Preconceito e burocracia impedem pesquisa científica e uso da maconha medicinal

Famílias cobram mais agilidade do Estado na liberação da importação dos remédios

por Agência Brasil 13/11/2014 10:56

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Breno Fortes/CB/D.A Press
A filha mais nova de Norberto Fischer, Anny Fischer, de 6 anos, tem uma doença rara e desde que começou a utilizar o canabidiol teve melhora significativa (foto: Breno Fortes/CB/D.A Press)
Dois pais que decidiram tratar seus filhos com medicamentos à base de uma substância derivada da maconha – o canabidiol, que não causa efeitos alucinógenos ou psicóticos – cobram mais agilidade do Estado na liberação da importação dos remédios. Convidados pelo Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas, eles participaram hoje (12), em Brasília, de reunião na qual foi discutido o uso terapêutico do canabidiol e seu enquadramento na legislação brasileira. Segundo eles, o preconceito em torno das substâncias psicotrópicas e a burocracia estatal têm impedido que milhares de pessoas recebam tratamentos que poderiam amenizar o sofrimento e, eventualmente, salvar vidas.

“Obter da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] a autorização para importar o canabidiol é muito complicado, mas não é a única dificuldade que enfrentamos”, disse o médico mastologista, Leandro Ramirez da Silva. Seu filho Benício, de 6 anos, é portador da síndrome de Dravet, uma forma grave de epilepsia. Convencido de que “a medicina tradicional jamais deu uma chance de recuperação ao meu filho”, o médico decidiu começar a importar a pasta do canabidiol que, misturada a óleo de gergelim e a iogurte, dá ao filho.

“Como tem um autismo severo, meu filho não falava, não ouvia, nem subia uma escada. Hoje, ele faz essas coisas, com limitações. Ele ainda apresenta um significativo atraso no desenvolvimento, mas agora há grandes perspectivas [de melhoras]”, comentou o médico, antes de voltar a reclamar da burocracia e dos altos custos impostos a quem se dispõe a importar o canabidiol.

“Falta a Anvisa e a Receita Federal se entenderem. Muitos aeroportos brasileiros não têm postos da Receita Federal, caso do de Belo Horizonte, onde vivemos. Quando é entregue em um desses locais, o produto fica retido, e é necessário que a pessoa vá pessoalmente ao aeroporto retirá-lo, e pague a taxa de custódia”, disse Silva. Segundo ele, uma única ampola de 10 gramas pode custar entre US$ 350 e US$ 500, dependendo do teor de canabidiol presente na pasta – o que também influi na durabilidade da ampola, que é de dois meses e meio, em média. Sobre o valor cobrado é acrescido 60% de impostos federais e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que varia conforme a unidade da Federação.

“Essa burocracia é cúmplice da morte de crianças, que morrem aguardando a autorização. O risco de morte para nossos filhos é iminente, e a missão do Estado, dos governos, é facilitar nossa vida, nos garantindo o acesso”, acrescentou o médico. Silva ainda destacou que, como o canabidiol consta da lista de substâncias de uso proibido, é muito difícil obter a receita médica que a Anvisa exige para autorizar a importação da substância.

“Só em Minas Gerais há cerca de 50 mil médicos. Eu sei de apenas quatro que prescrevem esses medicamentos”, comentou Silva, defendendo que o canabidiol seja classificado como substância de controle especial. “Temos um senso de urgência que precisa ser atendido. Mas o aspecto moral tem balisado a burocracia estatal, no caso da liberação do canabinóide para pacientes de doenças graves que não responderam aos tratamentos convencionais. Por isso, tenho orgulho de dizer que meu filho, de 6 anos, é maconheiro medicinal. Por entender que a mudança [de paradigmas] deve vir da sociedade”.

O bancário Norberto Fischer lembrou que nesta terça-feira (11/11), completou um ano que sua filha Anny, também de 6 anos, tomou a primeira dose de canabidiol. “Até então, eu tinha como que uma boneca incapaz de fazer qualquer coisa. Ela só comia se colocássemos o alimento em sua boca e a ajudássemos a engolir. Foi uma mudança milagrosa. Ela está quase voltando a andar e há oito meses não sofre crise convulsiva. Ela, antes, chegou a ter entre dez e 12 crises diárias fortíssimas”.

Para Fischer, o receio das autoridades quanto a eventuais efeitos colaterais futuros não é justificativa para negar melhor qualidade de vida a pacientes que não responderam aos tratamentos convencionais. “Há pesquisas que apontam que o canabidiol não tem efeitos colaterais a médio e longo prazo. Mesmo que houvesse, eu preferiria minha filha com algum problema no futuro do que morta hoje”, enfatizou.