Conheça histórias de quem cresceu em momentos de dificuldade

A relações públicas que segue em frente depois de encarar uma sequência de perdas. O educador físico que encontra força para a vida no esporte e a psicóloga que traça as marcas do resiliente

por Lilian Monteiro 28/08/2014 15:31

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Imagina uma vida feliz com pais presentes, casamento em sintonia, filhos saudáveis e emprego dos sonhos. De repente, tudo isso desmorona. Na mesma velocidade de uma montanha russa, a vida de Laura Barreto, bisneta de Abílio Barreto e integrante da quarta geração de belo-horizontinos, perdeu o chão. Mas ela jamais perdeu o rumo. Primeiro, ela conviveu com a mãe, Maria Letícia Barreto, lutando 13 anos contra um câncer. Na missa de sétimo dia, não pôde comparecer porque estava no hospital com a filha, Helena, de 5 meses, passando por uma grave cirurgia de intestino. Um ano depois, terminava o casamento. E, em seguida, fechava a empresa de telecomunicações, da qual era sócia, porque o negócio deixou de ser rentável. Para muitos, tantos obstáculos em sequência seriam justificativa para desistir, jogar a toalha, mergulhar no desânimo. Não para Laura.

Euler Júnior/EM/D.A Press
Laura Barreto acredita que a postura que mantém diante da vida vem do exemplo dos pais (foto: Euler Júnior/EM/D.A Press)
Não é à toa que o ser humano cresce nos momentos de dificuldade. Enfrentar desafios é testar os limites, e só conseguem ultrapassá-los, com menos sofrimento, os resilientes. São pessoas que não assumem papel de vítima, cultivam o pensamento otimista e sabem que a vida é uma gangorra. “Num primeiro momento, busquei ajuda. Fiz terapia, voltei para a casa do meu pai, pedi auxílio a uma tia, que não deu, precisei dar um passo para trás para seguir em frente.” Ela conta que, quando a mãe morria, bem debilitada, precisou ficar ainda mais ao lado dela. “Passei a escrever sobre o que sentia para me aliviar, era como conseguia amenizar a minha cabeça.” O exemplo veio da mãe. “Ela nunca entregou os pontos, manteve o bom humor, era psicóloga e socióloga, escritora, escreveu um livro sobre sua luta contra o câncer, e como tinha consciência da morte, tanto ela se preparou, como a família. Acho que meu comportamento diante da vida vem dos meus pais. Eles me ensinaram que a vida é passar aperto, e ao se ver numa situação caótica, a opção é ser forte ou ser forte, não há outra saída.”

Além de Helena, Laura é mãe de Isabella e reforça que sua missão é “ser exemplo para minhas filhas. Não posso quebrar. Até dobro, mas não deixo quebrar”. Hoje com 44 anos, ela lembra que aos 38 estava com duas crianças pequenas, sem mãe, separada e desempregada. “Percebi que precisava viver dentro das minhas condições e aceitar as dificuldades. Não ter vergonha da minha realidade e ser feliz. Dou outro valor à vida sem perder o foco e a ambição. Quero voltar à minha antiga vida. E nunca perco a esperança.”

ESPERANÇA
A resiliência é um traço que aflora diante de tragédias, mas que surge diante do envelhecimento ou na troca de emprego. Mas a psicóloga e psicoterapeuta de família Cláudia Prates lembra que tudo na vida tem duas faces. Assim, o resiliente é quem tem a capacidade de passar aperto, estresse e traumas sem perder a esperança, continuar acreditando na vida e ser capaz de amar. E por outro lado, ela ensina que é frequente o uso dessa capacidade de superação diante de grandes impactos, mas de entrega dos pontos em situações menores. Não é regra geral, mas acontece. Ao se deparar com mudanças menores, a pessoa se vê em dificuldade. “Aguenta perder um filho, mas não consegue parar de fumar.”

Laura Barreto lembra que o ato de escrever foi outra ferramenta que a equilibrou diante dos obstáculos. “Foi libertador. Fez bem para mim porque vi que não estava sozinha. E para outras pessoas também, já que, ao criar o blog (www.ociodooficio.com.br) publiquei 1.024 textos e tive cerca de 1.500 acessos únicos/dia. Se tornou um hobby, faço por puro prazer. Sigo em frente, feliz, animada, apesar de um amigo me chamar de mulher ‘macha’, aquela que abre sozinha o vidro de palmito. Se me vejo para baixo, procuro artifícios para me pôr para cima. Adoro correr, assim como ler e brincar com as meninas. Se estou triste, nada de música deprê, mas animada. E acho fundamental me afastar das pessoas complicadas e conviver só com as do bem.”

Cláudia Prates explica que somos feitos de quatro níveis: material (biológico), emocional, mental e espiritual. “Todos os estágios contribuem para ser resiliente. Temos o DNA biológico (hereditário) e o DNA emocional, que vem da tradição da família, dos exemplos de conduta. O mental são registros armazenados e o espiritual tem a ver com a fé, elemento fundamental na vida. Fé em Deus ou em algo superior.” A psicóloga destaca que o resiliente é o que “transforma a pessoa em bambu, e não em cedro, porque na tempestade, o bambu se curva e retorna à posição original, já o cedro racha. O resiliente tem a capacidade de ser flexível”. Ela chama a atenção para outra imagem: “A capacidade de ser fênix. São pessoas que têm capacidade otimista da vida, são esperançosas e têm o gene da resiliência de forma possante”.

A psicóloga avisa que o resiliente aguenta “muito tranco, consegue ser feliz e se afasta da cultura de mártires da nossa história. Os mártires são inesquecíveis, olham demais para trás. O resiliente olha para frente, para o futuro, e tem projetos. Não precisamos de mártires, podemos nos dar bem sendo felizes diante de Deus”. Mas ela avisa ao resiliente: “Só um alerta: com a capacidade de retomar às formas originais, ele precisa ficar atento quando quer fazer mudança de forma original disfuncional”.