Educação sexual deve começar na primeira infância

Cuidadores devem ficar atentos aos sinais e às possibilidades educativas que o cotidiano oferece

por Carolina Cotta 18/11/2014 09:30

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Arquivo Pessoal
Waleska Chaban, com o filho Pedro, de 8 anos: a conversa é aberta e embasada em princípios que ela acredita (foto: Arquivo Pessoal)
Questões de gênero aparecem antes de uma criança nascer. A descoberta do sexo do bebê vem envolvida em estereótipos que vão da escolha da cor e enfeites do quarto, como se apenas meninos pudessem ter um quarto de marinheiro. Também não é raro que pais comemorem a chegada de um menino valorizando o órgão genital que aparece desde o ultrassom. A sexualidade dessa criança já está em questão e ela sequer saiu da barriga da mãe. Por que, então, é tão difícil encarar o assunto desde cedo, quando seria possível mudar preconceitos.

Especialistas defendem que a educação sexual comece na primeira infância, de forma informal, na família, em todas as situações sociais em que a criança está colocada. Segundo Anna Cláudia Eutrópio d’Andrea, psicóloga e doutora em educação, com tese sobre educação sexual nas escolas, o adulto responsável deve ficar atento aos sinais e às possibilidades educativas que o cotidiano oferece. “Se numa festinha, durante as brincadeiras, a menina rasga o vestido e todos riem porque sua calcinha apareceu, é um momento de conversar.”

Segundo a especialista, esse é um exemplo da educação sexual informal, aquela que ocorre cotidianamente, sem um espaço sistematizado. Afinal, recebemos mensagens sobre sexualidade constantemente. “Mas é preciso passar essa informação de forma natural e constante, sem preparar um momento especial para essa conversa. Os pais têm a fantasia de que a educação sexual tem que seguir o modelo escolar, como uma aula, mas deve ser algo informal. “Não é preciso, por exemplo, que se preparem para esse momento, que deve ocorrer de forma natural.”

Mas a especialista defende que os pais conversem, antes, sobre como vão conduzir o assunto antes de ele acontecer, para não serem pegos desprevinidos. “Ninguém vai estar totalmente preparado.” Anna Cláudia sugere que, à pergunta, façam uma nova pergunta, do tipo: O que você quer saber? O que você ouviu falar? Recorrer a livros também é uma boa opção, pois eles podem fazer uma mediação nessa conversa. “Historinhas e nomes fazem parte da nossa cultura. Não é preciso recorrer a nomes científicos, nem à cegonha”, alerta.

Há dois anos, a jornalista Waleska Chaban, de 40 anos, percebeu um maior interesse do filho Pedro, hoje com 8 anos, sobre as diferenças entre os corpos masculino e feminino, quando perguntou, por causa de meninas não terem “pinto”, como fazem xixi. Até agora, os questionamentos foram simples, mas a mãe sabe que vai chegar um dia em que vai ter que falar de assuntos mais complexos e até mais delicados de serem tratados. “Minha linha de raciocínio é tratar sempre de forma aberta, clara e embasada em princípios que acredito serem corretos.”

“Talvez por não termos o hábito de assistir à TV aberta, ele não tem tanto acesso a assuntos relacionados à sexualidade. Então, a curiosidade dele se limita a diferenças corporais.” Para Waleska, é um desafio lidar com o assunto. “Fui criada em uma família bastante tradicional e nunca conversei sobre sexualidade dentro de casa. Tento fazer diferente, principalmente porque, atualmente, a sexualidade está sendo banalizada. Quero passar para meu filho que sexualidade é natural, sim, mas envolve respeito e sentimentos”, acredita.

É diferente da educação sexual formal, nas escolas, que, para Anna Cláudia, poderia começar na educação infantil, variando o estilo de abordagem e o tema. “Não há restrição de esse assunto ser discutido desde sempre. O problema é o equívoco de compreensão do que é educação em sexualidade. Quando a escola avisa que vai abordar o assunto, é como se fossem falar de sexo com as crianças, estimulando algo precocemente, despertanto algo em um momento inadequado. Na sociedade, ainda há uma ideia de equivalência entre sexo e sexualidade.

Para a psicóloga, sexóloga e educadora sexual Cida Lopes, que se prepara para lançar o livro Soltando os grilos, as instituições têm papel importante. “Mas a formação vem da família e a informação da escola”, defende. Segundo a especialista, a criança não tem raciocínio abstrato, por isso quer pegar as coisas para entender. Não seria diferente com a descoberta das diferenças entre o corpo de meninos e meninas. “Vendo que é diferente, ela quer comparar. Se os adultos não tivessem um conceito de sexualidade tão negativo, não se assutariam.”

O ideal, para Cida, é que os pais tratem essas descobertas de forma natural, sem reforçar o que ela está fazendo, explicando e depois desviando o assunto. “Dependendo de como aquilo vai ser recebido pelo adulto, ele vai reforçar ou reprimir. Se reforça, acaba supervalorizando algo que é natural. Se reprime, a criança passará a fazer escondido”, alerta. Apenas se o ato de tocar-se virar uma compulsão, algo que substitui outras formas de prazer, há motivo para se preocupar.

VIOLÊNCIA
O crescimento dos casos de pedofilia e abuso sexual de crianças, inclusive por pessoas próximas, demanda uma atenção com o assunto, o que reforça a importância de não adiar ou mentir para a criança quando ela começar a ter dúvidas, que inicialmente são sobre a diferença do corpo e sobre como os bebês entram e saem da barriga. Para Anna Cláudia, as crianças precisam saber que ninguém estranho pode tocar no corpo dela. “É preciso que entenda que o corpo dela é algo sagrado. Essas noções, assim como as de higiene e proteção do corpo, devem começar desde cedo.”

SEXUALIDADE X SEXO
Sexualidade e sexo são coisas distintas. Esse último refere-se ao ato sexual em si, em todas as suas variações. Já sexualidade, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), é uma energia que nos motiva a encontrar amor, contato, ternura e intimidade. Ela integra-se no modo como sentimos, movemos, tocamos e somos tocados, e influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e também nossa saúde física e mental.