Mulheres experimentam a maternidade após doação de espermatozoides de desconhecidos

Mulheres contam as dúvidas e as alegrias de terem se tornado mães após gerar um feto criado pela fecundação do óvulo e do espermatozoide de desconhecidos

por Bruna Sensêve 29/12/2014 09:00

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 Renato Rocha Miranda/TV Globo
(foto: Renato Rocha Miranda/TV Globo )

“Colocou na minha barriga, é meu!”, resume Nicole*, de 46 anos. Assim ela justifica o fato de ter decidido com o marido, Tiago*, de 67, não contar ao filho de 2 anos que ele foi gerado pela adoção de um embrião em uma clínica de fertilização do Rio de Janeiro. Casados há 20 anos, eles confirmam que nenhum dos membros de ambas as famílias sabe do tratamento a que recorreram para ter Lucas*. “Não vejo como a manutenção de um segredo, mas como uma questão que diz respeito somente a nós, de cumplicidade”, diz a dona de casa. Após tentar por anos diferentes técnicas de fecundação, os dois optaram pela implantação de um embrião doado por outro casal que, de acordo com as regulamentações do Conselho Federal de Medicina (CFM), deve ter a identidade mantida no anonimato.

No processo de fertilização in vitro, nem sempre todos os embriões produzidos a partir da união dos óvulos e dos espermatozoides recolhidos são implantados no útero da paciente. Para isso, também há regulamentação: mulheres com até 30 anos somente podem implantar dois; de 35 a 40, três; e acima dos 40, até quatro. Os embriões além dessa quantidade devem ser armazenados. “São implantados os melhores, de acordo com uma avaliação morfológica. O que não significa que os que ficam não são bons. Somente são guardados embriões que mostrarem ter características positivas”, ressalta Maria Cecília Erthal, diretora-médica do Vida – Centro de Fertilidade da Rede D’Or.

Depois de cinco anos, caso os pais decidam por não ter uma nova gravidez, os embriões podem ser doados para experimentos científicos, para adoção ou ainda descartados. “Quanto mais jovem, maior a quantidade de óvulos e, consequentemente, maior a quantidade de embriões”, explica Maria Cecília. A idade também interfere na possibilidade de a fertilização dar certo. Se for de uma mulher que retirou os óvulos com até 30 anos, a chance é de 70%; entre 30 e 35 anos, as taxas ficam em torno de 48% a 50%; e, de 35 a 38 anos, caem para 40% a 35%. “Acima disso, nem temos embrião para doação, porque as mulheres não produzem uma quantidade suficiente para sobras”, diz a médica.

Nicole decidiu buscar um profissional que avaliasse a dificuldade que tinha para engravidar quatro anos após o casamento. Os preços para uma tentativa em laboratório, na época, eram impensáveis. “Esperamos até 2006, quando fiz a primeira implantação. De lá pra cá, tentamos de todos os jeitos. Com o meu óvulo e sêmen de doador, o sêmen dele e óvulo de doadora e, depois, umas três vezes com embrião doado”, lembra. Assim como ocorre com os doadores de sêmen, o perfil do casal que cede o embrião pode ser avaliado por quem vai recebê-lo. “A pessoa sabe informações como cor da pele e dos olhos para que fique uma configuração mais harmônica. Mas é só”, detalha Erthal.

CONTAR OU NÃO? Nicole e Tiago são categóricos e irredutíveis na decisão de não contar os detalhes da gestação de Lucas. “Já pensou descobrir hoje que seu pai e sua mãe não são seus pais? O nó que isso vai dar na cabeça?”, explica a dona de casa. Mas o casal não representa o perfil mais comum de quem recorre à doação de embriões. Normalmente, são mulheres solteiras, com mais de 40 anos e que necessitam da doação do sêmen pela ausência de um parceiro e de um óvulo. Nessa configuração, explicar a gestação ao filho tende a ser um pouco mais complicado.

Também por essa razão, a advogada Flávia Cordeiro de Melo, 43 anos, planeja ser direta com Pedro. Segundo ela, o menino de 1 ano e oito meses saberá de toda a história de quando era apenas um embrião. “Acho que são coisas que precisam ser conversadas. Deve ser uma forma de concepção como outra qualquer. Já estou começando a lidar com isso.” Pedro começou a falar algumas palavrinhas e, entre elas, “pai”. Depois de algumas confusões, ele já entende parte da situação. “Vai ter um momento em que ele vai compreender isso melhor, mas, agora, pode ser de uma forma natural”, diz a mãe do garoto.

Flávia decidiu pelo embrião doado quando tinha 41 anos. “Sou solteira e quis fazer uma reprodução independente. Descobri que minhas trompas tinham problema e precisava fazer por fertilização in vitro. Não era a minha ideia inicial…”, recorda. Quando a implantação de um embrião doado se tornou a opção mais viável, as dúvidas começaram a transbordar. “Se eu usasse meus óvulos, os embriões restantes não poderiam ser doados por causa da minha idade. Essa questão me perturbou muito tempo, até decidir pela adoção de um embrião.” A advogada precisou perder peso e fazer uma cirurgia para a retirada da vesícula biliar, que estava comprometida. Tudo como preparação para receber o embrião. “Foram muitos obstáculos. Comecei o tratamento aos 42 e, nessa mesma idade, engravidei.”

A adoção passou pela cabeça da advogada, pois tem um irmão adotado que considera “o xodó da família”, mas ela queria ter a experiência da gravidez, da amamentação. A clínica apresentou as poucas características físicas de seis casais, e a falta de maiores informações sobre os pais a incomodou. “Ele não tem qualquer laço de sangue comigo nem com ninguém da minha família”, diz. Ainda assim, nunca passou pela cabeça da advogada esconder a realidade do filho. Até quando a médica questionou a diferença de tipo sanguíneo, ela foi direta: “Ele vai saber de tudo, não tem problema”. A única coisa que a assustou foi a ausência de norma e legislação acerca do tema. “Acho que precisa de uma legislação que deixe as pessoas mais seguras.”

* Nomes fictícios, a pedido  dos entrevistados