Tratamento com imunoterapia ajuda no combate ao câncer e a doença de lúpus

Segundo artigos divulgados em revista científica, a técnica pode revolucionar a medicina personalizada

por Isabela de Oliveira 14/04/2015 11:00

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Às vezes, os mecanismos de defesa do corpo agem de forma inesperada. Quando isso ocorre, em vez de curar, o sistema imunológico provoca doenças ou dificulta o tratamento delas. É o caso de cânceres, alergias, lúpus e artrite reumatoide. Há, entretanto, uma forma de reverter a confusão das células de defesa. Trata-se da imunoterapia, técnica que utiliza o sistema imune do próprio paciente para alcançar alvos específicos que atuam por trás das enfermidades. A edição de hoje da revista Science Translational Medicine destaca os progressos e os desafios desse procedimento que, dizem especialistas, tem potencial de revolucionar a medicina de precisão.
Cristiano Gomes/CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Cristiano Gomes/CB/D.A Press)

A descoberta de como o sistema imune se comporta e da tolerância imunológica na década de 1950, além do mapeamento de mecanismos celulares e moleculares realizados a partir dos anos de 1970, sustentam as bases biológicas dos tratamentos de imunoterapia que emergem hoje. Basicamente, eles alteram o comportamento do sistema de defesa, fazendo com que ele ataque ou descanse, dependendo da situação.

Desde que a guerra contra o câncer foi declarada pelos cientistas, por volta de 1970, são desenvolvidas drogas e tratamentos com radiação cujo alvo são as células doentes, causando, assim, uma destruição em massa dos tumores. A abordagem é eficiente em alguns casos, mas não é incomum que os tumores reapareçam com mutações fortes o suficiente para driblar a ação dos medicamentos. A saída mais recente e promissora nesse sentido é a imunoterapia personalizada, que, conforme muitos pesquisadores e médicos já comprovaram, alcança vitórias sobre alguns tipos da doença.

Lucianno Santos, oncologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília, conta que a imunoterapia já era feita no passado para tratar câncer de pele e de rim. Entretanto, com o tempo, entrou em desuso por apresentar resultados frágeis demais. “Agora, com o novo entendimento dessa alternativa, estão surgindo novas moléculas que demonstram resultados expressivos”, conta o também coordenador médico do Grupo Acreditar.

Já se sabe que as células tumorais são muito inteligentes, tendo a capacidade de inibir a ação dos linfócitos T, os “soldados” do sistema imunológico responsáveis por conter e controlar o desenvolvimento da célula doente. “O tumor fica invisível às defesas do corpo e pode se espalhar e se multiplicar no organismo. O que a imunoterapia faz é diminuir a capacidade da célula tumoral de se esconder”, detalha o especialista.

O problema, aponta Santos, é que os tratamentos são de alto custo, chegando à casa dos milhares de reais. Embora o Brasil já disponha de um medicamento — o ipilimumab, anticorpo totalmente humano que bloqueia o receptor CTLA4, fazendo com que a célula doente volte a ficar visível —, ele é coberto apenas pelas seguradoras de saúde. “No Sistema Único de Saúde (SUS), o uso ainda não é aprovado. Essa droga é especialmente válida para tratar melanomas”, completa o médico.

Autoimunes
No tratamento de doenças autoimunes, a abordagem tradicional baseia-se nos danos que podem ser detectados nos órgãos atingidos, além do relato do paciente sobre os sintomas sentidos. Artrite reumatoide e psoríase, por exemplo, são tratadas por especialidades diferentes, ainda que todas sejam provocadas por uma causa comum, que é a inflamação dos tecidos. Estudos experimentais com humanos e testes clínicos reforçam que essas enfermidades têm os mesmos processos moleculares, alertando, porém, que a inflamação tem mecanismos diferentes em cada paciente.

O desafio, observa Betty Diamond, do Centro de Doenças Autoimunes e Musculoesqueletais do Instituto Feinstein de Pesquisas Médicas, nos Estados Unidos, é vencer um aspecto relevante das terapias atuais, a imunossupressão geral. “Propomos que os tratamentos considerem aspectos recém-descobertos de lúpus e artrite reumatoide para diminuir a inflamação sistêmica com menos prejuízo do sistema imune”, diz Diamond, uma das autoras a publicar na revista Science Translational Medicine hoje.

Ela sugere, por exemplo, que os mecanismos específicos de cada doença sejam mais compreendidos, o que inclui avaliar a gênese do problema de saúde e a expressão de genes que o influenciam. “Sugerimos que essas vias de iniciação e propagação da enfermidade sejam alvo das terapias da próxima geração. Isso significa que devem ser feitas sob medida, para cada paciente”, completa Diamond. “Os agentes para desenvolver essas estratégias estão disponíveis e merecem séria consideração”.

Destaque de 2013
A imunoterapia contra o câncer foi classificada pela revista Science como o avanço científico mais significativo de 2013. A publicação ressaltou que o tratamento proporcionou uma revolução no combate à doença. Em junho de 2014, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos divulgaram o caso de duas mulheres completamente recuperadas de câncer de colo de útero metastático após serem submetidas a esse tipo de tratamento. Uma terceira obteve, inicialmente, bons resultados, mas o câncer retornou.


José Carlos Perini, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia

Podemos considerar que a imunoterapia é um novo tratamento?
Embora ela seja praticada de forma organizada e metodizada há 100 anos, é aplicada na história da humanidade desde os tempos medievais, quando os reis tomavam microdoses de veneno para ganhar resistência a algo que os pudesse matar. Em 1910, pesquisadores e médicos começaram a usar os antígenos, que são as próprias substâncias que desencadeiam alergia nas pessoas, para tratá-las. A imunoterapia tornou-se um método extremamente sofisticado, sendo normatizada pelo Conselho Nacional de Medicina do Brasil e também pela Organização Mundial da Saúde. Segundo a própria OMS, em um paper publicado em 1998, a imunoterapia é o único recurso capaz de mudar o curso de uma doença alérgica.

Como funciona?

Averiguamos a história clínica do paciente. Se ele relata que espirra e tosse na presença de poeira, então, suspeitamos que a alergia decorre de substâncias inalantes. Fazemos testes para ter certeza disso. As reações alérgicas são mediadas por um anticorpo chamado lgE. Essas reações são revertidas em extrato que, depois, é aplicado no paciente em doses seguras, pois não queremos causar a reação, somente induzir a tolerância. Fazemos um engodo para o organismo. Isso também é feito para picada de abelhas e mosquitos.

É acessível?
Não é barato, e varia e acordo com o antígeno usado. O custo dos testes é alto, pois o material é coletado na casa do paciente, depurado, separado, concentrado, padronizado e, só depois, aplicado. Imagina pegar a poeira e transformar uma coisa que pode ser aplicada em alguém? Além disso, a imunoterapia não é um remédio que se prescreve e que fica sob responsabilidade do laboratório caso alguma coisa dê errado. Por ser uma terapia muito individualizada, a responsabilidade fica toda com o médico. Somado a isso, existe a duração do tratamento, que pode ser administrado via oral ou injetável. Hoje, no caso da alergia, dura três anos, mas esperamos fazer isso em seis meses. Para isso, precisamos de drogas que protejam o alérgico na imunoterapia mais acelerada, o que só é feito em casos de emergência.

Transplantes aperfeiçoados

Embora nos últimos 50 anos tenham surgido grandes avanços no transplante de órgãos e de células-tronco, ainda há limitações quanto aos episódios de rejeição. Em um artigo também publicado na Science Translational Medicine, Bruce Blazar, da Divisão de Transplante de Medula e Sangue da Universidade de Minnesota (EUA) apresenta os atuais desafios imunológicos relacionados ao tratamento com imunoterapia.

Os transplantes prolongam a sobrevida de pacientes e melhoram a rotina, um feito difícil de alcançar com outras terapias. Porém, reações imunes graves complicam a recuperação de quem depende do recurso. Entre as complicações, estão infecções oportunistas e aumento de do diabetes e de cardiopatias, entre outras doenças.

A rejeição pode ser hiperaguda, aguda e crônica. No primeiro caso, ocorre em poucas horas após o transplante e costuma ser causada pela ação de anticorpos empenhados em destruir rapidamente o novo componente. A aguda provoca o mesmo desfecho, mas se manifestando de semanas a meses após o procedimento. O desenvolvimento de anticorpos específicos do doador não oferece resultados animadores, com exceção dos casos mais graves. Esses anticorpos, entretanto, podem se voltar contra o transplantado meses ou anos após a cirurgia, provocando nele a rejeição crônica.

Isso acontece porque os anticorpos específicos do doador podem se voltar contra o sistema de defesa inato do transplantado, resultando em danos graves ao novo órgão. Nesse contexto, entram o imunossupressores e, com eles, os efeitos colaterais. Blazar acredita que duas estratégias poderiam contornar a questão. Ele sugere que o bloqueio da interação dos receptores CD40-CD154, combinado com o desenvolvimento da tolerância com células-tronco, poderiam ser alternativas viáveis. Mas pondera que mais testes devem ser feitos para comprovar a eficiência da combinação.

“Em geral, o desenvolvimento de painéis de biomarcadores e de reaproveitamento de abordagens projetadas para minimizar as chances de rejeição de transplante de órgãos e de distúrbios autoimunes poderiam oferecer alternativas novas e mais especializadas para alcançar a tolerância durável”, defende o autor