Garota de 15 anos experimenta novas sensações após cirurgia que recuperou olfato

Doença que fecha a coana leva pacientes a respirarem pela boca desde o nascimento e compromete o sentido

por Patricia Giudice 18/01/2015 08:55

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Passar pela rua e sentir o aroma do almoço do vizinho. O “cheiro de chuva”, mais do que uma sensação de que vem água por aí. De chocolate, de bolo saindo do forno, de flores, o perfume no abraço, o cheiro da própria pele. São infinitos odores. Cada um com um comando enviado ao cérebro e que causa uma sensação diferente, pessoal. Ana Gabriela nunca havia sentido nada disso desde que nasceu, há 15 anos. Respirava somente pela boca e assim levou a vida até descobrir ser portadora de atresia de coana, uma parede osteomembranosa que se forma no nariz, tampando a passagem de ar.

 

No caso dela, a coana estava totalmente obstruída do lado esquerdo, chamada unilateral. Mas a outra fossa nasal acabou se fechando também com o crescimento exagerado do corneto. Isso ocorreu para compensar o espaço de um desvio septal ósseo cartilaginoso, mas não pode ser estreito nem grande demais para manter as funções nasais normais, por exemplo, aquecer e umidificar o ar.

Estudos científicos mostram que a atresia ocorre em um a cada 5 mil ou 9 mil nascidos vivos, mais frequentemente do lado direito, e no sexo feminino. Pode ser óssea, membranosa ou mista, como ocorreu com a paciente Ana Gabriela e em 70% dos casos, quando a bilateral se desenvolve, pode estar associada a uma síndrome chamada Charge (sigla em inglês), que se refere a outras patologias conjuntas, como coloboma ocular, retardo de crescimento e desenvolvimento, anomalias da orelha e no sistema nervoso central.

A atresia ocorre na formação do feto em desenvolvimento. No nascimento, é importante ficar atento se o bebê tem dificuldade para respirar e muito desconforto. Também pode ocorrer dificuldade na amamentação. As coanas são a parte final das fossas nasais, onde o nariz se comunica com a garganta. A atresia aparece já no nascimento e, assim que o bebê apresentar dificuldade de respiração, é indicada a cirurgia de emergência. O ideal é que ele faça o procedimento nos primeiros dias de vida para que a respiração seja normal.

Hélder Oliveira/Divulgação
O médico Juliano Sales examina Ana Gabriela: cheiros de hospital e do estrogonofe da mãe foram os primeiros que ela sentiu depois da operação (foto: Hélder Oliveira/Divulgação)
Ana só descobriu a atresia aos 9 anos, numa brincadeira com o pai em casa. A mãe, Lucimar Alves Barroso, de 34, conta que os dois faziam careta quando Ana conseguiu espremer o nariz de uma forma que assustou. Como se ela tentasse puxar o ar e as narinas se comprimissem, segundo ela. Quando viram, pai e mãe não entenderam como a menina conseguia fazer aquilo.

No dia seguinte, Lucimar tratou de procurar o posto de saúde perto de casa para saber o que havia com a filha. Ainda criança, a mãe conta que Ana sempre teve uma infância normal, mesmo respirando só pela boca. Mas ela roncava muito e tinha secreções. Segundo o médico que acompanha a adolescente hoje, o otorrinolaringologista e especialista em rinosseptoplastia Juliano de Oliveira Sales, eram os sintomas da atresia, a que os pais devem ficar atentos.

Foi uma via-sacra até conseguir o diagnóstico da atresia de coanas. O raio-X, segundo Lucimar, não mostrou a obstrução. Só uma tomografia, indicada para esses casos, segundo Sales, conseguiu constatar. De acordo com Lucimar, quando criança, antes do diagnóstico, os médicos prescreviam tratamentos à base de soro fisiológico e antialérgicos, mas nada adiantava. A atresia foi constatada aos 11 anos, mas o pedido foi para que ela aguardasse a adolescência para fazer a cirurgia.

DIAGNÓSTICO

A cirurgia em Ana Gabriela foi feita, enfim, no início de dezembro do ano passado, no Hospital Universitário São José, em Belo Horizonte. Segundo Juliano Sales, casos de atresia são raros, mas é preciso atenção na hora do nascimento. “Quando ela é bilateral, não há o reflexo de respirar pela boca e passa a ser uma emergência médica, com indicação de cirurgia para desobstruir”, afirmou.

Mesmo sendo considerado raro, Ana foi a segunda criança operada neste ano no hospital, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “É muito comum confundir com uma obstrução nasal comum ou mesmo um desvio de septo, mas é preciso ter o diagnóstico correto”, afirmou o médico.

Duas semanas depois da cirurgia, o Estado de Minas acompanhou o retorno de Ana Gabriela ao Ambulatório de Patologias Nasais Complexas do Hospital Universitário São José. A adolescente contou que estava dormindo bem melhor e os roncos quase não existiam mais. Ela começava a sentir novos cheiros e melhorar o paladar. Segundo o médico, com o tempo, as sensações de olfato e paladar, diretamente ligadas, iriam se apurar ainda mais.

O otorrino, que coordena esse serviço tanto no São José quanto do Hospital Mater Dei Contorno, comemora junto com a paciente suas novas sensações. “É muito gratificante ajudar uma pessoa e ter a oportunidade de ensinar outros médicos especialistas. Aqui, tratamos vários casos complexos, inclusive reconstruções totais de nariz e a rinosseptoplastia extracorpórea. Nesses casos, retira-se todo o septo e o reconstrói. Essa é a melhor técnica utilizada para desvios septais complexos”, explicou.

PIPOCA QUEIMADA

Ana relembra o pós-cirúrgico: “O primeiro cheiro que senti foi de hospital e, o segundo, da comida da minha mãe”, conta a adolescente, sobre o estrogonofe que sempre comia, mas agora teve um gosto diferente. Ainda hoje, ela se assusta e chega até a sufocar com cheiros muito fortes. A mãe conta que um dia a irmã deixou queimar pipoca em casa e a jovem não conseguiu ficar no mesmo ambiente. Teve que ir para a rua esperar passar. Ao mesmo tempo, agora consegue dosar a quantidade de perfume que passa para sair. “Antes, ela passava demais e não sentia”, disse Lucimar.

Sintomas
• Se a criança roncar com frequência
• Tiver muita sinusite
• Se reclamar muito de nariz entupido, no caso da unilateral
• Excesso de secreção apenas de um lado do nariz

Além dos sintomas, é preciso procurar um médico e fazer o exame de fibronaso.