Nova droga cura doença similar ao ebola

Medicamento eliminou o vírus marburg em macacos que apresentavam os primeiros sintomas de febre hemorrágica grave. O patógeno também contamina humanos e mata até 88% dos infectados

por Bruna Sensêve 21/08/2014 11:00

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AFP PHOTO
Agentes de saúde de Guiné trabalham para conter o vírus que já matou 1.350 pessoas (foto: AFP PHOTO)
O vírus ebola e seu potencial letal não estão isolados. Com ele e ocorrendo de uma forma não epidêmica, está um primo próximo, o vírus marburg. Ele pertence à mesma família de micro-organismos de filovírus; também causa febre hemorrágica grave, muitas vezes fatal; e não há vacinas ou medicamentos aprovados contra a infecção devastadora. A violenta força dos dois patógenos, porém, os torna mais vulneráveis. Isso porque é possível atingir o ebola por meio das pesquisas com o marburg. Uma das drogas mais proeminentes nessa direção acaba de avançar mais alguns passos, com resultados surpreendentes.

Dezesseis animais infectados com o marburg foram tratados com o novo medicamento e todos se curaram. Mas o diferencial do trabalho liderado por Thomas Geisbert, da Universidade do Texas (EUA), é que as cobaias conseguiram se recuperar iniciando o tratamento em até três dias após a infecção, quando os sintomas da doença já tinham aparecido. Até então, estudos anteriores em primatas não humanos estavam limitados ao tratamento imediatamente após a exposição. O trabalho foi detalhado em artigo publicado nesta quinta-feira na revista Science Translational Medicine.

Nos últimos cinco a 10 anos, houve um enorme progresso no desenvolvimento de vacinas e tratamentos que podem proteger animais de laboratório contra os vírus ebola e marburg. Especialmente no que diz respeito aos tratamentos pós-exposição, até o trabalho do Texas, a maioria dos estudos avaliou intervenções em tempos muito curtos, antes mesmo de os animais apresentarem níveis detectáveis de vírus no sangue. “O objetivo do nosso trabalho foi avaliar um tratamento promissor no início da doença clínica, quando a evidência de infecção é clara pela primeira vez”, diferencia Geisbert.

Para o tratamento dos macacos em laboratório, os autores utilizaram moléculas de RNA interferente pequeno (siRNA), o que bloqueia a replicação do vírus marburg. Os pequenos RNAs foram encapsulados em nanopartículas lipídicas para ajudar na entrega terapêutica diretamente nas células-alvo. Geisbert conta também que a estratégia de siRNA foi empregada para atingir as regiões conservadas de um número de diferentes genes do vírus marburg a fim de desenvolver um tratamento que proporcionasse uma proteção ampla contra não apenas uma, mas todas as estirpes do patógeno.

Ação abrangente

No trabalho divulgado hoje, a equipe optou por focar a ação no subtipo angola do vírus. Isso porque ele tem sido associado a maiores taxas de letalidade. Chegou a causar a morte de 90% do homens infectados no maior surto de marburg, em 2005, na Angola. Além disso, essa estirpe do vírus causa uma progressão muito rápida da doença em macacos rhesus, os usados na pesquisa norte-americana. Geisbert acredita que existem duas conclusões importantes do trabalho.

Valdo Virgo / CB / DA Press
Clique para ampliar e entender a pesquisa (foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
“Em primeiro lugar, demonstrar a capacidade de proteger completamente primatas não humanos contra a infecção letal pelo marburg-Angola, mesmo quando o tratamento é adiado até o terceiro dia, no momento em que podemos detectar a viremia (presença do vírus no sangue circulante) no início da doença, mostrando utilidade real dessa tecnologia.” Ele acrescenta que é importante ressaltar também que os siRNAs foram projetados para proteger contra todas as cepas conhecidas do vírus marburg, o que significa que a abordagem tem amplo potencial de ação. “Em relação aos próximos passos, vamos olhar para ver como, muito mais longe, podemos atrasar o tratamento tanto nesse modelo de febre hemorrágica marburg quanto na febre hemorrágica ebola.”

Frequência menor
Chefe do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Crispim Cerutti Júnior explica que, em termos de sintomas da doença, praticamente não existe diferença entre o ebola e o marburg, pois ambos levam a uma febre hemorrágica grave. O marburg, porém, não ocorre de maneira epidemiológica e a frequência de casos é muito menor.

“Os pesquisadores tendem a trabalhar no ebola com uma combinação de anticorpos monoclonais, produzidos em laboratório com especificidade muito grande para as moléculas da superfície do micro-organismo que desafiam o sistema imune do indivíduo”, compara. Com anticorpos produzidos para agir em locais específicos, as principais iniciativas de tratamento conseguem neutralizar a ação do patógeno, explica o especialista.

Assim como a droga produzida agora com siRNA, os medicamentos voltados para o tratamento do ebola são muito experimentais. “A Organização Mundial da Saúde propôs o uso dessa medicação para ebola em seres humanos, mas é uma etapa precoce demais. Não sabemos exatamente qual a dimensão dos efeitos adversos que poderiam prover daí e houve uma certa relutância em continuar com essa proposta”, disse, em referência à decisão da OMS, anunciada no último dia 12, aprovando o uso de drogas experimentais para conter o surto do ebola na África.

Por ser testada apenas em macacos, a droga contra o marburg talvez esteja mais distante da aplicação em humanos, ainda que a relação de contágio seja a mesma, pelo contato com secreções e excreções. Porém, todas as propostas de uso de uma medicação experimental devem ser medidas na situação de campo, segundo Cerutti, pois é uma questão de risco-benefício muito delicada. “O problema dessas doenças é que a letalidade é altíssima. Onde tem 80% das pessoas acometidas com a doença morrendo, qualquer risco que elas corram é muito melhor que uma morte quase certa.”

Ele afirma que pular etapas do ponto de vista ético é questionável, mas pode ser admissível quando a quantidade de pessoas acometidas é muito grande. “Em outros casos menores, temos que pesar o risco de expor as pessoas a eventos adversos de uma droga experimental. É uma margem de risco maior que se corre em busca de um benefício quando não há outra alternativa.”


Até 30 mil infectados precisam de remédio
Até 30 mil pessoas poderiam ter exigido drogas experimentais e vacinas para se proteger contra o surto de ebola que atinge a África Ocidental desde dezembro. A estimativa é do epidemiologista Oliver Brady, da Universidade de Oxford (Reino Unido), publicada hoje na revista científica Nature.

Brady reuniu dados disponíveis para estimar quantas doses de medicamentos experimentais seriam necessárias, identificando grupos de risco-chave que necessitam de ajuda e olhando para os níveis prováveis de exposição. Como conclusão, o especialista afirma que a demanda por medicamentos para o tratamento de pessoas com a doença e proteção de quem está sob risco de contaminação é, provavelmente, maior do que a maioria dos especialistas perceberam.

Ele adverte que tanto a produção quanto a distribuição das drogas devem ser ampliadas para permitir equitativa implantação de intervenções para tratamento e prevenção. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, de 17 a 18 de agosto, foram registrados de 221 novos casos, entre confirmados laboratorialmente, prováveis e suspeitos, e a morte de 106 pessoas em Guiné, Libéria, Nigéria e Serra Leoa. Desde o início da epidemia, em dezembro, a doença causou 1.350 óbitos.

Os dados da entidade alertam para uma continuidade da epidemia que se agrava. Empresas têm tomado a decisão de suspender os serviços para os países afetados, incluindo companhias aéreas e de navegação. Segundo a agência France-Presse, parte da tripulação da Air France se negou a voar para as nações atingidas pelo vírus letal. Guiné, Serra Leoa e Nigéria foram classificadas como destinos de risco pelo Comitê de Higiene, Segurança e Condições de trabalho (CHSCT) da Air France.

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Descoberto na Alemanha
O vírus marburg foi descrito, pela primeira vez, na cidade de Marburgo, na Alemanha. Por isso o nome da doença. No fim da década de 1960, ocorreu uma infecção de trabalhadores de laboratório que pesquisavam vacinas utilizando macacos. Entre as cobaias, estava um pequeno grupo de macacos verdes de Uganda infectados. Consequentemente, os profissionais acabaram contraindo o vírus. Houve tentativas de descobrir de onde provinha o micro-organismo porque havia a certeza de que os bichos eram apenas transportadores do patógeno. As investidas, porém, não tiveram sucesso. Com maiores investigações sobre o ebola, porém, cientistas começaram a traçar a origem do marburg com morcegos que habitam o interior de cavernas. Em 2008, dois casos independentes foram relatados em viajantes que visitaram uma caverna habitada por colônias de morcegos Rousettus, em Uganda.