Veja o que cientistas já sabem sobre o impacto do espaço na saúde dos astronautas

Fora da Terra ou simulando as condições de microgravidade, cientistas buscam soluções para resolver problemas como cárie e arritmia cardíaca tanto em astronautas quanto em quem não cogita deixar o planeta

por Bruna Sensêve 30/10/2014 13:00

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Anderson Araújo/CB/D.A Press
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Ao ver um astronauta flutuando numa nave espacial, é comum pensar como ele faz para se alimentar, ir ao banheiro, escovar os dentes ou mesmo pentear os cabelos. A microgravidade a que ele está submetido é a experiência de aparente ausência de peso. Ali, a força que mantém os corpos junto ao solo é zero. Mas a mudança não está só nos objetos e nos corpos pairando no ar. Essa força é responsável por manter os astronautas estáveis também internamente. Sem ela, a vida vagando no espaço se torna ainda mais árdua que a daqueles “presos” em terra firme. Pesquisas sobre a saúde de músculos, ossos e órgãos fora do planeta buscam melhorar a vida de humanos nessas condições, investigam a possibilidade de moradia em outros astros e ainda ajudam na busca por solução de problemas muito comum entre os terrestres, como a cárie.

Um estudo conduzido pela dentista brasileira Simone Duarte, hoje diretora do curso de farmacologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de Nova York, concluiu que a probabilidade de uma pessoa desenvolver cárie no espaço é bem maior que na Terra. O trabalho foi divulgado na Revista Fapesp deste mês, após a cientista ter comprovado, por meio de testes laboratoriais, que a placa dental responsável por abrigar as bactérias causadoras da cárie, chamada de biofilme oral, tem massa duplicada em condições de microgravidade. Duarte produziu duas placas de biofilme oral e, com a ajuda de um biorreator que simula situações de gravidade zero, deixou uma exposta a condição similar à do espaço e outra em gravidade terrestre. Em cinco dias, observou-se uma diferença de 2,5 vezes na proliferação de bactérias na primeira amostra.

Segundo ela, ainda não é possível saber quais fatores contribuem para esse comportamento dos micro-organismos, mas o resultado do estudo fornece mais elementos para que a busca por novos métodos de prevenção e tratamento da cárie continue. “É preciso conhecer bem o inimigo para poder derrotá-lo”, explica.

Efeito até no envelhecimento

No espaço, os músculos e os ossos dos astronautas ficam subutilizados. Sem a resistência para executar movimentos, até mesmo o bombeamento de sangue pelo corpo fica alterado. Um longo estudo nesse sentido, chamado Integrated Cardiovascular Study (ICV), observa há alguns anos a função cardíaca durante uma exposição duradoura à microgravidade. O foco está na ocorrência de atrofia (diminuição do tamanho do músculo do coração), em consequências funcionais para intolerância ortostática (sintomas exibidos somente enquanto em pé), na capacidade de exercício e no risco para arritmias. Os resultados são curiosos e mostram, por exemplo, que o órgão se torna esférico e menor em ambiente espacial.


Para os pesquisadores, esse efeito não tem nada de mágico. Como outros músculos, o coração se adapta ao tamanho da carga colocada sobre ele. Por isso, de volta à Terra, ganha novo formato. Segundo Benjamin Levine, diretor do Instituto de Exercício e Medicina Ambiental da Universidade de Southwestern Texas, em Dallas, esse seria exatamente o mesmo que acontece quando as pessoas se deitam à noite e removem o efeito da gravidade que “empurra” o sangue (e o coração) para baixo, em direção aos pés.

Levine ressalta que os resultados têm implicações importantes para o envelhecimento na Terra. Indivíduos que preservam a aptidão cardíaca ao longo da vida provavelmente terão a flexibilidade da juventude nos vasos cardíacos e sangue preservados, assim como astronautas.

Laboratório em órbita
O biofilme estudado pela dentista Simone Duarte não é uma exclusividade da boca, também está espalhado pelo intestino e por outras partes do corpo. Entre os micro-organismos, está o Candida albicans — um fungo normalmente inofensivo, mas, em condições de estresse, responsável por infecções vaginais e orais em humanos. Ele é objeto de pesquisa de outros cientistas. Desta vez, diretamente do espaço.

O time liderado por Sheila Nielsen, da Universidade de State Montana (EUA), observou o C. albicans em experimentos a bordo da Estação Espacial Internacional (EEI) e produziu um conjunto de resultados no estudo chamado Micro-6. Esse fungo apresentou um crescimento descontrolado em microgravidade por um longo período de tempo. Os cientistas descobriram que o micro-organismo cresceu de forma mais alongada, transformou-se em uma estrutura alterada ao formar uma colônia e — talvez o resultado mais importante — apresentou um aumento na resistência a uma substância antimicrobiana. Nielsen acredita que a combinação desses fatores poderia resultar em um aumento da natureza oportunista e infecciosa desse patógeno.

Os cientistas querem resolver os surtos da bactéria com a próxima rodada de experimentos de crescimento celular na EEI. “Nós já demonstramos que a microgravidade afeta a forma e o comportamento das células. Uma compreensão mais completa da resposta de adaptação dessa levedura a ambientes extremos, como a microgravidade, e dos riscos associados com a infecção potencial, é vital para a saúde e a segurança da tripulação de longo prazo.” Para Nielsen, esse conhecimento pode ajudar a desenvolver tratamentos para manter não só os astronautas, como os habitantes da Terra mais saudáveis. É por isso que o fungo será alvo de novo estudo, o Micro-8, também na Estação Espacial.

Cicatrização
Se o problema surge fora da Terra, a solução também pode estar lá. Nabarun Chakraborty, do Centro de Pesquisa em Saúde Ambiental dos Estados Unidos, analisou culturas de células e tecidos a bordo da EEI para examinar, in vitro, a relação entre patógeno e hospedeiro, além da cicatrização de feridas no espaço. O trabalho foi premiado, neste ano, como um dos “Resultados mais Expressivos da Estação Espacial em 2013”. Segundo ele, os processos de cura nos seres humanos se comportam de maneira diferente na microgravidade, onde o esforço do organismo em se reparar é agravado pelo comprometimento do mecanismo de defesa e pelas produções mais agressivas de patógenos.

Chakraborty explica que a investigação sobre a cicatrização de feridas e imunologia na Terra continua sendo um desafio . Por isso, os resultados do trabalho na órbita são de especial interesse para a saúde humana, uma vez que são grandes os riscos que uma infecção pode transportar.


Mulheres são de Marte
Após uma experiência de quatro meses em uma cúpula de mil metros quadrados, no Vulcão de Mauna Loa, no Havaí, três mulheres e três homens participantes do projeto HI-SEAS, da Nasa, comprovaram que o sexo frágil é mais forte no Planeta Vermelho. O campo construído pela agência espacial norte-americana simulou a vida em uma estação espacial em Marte. Estudos observacionais quanto ao comportamento e à saúde dos astronautas mostraram que os homens comeram muito mais e tiveram mais dificuldade em manter o peso corporal estável.