Experiências antes da gravidez influenciam tanto na gestação quanto em comportamento e saúde dos filhos

A receita do comportamento biológico e mental de uma criança inclui ingredientes que não podem apenas ser rastreados em exames de DNA

por Isabela de Oliveira 20/08/2014 14:30

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Valdo Virgo / CB / DA Press
Um dos casos que ilustra a situação é o do bebê cuja mãe consumia pouca proteína durante a concepção. Além de ser muito ansioso, ele tende a ter pressão alta e a ganhar peso rapidamente (foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
Uma série de estudos independentes publicados na última sexta-feira na revista Science demonstra que os filhos não são apenas a soma do genoma dos pais. Na realidade, a receita do comportamento biológico e mental de uma criança inclui ingredientes que não podem apenas ser rastreados em exames de DNA. Experiências que os genitores tiveram antes mesmo da concepção, além de programar a trajetória de desenvolvimento do embrião e do feto, afetam fisicamente a saúde e o comportamento da criança ao longo da vida.

A pesquisadora Sarah Robertson, da Universidade de Adelaide, na Austrália, descreve, em um artigo de revisão, que óvulos e espermatozoides transferem o material genético dos pais e também deixam um legado de informações adicionais que reflete as exposições e as experiências vividas por eles. Nos últimos estágios dos gametas, existe um processo, chamado impressão genômica, que basicamente consiste na regulação de determinados grupos de genes que moldam a personalidade do bebê.

Em outras palavras, a impressão genômica funciona como um arquivo relevante da história dos pais que influencia o desenvolvimento da mente e do corpo do filho. Os fluídos que cercam o embrião, por exemplo, funcionam como um microcosmo que reflete o mundo exterior. Portanto, características nutricionais, metabólicas e inflamatórias da mãe têm capacidade de gerar uma trajetória de desenvolvimento embrionário adaptada ao ambiente externo.

Apesar de boa, essa estratégia nem sempre é garantia de sobrevivência. Um dos casos que ilustra a situação é o do bebê cuja mãe consumia pouca proteína durante a concepção. Além de ser muito ansioso, ele tende a ter pressão alta e a ganhar peso rapidamente. “Se o fenótipo resultante for uma combinação pobre para as condições após o nascimento ou se a adaptação não for eficiente para suportar os desafios posteriores, os descendentes estão em risco”, diz Robertson.

Comportamentos paternos também exercem influência duradoura. Já é bem conhecido que o tabagismo, a idade e a exposição a substâncias químicas relacionados ao pai aumentam o risco de os filhos dele desenvolverem cânceres e distúrbios neurológicos ainda na infância. Uma informação apresentada recentemente é que a massa corporal do genitor tem mais impacto do que a da mãe na gordura corporal e nas taxas metabólicas das crianças quando elas atingem a pré-adolescência.

Comportamentos
Atualmente, o interesse nas contribuições epigenéticas entre gerações é grande. Estudos epidemiológicos em humanos encontraram relações inesperadas, como o fato de a disponibilidade de alimentos do avô esta associada à mortalidade dos netos, e o de o tabagismo paterno desencadear a obesidade principalmente entre meninos. Em ratos, estudos mostraram que desequilíbrios nutricionais dos pais aumentam as chances de os filhotes fêmeas sofrerem com a saúde metabólica desregulada.

Há ainda evidências de que experiências de vida mais subjetivas possam moldar o comportamento dos ratinhos. Machos condicionados para responder a um odor específico que estimulava o medo tiveram crias que herdam a mesma reação ao cheiro. Efeitos similares foram observados em filhotes cujos pais passaram pelo estresse da separação materna quando jovens. “Esses estudos intrigantes elevam a perspectiva de que existem especificidades na transmissão de características adquiridas ao longo da vida. Até o momento, nenhum mecanismo biológico plausível surgiu para explicar isso”, reforça Robertson.

SXC.HU
A série de artigos publicada na Science também discute o comportamento dos pais em relação aos filhos (foto: SXC.HU)
“Em última análise, uma vez que as vias forem definidas e priorizadas de acordo com a importância para a saúde, será possível definir como os futuros pais poderão atenuar as suas escolhas de estilo de vida e adotar intervenções para proteger as crianças dos efeitos adversos”. A ciência já provou que doenças que parecem apenas comportamentais, como a depressão, também podem ser herdadas (inclusive geneticamente). Nesse sentido, a depressão pós-parto tem papel fundamental: os primeiros sintomas aparecem durante a gestação e influenciam o aparecimento da enfermidade no filho.

Agressividade muda com a gestação
A série de artigos publicada na Science também discute o comportamento dos pais em relação aos filhos. Uma grande variedade de atitudes tem sido descrita em animais de vários gêneros e espécies levantando questões fascinantes sobre como eles — incluindo os humanos— identificam suas crias e como os circuitos cerebrais conduzem e moldam essas condutas entre machos e fêmeas. Um dos pontos centrais é o comportamento agressivo de pais mamíferos em relação aos filhotes.

A violência é comum entre ratos machos, especialmente os virgens. As fêmeas que nunca tiveram filhotes chegam até a assassinar recém-nascidos. O engraçado é que esses comportamentos mudam quando esses animais se tornam pais. A partir disso, passam a cuidar de todos os filhotes, independentemente do gênero.

Catherine Dulac, pesquisadora da Universidade de Harvard (EUA), especula que circuitos neurais existentes em todas as espécies regulam as interações dos pais com seus descendentes. Notavelmente, o comportamento natural dos adultos com as crianças emerge quando alguns sistemas neurais são desligados e outro ligados. No caso dos ratos, esse sistema é a área tegmental ventral (VTA), um dos principais mecanismos envolvidos na respostas de recompensa e aprendizagem.

“Estudos futuros devem explorar a diversidade natural dos sistemas parentais para obter insights sobre as engrenagens que regulam o comportamento dos pais em contextos fisiológica e ecologicamente relevantes. Esses resultados podem lançar uma nova luz sobre a complexidade do comportamento parental humano e a relação dele para a doença mental”, acredita Dulac.

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Depressão como herança

“Mulheres com histórico de episódios de depressão no passado ou durante a gravidez estão mais propensas a desenvolver esse transtorno. Alguns fatores antes do momento do parto podem contribuir também para o aparecimento do problema, como a gravidez não desejada ou não planejada, o estresse ao longo da gestação e as rupturas afetivas . Além disso, uma criança que tem a mãe depressiva tem maiores chances de desenvolver alterações emocionais e também a depressão, pois existem fatores genéticos envolvidos na causa da doença. Contudo, isso não quer dizer que todos os filhos de mães que tiveram depressão pós-parto terão depressão ao longo da vida.”
Flávia Freitas, psicóloga e hipnoterapeuta