Levantamento com 96 países indica que um terço deles não oferece qualidade de vida aos idosos

O Brasil caiu da 31ª para a 58ª posição devido à sensação de insegurança e à insatisfação com o transporte público

O mundo está maltratando os mais velhos. Na véspera do dia internacional do idoso, um levantamento feito em 96 países, inclusive o Brasil, mostra que um terço das nações não consegue oferecer qualidade de vida àqueles que passaram dos 60 anos, um contingente de quase 900 milhões e que deve dobrar até 2015. Governos e sociedade falham em oferecer renda, saúde, segurança e transporte adequado, conclui o relatório da Universidade de Southampton e da HelpAge International, uma ONG voltada à defesa dos direitos da população nessa faixa etária. O documento, produzido com a mesma metodologia aplicada pelas Nações Unidas para a construção do Índice de Desenvolvimento Humano, se propõe a nortear políticas públicas que atendam as necessidades dessa parcela da sociedade.

A partir de questionários aplicados na maior parte dos países investigados e da compilação de estatísticas nacionais e internacionais, o Centro de Pesquisa do Envelhecimento da Universidade de Southampton, na Inglaterra, calculou o Índice Global AgeWatch 2014, representando 91% dos idosos do mundo. No ranking do bem-estar social e econômico, a Noruega ocupa o topo e, no outro extremo, está o Afeganistão. O Brasil fica abaixo da média: 58º lugar, puxado para baixo pela sensação de insegurança e a insatisfação dos mais velhos com o transporte público.
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Comparado à primeira edição do Index, de 2013, o Brasil despencou 27 posições. No ano passado, de 91 países pesquisados, ficou em 31º. Apesar de uma leve melhora nos quesitos seguridade social (12° no primeiro ranking contra 14°) e emprego/educação (66º contra 68º), caiu em saúde (43º contra 41º) e sofreu uma queda significativa no domínio ambiente social, que mede as conexões, a segurança física, a liberdade civil e o acesso ao sistema de transportes. No ano passado, estava no 40° lugar no ranking desse grupo e, agora, ocupa a 87ª posição, atrás da Cisjordânia/Faixa de Gaza (63ª), do Paquistão (81ª) e da Ucrânia (85ª), por exemplo.

De acordo com a gerontóloga Laura Mello Machado, integrante do conselho consultivo da HelpAid International, o que fez com que o índice despencasse foi a percepção de insegurança e a insatisfação com o transporte público. “Os dados quantitativos foram os mesmos, mas ocorre que, no ano passado, as entrevistas qualitativas foram realizadas com uma amostra menor e menos representativa, com pessoas acima de 50 anos, que nem são idosas assim”, explica. Para o índice de 2014, os entrevistadores buscaram uma população mais representativa da terceira idade.

“O que acho que esse resultado aponta é que o Brasil tem de melhorar na área de transporte público para idosos. Esse é um direito constitucional, mas, em relação às metrópoles, motoristas de ônibus não respeitam os mais velhos, não param para eles, que caem no chão. Na área rural, esse direito não é garantido”, diz Laura. “Idosos que precisam se deslocar e acessar um serviço de saúde usam boleia de caminhão, jegue, carro particular pago. Não tem transporte público gratuito”, denuncia. A limitação do ir e vir, aliada à percepção de insegurança, pode gerar um fenômeno que, segundo a gerontóloga, precisa ser mais bem aprofundado: “Os brasileiros com mais de 60 anos podem estar saindo menos. Sem transporte e com medo, optam por se preservar, ficando quietinhos em casa”.

Falta implementar

A especialista em envelhecimento afirma que a queda do Brasil no ranking não se explica apenas pelo que o país fez de ruim mas, principalmente, pelo que não foi feito. “Não fazer nada aponta para uma grande piora. Não há implementação de políticas. O que ocorre é que, até 2003 (ano de publicação do Estatuto do Idoso), o país fez políticas e depois acabou, como se já tivesse feito tudo. A implementação não está chegando”, afirma a consultora da HelpAid International.

O presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), João Bastos Freire Neto, concorda. “A política de saúde do idoso, por exemplo, é perfeita, bem alinhada com a visão da atenção integral, com atendimento primário, secundário e terciário, hospitais de referência, integrando toda a rede. Mas não têm sido efetivadas plenamente. Não precisamos de mais políticas, aliás, nem precisávamos das específicas, já que a nossa Constituição traz todos os direitos bem claro. Não adianta, porém, ter uma coisa só escrita”, constata.

Segundo Laura Mello Machado, o Índice Global AgeWatch 2014 não foi feito para que os países se comparem no ranking, mas para fornecer uma medida que permita a cada nação acompanhar ano a ano seu desempenho e, a partir daí, implementar políticas. “Temos de entender a posição do Brasil no índice não só pensando onde foi mal, mas pelos países que foram bem. Como existem nações que melhoraram muito, elas subiram muito. Ao contrário, a nossa, que já foi modelo e líder em políticas internacionais, como na questão dos benefício de prestação continuada, agora não fez nada”, diagnostica. A gerontóloga conta que, no ano passado, a Noruega ficou em segundo lugar no ranking e identificou que havia problemas na área do ambiente social. “O país traçou políticas e melhorou. Já o Brasil ignorou o índice no ano passado”, afirma.
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Índice foi elaborado a partir de dados oficiais e entrevistas com idosos

Atenção precisa ser integral
“Esse estudo traz a abrangência do envelhecimento, e isso é espetacular. Há um estigma de associar o idoso sempre à doença, mas essa questão tem de abranger vários aspectos”, avalia João Bastos Freire Neto, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), que rejeita qualquer abordagem fragmentada da velhice. “É um equívoco pensar assim. A maior parte dessa população tem doenças crônicas, que são controladas. Eles exigem direitos como os de qualquer pessoa. A lazer, segurança, renda, transporte público e ambiente favorável”, enumera.

Freire Neto explica que nenhuma estratégia focada em apenas um aspecto fornece o atendimento integral a que o idoso tem direito. Por exemplo, um paciente hipertenso não pode ser tratado apenas com medicamento para pressão e aferições periódicas. “Tem que saber as condições em que ele vive, como se relaciona com a família, quais as suas fragilidades. A atenção precisa ser integral e completa, não só em relação aos aspectos da saúde, mas a todos os determinantes que influenciam nela, como renda e suporte social”, afirma.

Na avaliação do médico, o índice apresentado pela Universidade de Southampton e pela HelpAge International não retrata bem a situação da saúde brasileira. O país ficou relativamente bem nesse aspecto, ocupando a 43ª posição. “Pode parecer que o Brasil está bem, mas as estatísticas usadas consideram a expectativa de vida aos 60 anos, que é de 81 anos, e de vida saudável, além da percepção de bem-estar psicológico e mental”, observa. “Mas precisa-se ter cuidado porque esses indicadores não dão ideia do nível de qualidade da assistência ao idoso.”

Segundo Asghar Zaidi, pesquisador da Universidade de Southampton que liderou o desenvolvimento do índice, “as sociedades estão lentas para abraçar os aspectos positivos da longevidade e de ver as pessoas idosas como indivíduos que, nas circunstâncias certas, podem pagar o investimento feito neles, com o prolongamento de suas carreiras profissionais, assim como mais autossuficiência, saúde e uma vida independente”.

Caso essa lentidão continue, Freire Neto alerta que as contas públicas no Brasil não vão fechar. “Hoje, cerca de 13% da população brasileira é idosa, consumindo de um terço a um quarto dos recursos de saúde. Em 2050, serão mais de 60 milhões, demandando metade desses recursos. A gente pode consumir mais ou menos, dependendo de como estamos envelhecendo.”