Psicanalista exalta o valor da superação de determinadas pessoas e destaca o papel dos pais nessa construção

A resiliência pode ser traduzida como capacidade de resistência

por Lilian Monteiro 28/08/2014 15:32

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O termo é novo, já o significado é estudado e utilizado na psicologia há três décadas. Resiliência pode ser traduzida como capacidade de resistência. A denominação mais recente ganhou popularidade depois da queda das torres gêmeas, no 11 de setembro de 2001, com a distribuição de cartilhas estimulando a superação da tragédia pela população dos EUA. A psicanalista Inez Lemos enfatiza que o conceito não é da psicanálise, mas a reflexão a respeito chama a atenção por ser entendida como a capacidade de superação diante das adversidades.

Futura psicóloga, Thaís Robatine, de 18 anos, não sabe o que é desistir
Inez explica que a maneira como a psicanálise entende pessoas com maior capacidade para superar situações traumáticas de outras menos capazes de resistir às agruras da vida está fundamentada na educação recebida dos pais. “Quem foi educado para suportar e dar conta das frustrações é resiliente. O trânsito parado, o assaltante que leva o iPad, o dia que começa com uma torção no pé e um mês de gesso… A vida nos frustra o tempo todo e não tem como chorar o tempo inteiro. Todos nós somos surpreendidos com momentos desagradáveis, e pais desavisados se esquecem de que a criança precisa ser educada na frustração. Ela tem de aprender a dar conta da falta, da incompletude, a vida não é completa. É possível educar para a resiliência. A pessoa não nasce resiliente, aprende a ser.”

Para a psicanalista, a incapacidade de não suportar a frustração numa sociedade de consumo só cria problemas. Ela alerta que é preciso dizer “não” e fazer com que as crianças enfrentem limites. Inez afirma que a função paterna e materna é não afrouxar. E, se preciso, interditar o desejo. Criar uma situação só para dizer não ao filho. Ela ensina que quem aprende com o aperto encara o mundo adverso, “não vai temer as mudanças nem os desafios”. Inez deixa claro que uma coisa é não se preparar para a dificuldade da vida; outra é a pessoa psiquicamente saudável, que tem capacidade de adaptação, trabalhar as frustrações com humor. “E não é por agir assim que ela é boba, submissa ou alienada. Nada disso. É a sabedoria de avaliar a situação e colocar no cesto das perdas o que não vale a pena e jogar fora. Esquecer e seguir em frente sem remoer. Se não fizer isso, não terá capacidade de ser resiliente. E se não foi educada para isso, pode aprender na análise, que ensina a pessoa a aceitar as frustrações.”

LUTADORA Aliás, lidar com as frustrações é competência da estudante de psicologia Thaís Robatine, de 18 anos. Ela aprendeu a tirar de letra. Diagnosticada com transtorno obsessivo compulsivo (TOC) aos 13, passou por psicólogos e psiquiatras que usaram métodos ineficientes para resolver seu problema. “A ansiedade e a frustração da prisão mental que vivia me fizeram desencadear a bipolaridade e a hiperatividade. Cheguei a tomar oito remédios tarja-preta por dia, sem nenhum resultado. Mas sempre tive vontade de vencer e nunca desisti.”

Thaís revela que muitas vezes se anulava, “era discreta para que as pessoas ao meu redor não sofressem como eu sofria. Mas minha família e amigos sempre estiveram ao meu lado. Fazia aulas de violão e dança, que me davam tanto prazer, que tive de abandoná-las.” Ela conta que o grande passo da sua vitória veio com um treinamento de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal aplicado com as técnicas de programação neurolinguística (PNL).

A estudante encarou o treinamento com uma sede enorme de melhora. “Aprendi a ser mais forte porque passei a me conhecer. Libertei-me da prisão, assumi o controle da mente e da vida. Percebi que a força estava em mim.” Thaís ressalta que só teve resultado porque “busquei e senti que Deus me abençoava e fortaleci a minha fé. Cultivo o pensamento positivo e tenho força para blindar o negativo. Não desanimo diante dos obstáculos”.

Em outra fase, feliz, Thaís deixou a casa dos pais, em Lagoa da Prata, se mudou para Belo Horizonte e, sozinha, segue seu caminho. “Passei no vestibular, optei pela psicologia para usá-la a meu favor e ajudar as pessoas. Há três anos não tomo remédio nenhum e não vou a psiquiatra ou psicólogo. Aprendi que se algo nos confronta, temos de desafiá-lo porque quanto mais nos achamos fortes, mais fortes seremos e podemos ser. Tudo na vida depende do foco que colocamos, positivo ou negativo. Essa é uma prática diária. A vida tem coisas boas e ruins e, com apoio de quem amamos, superamos qualquer problema. Sofri, mas nunca sozinha, o que me deixou mais forte. Acredito que a resiliência me fez superar e evoluir.”

AUTORREGULAÇÃO
O pesquisador Marco Fábio Coghi, especialista em biofeedback, ferramenta terapêutica que fornece informações com a finalidade de permitir aos indivíduos desenvolver a capacidade de autorregulação, diz que, “no dia a dia, a resiliência significa a capacidade de a pessoa de passar por situações críticas e se recuperar, sem se deprimir ou reduzir sua produtividade. É ter bagagem emocional adequada para ver a situação de forma mais otimista e enxergar as pessoas não como ameaça, mas como indivíduos que vieram para somar, contribuir e ajudar. É aquele que equilibra as ações comandadas pelo lobo frontal com o emocional”.

Para Marco Fábio, o ser resiliente adoece menos, toma decisões mais acertadas, assume riscos controlados, trabalha melhor em equipe e consegue assumir mais responsabilidade. “Por ter maior equilíbrio emocional, consegue usar suas habilidades e interagir de forma mais amigável com as pessoas. E apesar de parecer características inatas, ele diz que estudos mostram que a resiliência pode ser treinada.

Núcleos de resiliência

O Hospital das Clínicas de São Paulo criou em 2005 grupos de resiliência para pessoas que buscam encontrar um jeito de enfrentar os obstáculos do dia a dia com menos sofrimento. É o Núcleo de Resiliência do Hospital-Dia-Adultos do Instituto de Psiquiatria, fundado e coordenado pelo professor-doutor Elko Perissinotti. O psiquiatra ministra treinamentos semanais de resiliência a pacientes com síndrome do pânico, transtorno bipolar, fobia social, esquizofrenia, transtornos obsessivos compulsivos (TOC), enfim, a praticamente todas as doenças psiquiátricas. “Não é psicoterapia, mas um treinamento dentro dos padrões dos recursos derivados do psicodrama. Dramatizamos situações, com temas propostos pelos pacientes, para que possam vivenciar e experimentar possibilidades que poderão enfrentar melhor na vida diária: briga na família, discussão no metrô etc.”

Elko Perissinotti enfatiza que a resiliência “se aprende treinando. O paciente treina se vai tomar uma atitude de embate ou deixar para lá ao se deparar com determinada situação. Ele tem a capacidade de avaliar com rapidez as vantagens e desvantagens de enfrentar ou bater em retirada”. Ele explica que o resiliente lida com as manipulações do outro, que pode ser por meio do choro ou do grito. Ele identifica e, treinado, define o que é melhor para ele. Mas tudo com respeito e dentro do limite. É um autoaprendizado. O psiquiatra ressalta que o resiliente suporta frustrações e as diferenças interpessoais. Desenvolvem essa habilidade. Mas todos nós temos essa capacidade.

A proposta do Núcleo do Hospital das Clínicas é ajudar quem precisa a se machucar menos diante das agruras da vida. “Longe de ser um idiota, um inocente ou um dócil carneirinho, a pessoa resiliente é, isto sim, uma grande estrategista num gigantesco jogo de xadrez. Sabe reconhecer com rapidez e perspicácia o momento certo da luta ou da fuga (e isso nada mais é que autopreservação. Portanto, sabedoria em evitar danos graves à sua vida)”, encerra Elko Perissinotti . Vale dizer que há núcleos de resiliência nos EUA, Canadá, França, Alemanha e Noruega.

Euler Júnior/EM/D.A Press
Renato Silva, educador físico (foto: Euler Júnior/EM/D.A Press)

Superação de desafios
“A rotina da vida é desafiadora, nasci para ganhar o meu dia a dia e construí tudo que sou e tenho. Autônomo, lido com uma longa batalha longa desde os 16 anos. Trabalhava numa academia de natação e viajava todo dia para Itaúna para estudar. Em vários momentos a minha vida saiu do eixo, mas se você tem um objetivo vai dar conta. Assim que formei, o lugar onde trabalhava fechou. O estágio, um salário melhor, tudo que planejei para a carreira se perdeu. Comecei tudo de novo. Regredi e trabalhei demais, 12, 14 horas diárias. Superei muitos desafios no percurso, precisei mudar de caminho sem abrir mão do objetivo de vencer. Faço ironman (prova de 42 quilômetros de maratona, 3,8 de natação e 180 de bike) que me ensinou a ter flexibilidade. Acredito que ser resiliente é um conjunto de coisas que o esporte me ensina e levo para a vida: chegar ao limite, tentar ir mais um pouco e saber que, às vezes, dá certo, outras não. E, claro, os ensinamentos da família. Saber que todos têm as mesmas condições na vida, ainda que a trajetória de uns possa ser mais difícil do que a de outros. O paralelo com o ironman é que a linha de chegada está lá para todos, os desafios ocorrem, o caminho é longo e o cansaço certo. O importante é assimilar isso tudo, conviver com os pontos negativos, mas sempre valorizar os positivos. A vida é difícil, mas a questão não é essa, e sim saber como superar as barreiras e seguir em frente.” - Renato Silva , educador físico