Cirurgia de redução de estômago poderá ser indicada para quem não está acima do peso

Médicos e cientistas analisam indicar a cirurgia bariátrica a fim de controlar o diabetes em pacientes com e sem excesso de peso. Novo estudo divulgado na Lancet reforça a tese de que o procedimento previne o problema metabólico

por Bruna Sensêve 06/11/2014 15:00

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Ainda na década de 1950, os resultados de um procedimento cirúrgico começavam a ter efeitos complementares inesperados. Pacientes com úlceras ou cânceres gástricos eram submetidos a cirurgias de remoção parcial do estômago e redirecionamento do trânsito digestivo para porções mais baixas do intestino delgado. O problema inicial era resolvido, mas, com ele, os níveis de glicose no sangue tinham uma redução dramática. A associação entre o que passou a ser chamado de cirurgia bariátrica e o tratamento do diabetes chamou a atenção de médicos em todo o mundo, e diversos estudos e novas conclusões pipocaram. Um novo artigo publicado na 'Lancet Diabetes e Endocrinologia' comprova o efeito protetor da cirurgia na prevenção ao problema metabólico e chega ainda mais próximo da indicação do procedimento para pacientes que não obesos.

Valdo Virgo/CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
Mais de 80% dos adultos com diabetes tipo 2 estão acima do peso ou obesos. Hoje, esse é o principal fator de risco modificável para a doença. A redução da massa corporal pode reverter quadros iniciais do problema metabólico ou mesmo prevenir o surgimento dele. O emagrecimento a partir da mudança de estilo de vida, da dieta adequada, da atividade física regular e do uso de medicação é aconselhado por endocrinologistas como a primeira linha de tratamento e prevenção da condição. Somente pacientes categorizados como obesos mórbidos, por apresentarem índice de massa corporal (IMC) acima de 40, têm a sugestão de se submeter à cirurgia bariátrica para reduzir os ponteiros da balança.

Não foi exatamente essa regra que o professor de saúde pública do King’s College London, no Reino Unido, Martin Gulliford, seguiu. Ele e sua equipe avaliaram o efeito de procedimentos cirúrgicos contemporâneos de perda de peso no desenvolvimento do diabetes. Identificaram 2.167 adultos obesos sem diabetes e submetidos a uma das três cirurgias mais comuns para a perda de peso — banda laparoscópica ajustável, gastrectomia vertical ou bypass gástrico (veja infográfico) — a partir de 2002. Os pacientes foram comparados a 2.167 participantes do grupo de controle, pareados por idade, sexo, IMC e monitoramento de glicose no sangue. No último grupo, ninguém havia sido operado contra a obesidade ou feito outro tratamento. Os participantes foram acompanhados por um período máximo de sete anos.

Durante esse tempo, os pesquisadores registraram 38 novos diagnósticos de diabetes entre os participantes submetidos às cirurgias, contra 177 do grupo controle. Ou seja, a incidência de diabetes foi reduzida em cerca de 80% naqueles operados mesmo após o controle de outros fatores importantes, incluindo tabagismo, pressão arterial alta e colesterol alto. “Precisamos entender como a perda de peso proporcionada pela cirurgia pode ser utilizada em conjunto com intervenções de atividade física e de promoção da alimentação saudável como parte de uma estratégia global de prevenção do diabetes”, avalia Gulliford. Segundo ele, os resultados sugerem que a cirurgia bariátrica pode ser um método altamente eficaz de prevenção do aparecimento de diabetes em homens e mulheres com obesidade grave.

Outros mecanismos
Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Almino Ramos pondera que, depois do procedimento cirúrgico, a dieta é mais restrita, há perda de peso importante, mas também uma série de outros mecanismos. É o caso de mudanças no hormônio GLP1, produzido na parte final do intestino delgado e ligado diretamente à produção de insulina pelo pâncreas. “Como na cirurgia o intestino fica mais curto por causa da remoção, a produção de GLP1 aumenta muito. Isso não é alcançado com o tratamento clínico”, explica.

Outra consequência da cirurgia é a redução da fabricação de grelina, um hormônio gerado no estômago que compete com a produção de insulina. Com a diminuição do estômago, essa produção também diminui. Ramos conta que a discussão para a recomendação da cirurgia a pacientes diabéticos ou para a prevenção da doença em pacientes com excesso de peso é antiga. “Ainda é algo confuso e que estamos discutindo bastante.”

No mês passado, houve uma reunião entre as sociedades médicas e cirúrgicas para definir os parâmetros de indicação da cirurgia metabólica. “Dependemos da avaliação do quadro. Para ter boa avaliação do procedimento, precisamos ter certeza de que o paciente tem diabetes tipo 2 e tecido viável no pâncreas para a produção de insulina”, diz. Segundo o médico, a previsão é de que já no próximo ano novas orientações permitam a recomendação de intervenções bariátricas para o controle do diabetes em pacientes não obesos.

Faltam mais evidências
Em 1980, o norte-americano Walter Pories operou, na Carolina do Norte, quatro diabéticos obesos. Depois do procedimento, os voluntários nunca mais precisaram de medicamentos para controlar a glicemia. Os resultados surpreendentes foram publicados em 1995. Nos 14 anos anteriores, o médico já havia operado 146 pessoas nas mesmas condições e atingido um percentual de 83% de “cura dupla”. Phillip Schauer, pesquisador da Cleveland Clinic, também nos Estados Unidos, fez a mesma experiência com 1.160 pacientes submetidos a cirurgias bariátricas. Dos 191 previamente diabéticos, 83% (mesmo percentual de Pories) se livraram da doença metabólica. Ainda com esses resultados promissores e novos estudos, a possibilidade de tratamento do diabetes por cirurgia é descreditada devido à falta de mais evidências. Por definição, o diabetes é um mal crônico evolutivo.

Segundo o endocrinologista João Lindolfo, membro do Departamento de Metabolismo Ósseo Mineral da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e professor da Universidade Católica de Brasília, a mensagem que deve ficar com o estudo da revista Lancet é que a cirurgia bariátrica diminui a prevalência de diabetes, mas não acaba com as possibilidades de ter a doença. “Ninguém engorda por problemas no estômago, mas por situações mais profundas, com viés psicológico ou até cultural. Uma parte significante dos pacientes que fazem a cirurgia voltam a ganhar peso após 10 anos.” Dessa forma, aqueles que não desenvolveram o diabetes a longo prazo podem tê-la.

Lindolfo detalha que a cirurgia bariátrica convencional tira a gordura do corpo que, junto da hereditariedade, é um dos maiores riscos de desenvolvimento do diabetes. “Ao diminuir a gordura, eu evito que um número grande de pacientes, seja pela cirurgia, seja pela dieta, tenham diabetes.” Ele acredita que é preciso pensar no todo das doenças que são derivadas da obesidade. “Devemos ver o problema global do paciente que vai ter esses benefícios se mantiver o comportamento saudável.”


Uma questão em aberto
“Em um estudo de pacientes com diabetes tipo 2 acompanhados ao longo de oito anos, mais de 40% dos que foram submetidos ao bypass gástrico tiveram uma recaída após a remissão inicial de diabetes. Nesse estudo, nenhuma ligação absoluta foi observada entre a recidiva do diabetes e a recuperação do peso. Assim, outros fatores parecem afetar a história natural do diabetes tipo 2 após a cirurgia bariátrica. Por isso, se a anatomia alterada após o procedimento médico fornece proteção contra o problema metabólico em caso de recuperação do peso permanece uma questão em aberto. São necessárias mais provas para convencer endocrinologistas sobre a natureza desse efeito.”

Jacques Himpens, do Hospital Universitário de Bruxelas Saint Pierre, na Bélgica