Pesquisadores descobrem que droga anti-HIV protege também a retina

O estudo revelou que o medicamento também bloqueia a atividade de uma via responsável pela ativação de processos inflamatórios

por Bruna Sensêve 25/11/2014 11:30

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EM/D.A Press
Antirretroviral pode ser usado contra a degeneração macular relacionada à idade, principal causa de perda da visão depois dos 50 anos (foto: EM/D.A Press)
O tratamento antirretroviral para o controle da infecção pelo HIV surgiu no fim da década de 1980 e revolucionou o cenário de devastação criado pela Aids nos primeiros anos da epidemia. Ele trouxe uma nova estratégia de combate à doença. Em vez de tentar destruir o vírus, esses medicamentos impedem que ele se multiplique no organismo. A tática é relativamente nova. A necessidade de uma resposta rápida e eficaz contra as inúmeras infecções e mortes fez com que o extenso período de estudos clínicos, normalmente exigido para a aprovação de medicamentos, fosse encurtado. Por isso, os efeitos dessas drogas a longo prazo ainda não são completamente entendidos pela comunidade científica.

Alguns avanços nessa direção trouxeram conclusões inusitadas. Uma pesquisa publicada na revista científica Science mostra que um tipo muito utilizado de antirretroviral, os inibidores nucleósidos da transcriptase reversa (NRTIs), além de tratar a infecção pelo HIV, pode ser usado contra enfermidades como a degeneração macular relacionada à idade e a doença do enxerto contra o hospedeiro. A primeira é a principal causa de perda da visão depois dos 50 anos. A segunda, um complicação do transplante alogênico (quando o material doado vem de outro indivíduo) de medula óssea.

Segundo a equipe liderada por Jayakrishna Ambati, da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos, esses benefícios terapêuticos até então desconhecidos não estão relacionados com a capacidade do medicamento de impedir que o vírus replique seu genoma para outras células. Agora, descobriu-se que ele também bloqueia a atividade de uma via responsável pela ativação de processos inflamatórios. “Com isso, os NRTIs passam a ter uma dupla utilização e se tornam passíveis de um reaproveitamento de drogas”, afirma Ambati. A utilização dupla de medicações é importante por se tratar de uma combinação de substâncias já previamente aprovada quanto à segurança e à eficácia para o uso em humanos, diferentemente de substâncias ainda não experimentadas.

Para o pesquisador principal do trabalho, a vantagem dos NRTIs existe porque são uma classe diversa de moléculas pequenas amplamente utilizadas, de baixo custo e com extensos dados farmacocinéticos e de segurança recolhidos ao longo de várias décadas de uso humano. “Nosso trabalho ilustra um novo mecanismo de ação, abre um caminho claro para a ampla redefinição dessa classe de drogas para tratar necessidades médicas ainda não reconhecidas.” Segundo ele, os dados indicam que os NRTIs podem ter uso terapêutico duplo na degeneração macular, nos dois tipos da doença.
Anderson Araújo/CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Anderson Araújo/CB/D.A Press)

Hepatite C
Os efeitos da terapia antirretroviral para males oftalmológicos são uma novidade, mas há benefícios comprovados dessas drogas além do controle da infecção por HIV. O pesquisador Kenneth Sherman, diretor da Divisão de Doenças Digestivas na Faculdade de Medicina da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, descobriu que esse tratamento pode ser indicado para evitar a coinfecção pelo vírus da hepatite C (HCV).

De acordo com Sherman, há uma das grandes preocupações dos médicos com relação à terapia antirretroviral. A infecção pelos dois patógenos é relativamente comum e ainda não era claro se os medicamentos anti-HIV poderiam ferir o fígado e prejudicar ainda mais o paciente. “A resposta inicial aos resultados do tratamento de HIV foi um aumento transitório no replicação viral do HCV e evidência de lesão hepática. No entanto, o tempo de supressão de HIV leva à redução da replicação do HCV”, detalha.

O trabalho de Sherman foi publicado, em julho, na Science Translational Medicine. Ele acompanhou 17 pacientes sob terapia antirretroviral durante dois anos, avaliando o que seriam as pequenas mudanças no vírus e na resposta imune. “Os resultados sugerem que a supressão do HIV com medicamentos antirretrovirais tem um papel importante no tratamento de indivíduos com HCV”, resume.

Úmida ou seca
Segundo problema oftalmológico mais incidente em idosos, atrás apenas da catarata, a degeneração macular manifesta-se de duas formas. A conhecida como atrófica ou seca (90% dos casos) pode evoluir lentamente e provocar perda gradual da visão. O tipo exsudativo ou úmido é responsável por 10% da incidência da doença e costuma ser de instalação rápida, provocando em muitos casos a perda total da visão.