Efeito Angelina Jolie: busca por testes sobre probabilidade de câncer de mama dobra no Reino Unido

Aumento ocorre depois que a atriz anunciou ter passado por uma dupla mastectomia. No Brasil, acesso aos exames é restrito devido ao alto custo

por Vilhena Soares 19/09/2014 10:06

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AFP PHOTO / CARL COURT
Angelina Jolie: para autores de estudo, a declaração da atriz teve efeito positivo para a saúde pública (foto: AFP PHOTO / CARL COURT )
Em maio do ano passado, a atriz norte-americana Angelina Jolie anunciou a realização de uma dupla mastectomia, cirurgia de retirada dos seios. A decisão pelo procedimento foi tomada após a descoberta de que a artista tem uma mutação no gene BRCA 1, o que, segundo médicos, trazia 87% de chances de ela desenvolver câncer de mama. A escolha de Jolie mereceu grande espaço na mídia e gerou diversos debates sobre a melhor forma de agir nesses casos. Agora, de acordo com um levantamento feito no Reino Unido, descobre-se que o episódio teve outro grande efeito: dobrar o número de mulheres que buscam esse tipo de aconselhamento e teste genético.


Publicada na revista Breast Cancer Research, a pesquisa considerou dados de 21 centros de saúde do Reino Unido — 12 clínicas especializadas em histórico médico da família e nove centros genéticos regionais. A análise mostrou que o crescimento de 100% na busca pelo serviço foi observado já nos meses seguintes ao anúncio (junho e julho de 2013). E a procura foi principalmente por mulheres que tinham histórico da doença na família, assim como a atriz.

“Sentimos que houve uma explosão de interesse. Houve a suspeita inicial de que o aumento poderia ter sido uma preocupação geral, mas nossa pesquisa constatou uma maior proporção de mulheres que estavam atrasadas para o teste, e não de pacientes que estavam chegando ou voltando mais cedo que o necessário ao consultório”, diz ao Correio Gareth Evans, pesquisador e professor do Centro de Prevenção Genesis Breast Câncer e um dos autores do estudo. O levantamento mostra ainda que o efeito Angelina Jolie também foi duradouro, já que o número maior de pedidos de exames se manteve entre agosto e outubro, também duas vezes maior que os feitos nos mesmo meses de 2012.

A mutação BRCA 1 é herdada pelos pais e está relacionada a aproximadamente 10% dos casos de câncer de mama. Mulheres que possuem essa mutação no gene têm entre 45% e 90% de chances de desenvolver a enfermidade em algum momento da vida. Após a divulgação do procedimento da celebridade americana, o sistema de saúde do Reino Unido anunciou uma orientação clínica para que as mulheres com casos do mal na família procurassem os centros especializados.

Para Evans, o fato de a atriz ser uma mulher muito admirada contribuiu para que mais mulheres fossem mobilizadas. “A declaração de Angelina Jolie teve um impacto maior do que anúncios de outras celebridades, possivelmente devido à sua imagem como uma mulher glamorosa e forte. Isso fez com que diminuíssem os temores das pacientes sobre a perda da identidade sexual pós-cirurgia preventiva e encorajou outras pessoas. No geral, a repercussão do caso gerou referências mais apropriadas e desmitificou os testes genéticos e a mastectomia para muitos”, destaca o autor.

Preço
O oncologista Andersom Silvestrini, do Hospital Santa Luzia, faz uma avaliação semelhante. “Uma pessoa pública, ao passar por uma situação dessas, estimula as pessoas a pensarem que isso também pode acontecer com elas, o que as estimula a investigar se também possuem esse risco e qual é a melhor forma de prevenir a doença”, observa o médico, que não participou do estudo.

Silvestrini, porém, não acha que um aumento semelhante tenha ocorrido no Brasil porque, aqui, esses testes são caros. “A maioria deles não está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) nem nos convênios. Outro problema é que esses exames no Brasil só podem ser feitos por geneticistas, especialidade com poucos profissionais no país. O ideal seria que os oncologistas também pudessem fazer esse exame”, opina.

Segundo Maira Caleffi, mastologista e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), o que se observa no Brasil é uma busca cada vez maior pela detecção precoce da doença. A médica, entretanto, diz que é preciso tomar cuidado com o grande alarde quanto à doença. “É algo que temos notado até mesmo um pouco antes do caso de Angelina Jolie. As mulheres buscam um diagnóstico precoce na tentativa de passar pelo problema sem sofrer uma mutilação. Mas é preciso ter cuidado, para que não leve a um exagero e acabe aumentando os custos com relação à atenção à saúde do câncer de mama”, destaca a especialista.

A especialista lembra que o custo desses exames varia entre R$ 6 mil a R$ 10 mil em clínicas particulares. “E não podemos deixar de destacar o aconselhamento genético, consulta na qual é possível calcular inicialmente os riscos de se ter a doença para que, a partir desse ponto, a pessoa decida se quer fazer o teste”, explica a especialista.

O trabalho dos pesquisadores do Reino Unido terá continuidade com a análise da procura pelos exames após outubro do ano passado. “Vamos avaliar o impacto em 12 meses e quantos pacientes passaram também pelas cirurgias”, adianta Gareth Evans. O pesquisador diz ainda que, apesar de considerar o aumento na procura por aconselhamento positivo, ainda deve ser feito um amplo trabalho de conscientização sobre o câncer de mama, que inclui a orientação sobre as alternativas à retirada preventiva dos seios. “É claro que, em alguns casos, isso pode significar uma mastectomia redutora de risco, no entanto o tratamento pelo uso do medicamento tamoxifeno e algumas mudanças de estilo de vida, como uma dieta saudável e mais exercícios, também são opções que muitas mulheres devem considerar”, afirma.

Pedido médico
O teste é realizado somente com solicitação médica após uma entrevista detalhada sobre o histórico do paciente — consulta que recebe o nome de aconselhamento genético. O exame é feito a partir de uma coleta de sangue, que permite a construção do heredograma (árvore genealógica) do paciente e mostra de três a quatro gerações do histórico genético da doença na família.