Exames de sangue podem prever episódios de alucinação e delírio

Sintomas são comuns em pacientes esquizofrênicos

por Paloma Oliveto 17/12/2014 09:20

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CB/D.A Press
Transtorno psiquiátrico ainda é um desafio para os médicos (foto: CB/D.A Press)
Durante duas décadas, o americano John Nash foi perseguido por seres intergaláticos, homens de gravata vermelha e revolucionários comunistas. O cientista, mais tarde, contou que acreditava nos extraterrestres que mandavam para ele mensagens cifradas pelas páginas do jornal The New York Times porque eram tão reais quanto as fórmulas que fizeram dele um dos maiores gênios da matemática mundial. Boa parte da vida do acadêmico, que inspirou o filme Uma mente brilhante, foi perdida, sem um diagnóstico preciso de sua condição, a esquizofrenia.

Embora esse transtorno psiquiátrico ainda seja um desafio para os médicos, hoje há tratamentos que garantem uma vida com bem-estar aos pacientes. O ideal, segundo especialistas, é intervir antes que uma de suas manifestações mais cruéis, a psicose, se estabeleça, trazendo grande sofrimento aos pacientes. Muitas vezes confundida com doença, essa é, na realidade, um sintoma da esquizofrenia e do transtorno bipolar. Suas principais características são alucinações — ouvir, sentir e/ou ver coisas que não existem — e delusões ou delírios, quando se acredita em fatos irreais, por exemplo ser perseguido por ETs, como pensava John Nash.

“Uma barreira para tratamentos preventivos para a psicose é a falta de identificação precisa das pessoas que estão em grande risco”, afirma Diana O. Perkins, professora de psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. Ela é coautora de um estudo publicado recentemente na revista médica Schizophrenia bulletin, no qual propõe que um exame de sangue pode fazer essa detecção. “Embora sejam necessários mais testes, acreditamos que os resultados são encorajadores e representam um importante passo para auxiliar pessoas que estão passando pelos primeiros estágios da psicose”, acrescenta.

Marcadores
Perkins explica que esse sintoma deixa marcas no organismo conhecidas como biomarcadores. São alterações no sistema imune, hormonal e metabólico que acompanham os pacientes provavelmente desde o início da vida, muito tempo antes de a esquizofrenia se manifestar — ela emerge, geralmente, depois dos 18 anos. “Esses marcadores, que existem possivelmente ainda no estágio embrionário, podem ter uma importância clínica muito grande”, acredita Karlonia Abergh, do Centro de Estudos de Biomarcadores da Universidade de Virginia, que não participou desse estudo.

Na pesquisa da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, a equipe chefiada por Diana O. Perkins investigou 15 biomarcadores, assim como sinais de estresse oxidativo, na corrente sanguínea de quase mil pessoas — com ou sem esquizofrenia — que participam de um estudo longitudinal nos Estados Unidos. Por um período de dois anos, foram retiradas amostras sanguíneas dos voluntários a cada seis meses e realizados testes psiquiátricos que ajudam a detectar psicoses.

Os resultados dos exames foram colocados no computador, que conseguiu calcular quais daquelas pessoas estavam prestes a apresentar um episódio psicótico, a partir da avaliação das taxas alteradas das 15 substâncias. O índice de confiança foi alto: 72% dos participantes identificados pelo algoritmo de fato desenvolveram delusão/alucinações e 84% daqueles apontados pelo teste com baixo risco realmente não tiveram nada no período de acompanhamento.

“Nossa hipótese inicial foi confirmada pelo resultado”, diz Diana O. Perkins. “Nós acreditávamos que a ativação ou a desregulação do sistema imunológico desempenhava um papel central no desenvolvimento da psicose. Os testes são consistentes com um corpo de evidências emergente que associa inflamações e esquizofrenia”, afirma. Outras substâncias correlatas são os hormônios secretados pela glândula pituitária e pela tireoide. “Também constatamos que baixos níveis de uma proteína, que é destruída pelo hormônio do estresse, estão associados à psicose”, conta.

Complementar
O coautor do estudo, Clark D. Jeffries, cientista bioinformático da universidade, explica que é comum pacientes dessa condição médica utilizarem antidepressivos, antipsicóticos, nicotina, maconha e álcool, o que também afeta os níveis de diversos biomarcadores, mas nenhum dos 15 escolhidos pelos cientistas sofre influência dessas substâncias. “Esses métodos modernos, baseados em computador, realmente podem nos ajudar a identificar padrões associados a distúrbios mentais que, de outra forma, dificilmente seriam rastreados”, observa Jeffries.

Segundo Diana O. Perkins, na prática, o resultado da pesquisa poderá servir como importante ferramenta de diagnóstico. Sozinho, contudo, o teste de sangue não servirá para nada, ressalta. Os psiquiatras poderão utilizá-los para avaliar o risco de crise psicótica em pacientes esquizofrênicos ou com transtorno bipolar que, durante as entrevistas pessoais em consultório, exibirem comportamento de risco para delusão e/ou alucinações.

Antes, contudo, é preciso reproduzir a descoberta em mais testes. “Há muitas outras combinações de alterações fisiológicas que podem ser importantes para a predição do risco da psicose. Mas, se confirmado nosso resultado, os biomarcadores sanguíneos têm o potencial de influenciar estratégias para intervenções preventivas, como tratamentos que foquem na inflamação, na reatividade ao estresse ou mesmo no estresse oxidativo diretamente. Nosso estudo destaca uma estratégia promissora para a prevenção da psicose”, acredita.

Um artigo publicado na revista médica Jama Psychiatry indica que crianças com níveis altos de uma proteína na corrente sanguínea correm grandes riscos de desenvolver depressão e psicose na idade adulta. Segundo os pesquisadores, o estudo é mais um a sugerir o papel do sistema imunológico nas doenças mentais, com indicações de que problemas crônicos, como males coronários e diabetes 2, compartilham mecanismos biológicos com distúrbios psiquiátricos.

Sinal de alerta na infância
Quando uma pessoa é exposta a uma infecção, como gripe, o sistema imunológico aciona uma resposta para controlar e remover o agente causador. Durante esse processo, células imunes mergulham na corrente sanguínea, liberando proteínas como interleuquina-6, um marcador infeccioso. Contudo, mesmo quando os indivíduos estão saudáveis, há traços dessas substâncias dentro do organismo.

No primeiro grande estudo longitudinal a respeito, os pesquisadores da Universidade de Cambridge acompanharam amostras de 4,5 mil indivíduos que tiveram o sangue colhido dos 9 aos 18 anos, para verificar se eles haviam passado por episódios de depressão ou psicose ao longo do tempo. A equipe dividiu os participantes em três grupos, de acordo com os níveis de interleuquina-6 na corrente sanguínea: baixo, médio ou alto. Os cientistas constataram que as crianças desse último agrupamento tinham quase duas vezes mais probabilidade de desenvolver esses problemas, comparadas àquelas com baixas taxas da proteína.

Risco maior

“Nosso sistema imune age como um termostato, abaixando na maioria do tempo, mas ficando muito alto quando estamos com uma infecção. Em algumas pessoas, o termostato está sempre acima da média, se comportando como se elas tivessem infecções persistentes. Essas pessoas, aparentemente, têm um risco maior de desenvolver depressão e psicose”, disse, em um comunicado, Golam Khandaker, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge e principal autor do estudo. “Ainda é muito cedo para afirmar se essa é uma associação causal e estamos fazendo estudos adicionais para examinar melhor a correlação”, explicou.

A pesquisa indica também que doença coronariana crônica e diabetes 2 compartilham um mecanismo fisiológico com os distúrbios mentais. Pessoas com depressão e esquizofrenia têm muito mais risco de desenvolver doenças cardíacas e diabetes, e elevados níveis de interleuquina-6 também aumentam a probabilidade de surgimento desses males. “Inflamações podem ser um mecanismo comum que influenciam tanto nossa saúde mental quanto física. É possível que adversidades e estresse no início da vida levem ao aumento persistente nos níveis de biomarcadores inflamatórios no nosso corpo, o que, por sua vez, aumentam também o risco de algumas doenças crônicas e mentais”, afirma Peter Jones, coautor do estudo.