Técnica de análise do DNA de tumores pode induzir médicos ao erro

Método usado para definir tratamentos personalizados detecta mutações naturais do paciente que nada têm a ver com a doença. Saída é sequenciar também os tecidos saudáveis e comparar as amostras

por Paloma Oliveto 21/04/2015 14:30

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Thiago / CB / D.A Press
Pesquisadores analisaram o genoma tumoral de 815 pacientes com 15 diferentes tipos de câncer, incluindo os de cérebro, mama e pulmão (foto: Thiago / CB / D.A Press)
A era da medicina genômica já chegou para alguns pacientes oncológicos. A análise do DNA de determinados tumores, como o de mama, o glioblastoma e as leucemias, tem ajudado a personalizar o tratamento, ao identificar as mutações responsáveis pela replicação desordenada das células. Assim, é possível escolher o medicamento mais adequado, com maiores chances de vencer o câncer. Contudo, esse método também pode mascarar determinadas alterações, levando o clínico a optar pela terapia errada. O alerta é de um estudo da Faculdade de Saúde Johns Hopkins, nos Estados Unidos, publicado na revista Science Translational Medicine. A solução, de acordo com os pesquisadores, é sequenciar também o tecido saudável, uma prática muito pouco usada atualmente.

Os pesquisadores analisaram o genoma tumoral de 815 pacientes com 15 diferentes tipos de câncer, incluindo os de cérebro, mama e pulmão. Eles estudaram o resultado apenas do tecido doente e, depois, compararam os dados obtidos ao sequenciamento do tecido saudável. “Nós descobrimos que as análises apenas do tumor fornecem informações imprecisas”, contou Victor Velculescu, principal autor do estudo, em uma teleconferência transmitida pela internet. “O sequenciamento somente do tumor identificou um número de mudanças nas sequências que não tinham a ver com o câncer, ou seja, eram alterações ‘falso positivas’. Algumas delas ocorrem em genes que já são alvo de terapias personalizadas e poderiam, portanto, levar os médicos a adotar tratamentos inadequados”, revelou.

A médica imunologista Angela Colmone, editora associada da revista, explicou que nem toda variante representa, de fato, um risco à saúde. “Por todo o corpo, existem mutações normais, que em nada contribuem para o crescimento do tumor. Quando se vê as variantes apenas no câncer, isso pode levar o médico a crer que elas têm responsabilidade sobre a doença e, caso existam medicamentos-alvo para atacá-las, naturalmente esse será o foco da terapia. Mas a pesquisa apresentada agora mostra que a análise apenas do tumor pode não ser suficientemente precisa porque muitas mutações identificadas no câncer também existem no tecido saudável — portanto, elas não têm de ser combatidas, já que não são elas que estão contribuindo para a doença.”

No sequenciamento do tumor, os pesquisadores identificaram, inicialmente, 382 alterações que poderiam estar relacionadas ao surgimento do câncer. Em seguida, eliminaram mutações germinativas — variações nas células germinais, que serão herdadas pela descendência e estarão presentes em cada célula do corpo sem, contudo, provocar danos. Mesmo depois desse pente-fino, quando os cientistas compararam o sequenciamento do tumor ao sequenciamento dos tecidos saudáveis, constataram que 249 mutações — 65% do total encontrado — eram falsos positivos. Elas estavam nos tumores, mas também nas células sadias e, portanto, não tinham nada a ver com o câncer.

De acordo com Velculescu, essa foi uma grande surpresa para os pesquisadores. “Aproximadamente dois terços das mutações identificadas pelas análises do tumor apenas eram parte das variações genéticas normais herdadas pelos pacientes. Elas não tinham relação com o câncer”, contou. “Como as pessoas costumam ter múltiplas alterações do tipo, essas mutações só causavam problema para um em cada dois pacientes. Em outras palavras: uma análise genética apenas do tumor para identificar mudanças no DNA é o equivalente a jogar cara ou coroa”, disse. Os cientistas f oram além e analisaram alterações nos “genes demandáveis”, aqueles que já foram identificados como alvo em potencial para terapias personalizadas contra o câncer. Mas em quase metade das amostras — 48% —, havia ao menos uma mutação falso positiva.

O pesquisador do John Hopkins destaca que uma conclusão importante é que, enquanto não houver precisão genômica, não haverá precisão nos medicamentos, o grande objetivo da medicina personalizada. “Informações genéticas imprecisas podem ter consequências substanciais que variam de efeitos colaterais perigosos ao aumento dos custos do tratamento, porque os pacientes se submeterão a terapias ineficazes”, afirma.

O número de pessoas afetadas, pelos cálculos de Velculescu, pode ser muito grande. Nos Estados Unidos, que concentram a maioria das pesquisas sobre terapia personalizada, acredita-se que, nos próximos anos, 1 milhão de pacientes sejam medicados com base no perfil genético do tumor. “Esses testes estão crescendo muito em importância. Mas não podemos esperar que os médicos forneçam um tratamento certo se os exames não identificam com precisão as alterações em cada tumor”, ressalta.

Custos
Reconhecendo que a terapia personalizada é uma das maiores esperanças para a melhoria dos pacientes oncológicos, Velculescu defende que os testes passem a investigar também as células saudáveis dos pacientes. “Isso dará mais trabalho, e os custos serão maiores — o sequenciamento de um tumor custa milhares de dólares, e o valor vai aumentar com a análise do tecido normal”, diz. Contudo, o médico não vê outra saída. “Não se trata apenas das terapias personalizadas. Ao sequenciar o tecido normal e compará-lo ao do tumor, vamos aumentar muito nossa compreensão sobre o câncer, inclusive descobrindo predisposição à doença devido a mudanças no genoma germinativo. Isso vai nos ajudar a encontrar novas variantes importantes”, acredita.

Para a bióloga Yevgeniya Nusinovich, editora da Science Translational Medicine, não é possível pensar em tratamento contra o câncer no futuro sem considerar o sequenciamento do tumor e do tecido saudável. “Comparar o DNA tumoral ao das amostras normais é o que levará a um diagnóstico preciso e a planos de tratamento melhores que os atuais. Acredito que esse método se tornará cada vez mais factível à medida que os custos de sequenciamento diminuam com o tempo”, disse. A geneticista Siân Jones, coautora do estudo e vice-presidente da PGDx, maior companhia mundial de testes genéticos oncológicos, afirmou, em nota, que, depois dos resultados, o laboratório decidiu incorporar a análise do tecido saudável nos sequenciamentos tumorais. “Isso vai otimizar o tratamento”, afirmou sem, contudo, falar em valores.