Pesquisadores desvendam como o tétano ataca o organismo e abrem caminho para novos tratamentos

A descoberta também ajudará no combate a outros males neurológicos e no desenvolvimento de formas de introduzir remédios no corpo humano

por Vilhena Soares 04/12/2014 15:00

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Anderson Araújo/CB/D.A Press
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Machucados provocados por objetos enferrujados ou sujos são um perigoso convite para um dos venenos mais potentes a ameaçar o corpo humano: a toxina produzida pela bactéria Clostridium tetani, transmissora do tétano. Por isso, quando uma pessoa se fere e há suspeita de contato com o micro-organismo, facilmente encontrado no solo, os profissionais de saúde logo recomendam uma nova dose da vacina, já que muitas pessoas não tomam o reforço, que, depois da infância, deve ser aplicado a cada 10 anos.

Essa prevenção conseguiu tornar a enfermidade rara, mas, nem por isso, ela deixou de ser um mistério para a ciência. Até agora, especialistas não sabiam como a toxina, chamada tetanospasmina, ataca o sistema nervoso de uma pessoa desprotegida, causando espasmos musculares fortíssimos que levam, em alguns casos, à paralisia. Isso faz com que não exista tratamento para quem acaba infectado, geralmente por falta de imunização adequada. A resposta para o mistério, contudo, está publicada na edição de hoje da revista Science e pode não só levar a formas de tratar o tétano como a aumentar a compreensão de outras doenças neurológicas e até servir de inspiração para novas maneiras de introduzir medicamentos no corpo humano.

“Entender como o tétano entra e é transportado para o sistema nervoso central era meu sonho de estudante e foi o que me dirigiu para a neurobiologia. Tenho trabalhado com o mecanismo de ação das toxinas e neurotoxinas de Clostridium por toda a minha vida”, conta ao Correio Giampietro Schiavo, principal autor do trabalho e professor do Instituto de Neurologia da University College London (UCL).

Para realizar esse antigo desejo, Schiavo e colegas observaram a ação da tetanospasmina nas junções neuromusculares (pontes moleculares entre músculos e o sistema nervoso) de ratos. As análises mostraram que duas proteínas, chamadas nidogen-1 e nidogen-2, eram a peça-chave que procuravam. “A função das nidogens é envolver as células do corpo com uma membrana, que serve como proteção. Esse escudo faz com que elas se estabeleçam nas junções”, explica o autor.

O papel crucial das proteínas foi comprovado quando os cientistas conseguiram, ao agir sobre elas, impedir que o sistema nervoso de ratos infectados com a bactéria Clostridium tetani fosse danificado. Usando peptídeos (biomoléculas formadas pela união de dois aminoácidos) específicos, o time impediu a ação das nidogens, evitando o ataque às células dos animais. “Testamos essa hipótese e ela bloqueou a progressão da paralisia espástica em ratinhos tratados. Acreditamos que peptídeos e também seus análogos podem bloquear a interação das nidogens”, destaca Schiavo.

Sem precedentes

Para o pesquisador, os resultados devem ajudar a preencher uma lacuna na medicina, melhorando o tratamento de pessoas que acabam infectadas por falta de imunização. “O único tratamento disponível é a vacina, que é eficaz, mas preventiva. Ela não pode ser utilizada em pacientes que já exibem sintomas”, ressalta Schiavo. Segundo ele, o uso dos peptídeos pode ser uma alternativa de terapia no futuro. “Os peptídeos ou seus derivados podem bloquear a entrada da toxina mesmo depois de ela entrar em contato com os neurônios. Isso é completamente sem precedentes”, completa.

Na avaliação de Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame, a pesquisa se destaca justamente por aumentar as possibilidades de tratamento. “Hoje em dia, não possuímos nenhum tipo de tratamento voltado para o tétano, além da vacina antitetânica. Os medicamentos utilizados para quem tem a doença são alternativos e usados para combater sintomas, como relaxantes musculares que diminuem os espasmos sofridos”, diz.

Edgar Nunes de Moraes, chefe do Departamento de Geriatria do Hospital Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também é otimista com os caminhos abertos pelo estudo de Schiavo e colaboradores. “O grande problema do tétano é que não possuímos medicamentos que tratem diretamente a ação da sua neurotoxina. Com remédios que agem diretamente na ação dessa enfermidade, o sofrimento do paciente pode diminuir e suas chances de sobrevivência podem aumentar”, acredita.

Outras enfermidades

A descrição de como a neurotoxina do tétano age no organismo pode auxiliar também no combate a outros distúrbios neurológicos. “Entender como o tétano se comporta vai nos ajudar a desenvolver melhores tratamentos para os neurônios motores e sensitivos, tornando-os mais eficazes em doses menores e reduzindo os efeitos colaterais”, destaca Schiavo.

Na avaliação de Moraes, da UFMG, esse é um dos grandes ganhos do trabalho. “A área de pesquisa em doenças neuromusculares pode ganhar uma série de possibilidades com essa técnica de interferência, principalmente quanto ao botulismo, que é parecido com o tétano. É claro que estamos falando de um estudo inicial, feito com ratos, porém, futuramente, podemos ter a esperança de conseguir o mesmo sucesso em humanos”, completa.

Os cientistas responsáveis pelo estudo pretendem levar a pesquisa adiante e veem até mesmo a possibilidade de usar a estratégia da toxina para se fixar nas células como inspiração para desenvolver novas formas de aplicar remédios. A ideia seria usar as proteínas nidogens a favor da saúde. Em vez de ajudarem a entrada da tetanospasmina, elas garantiriam doses de medicamentos diretamente nas células do sistema nervoso. E as perspectivas da equipe são muito mais amplas, garante Schiavo. “As nidogens são apenas o primeiro elemento do complexo sistema receptor da toxina tetânica que descobrimos. Estamos agora à caça de outras substâncias”, ressalta o autor da pesquisa.

Sem ar

Botulismo é uma doença considerada rara e muito grave, causada pela toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum. Ela pode ser encontrada no solo, em produtos agrícolas e em organismos marinhos, como peixes. A porta de entrada da bactéria no corpo humano são machucados e também a ingestão dos alimentos infectados. A toxina do botulismo provoca paralisia dos músculos, principalmente os respiratórios, que impedem a respiração e podem provocar morte por asfixia.