentir-se sozinho. Com a evolução da internet, as pessoas podem se manter em contato, mesmo estando muito distantes. É o caso da vendedora Expedita Ricardo, 47, que mora há 19 anos sozinha e usa as redes sociais para conversar com os amigos. “Eu não sinto solidão, sempre tenho muitos amigos à minha volta. E, agora, com WhatsApp sempre posso matar a saudade, mandando e recebendo mensagens”, conta.

Psicóloga e conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, Daniela Gonçalves de Macedo Santos alerta que os usuários da rede mundial de computadores devem estar atentos à possível superficialidade das experiências on-line. Há o risco de perda do contexto emocional e da profundidade. “Muitas vezes, não se tem a veracidade dessas relações, pois a exclusão da presença tira muito da intimidade” explica.

A especialista indica outro ponto importante a ser considerado nas conversas virtuais. “As pessoas criam a personagem que querem. Podem mostrar-se de qualquer forma. É sempre bom ser muito crítico com os laços criados nesses espaços e nunca se esquecer de que, para conhecer alguém realmente, a presença é insubstituível.”

No Brasil, o número de lares com apenas uma pessoa aumentou 35% entre 2010 e 2013, segundos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, passando a compor 13,5% da população. Nesse cenário, Daniela Santos orienta: “Procure estar em contato com outras pessoas, mas sempre respeitando o momento apropriado para isso. Procurando o local em que possa favorecer conversas saudáveis e sendo verdadeiro consigo e com quem estiver mantendo contato”.


Da hidroginástica ao grupo de classes
“Faça as atividades do dia a dia de preferência em grupo. Vale, por exemplo, para as atividades físicas: hidroginástica, pilates etc. Podem ser também grupos de leitura, de costura, da igreja ou outros de pertencimento, como o de aposentados ou de categorias profissionais. A inserção social nessa etapa da vida é muito importante e ajuda a atenuar o isolamento social, fator de risco da mortalidade. Também é um dos tripés no tratamento da depressão, além da intervenção medicamentosa e da psicoterapia.”

Eloisa Adler, gerontóloga