Em 2033, doenças crônicas não transmissíveis vão causar ainda mais mortes

Dados do projeto Saúde Amanhã da Fiocruz mostram que, no futuro, as pessoas morrerão ainda mais por causa de diabetes, câncer e hipertensão

por Julia Chaib 14/08/2014 11:00

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A mudança de hábitos e o envelhecimento da população brasileira representam novos desafios ao sistema de saúde. Dados de um estudo obtido pelo Correio, elaborado para o projeto Saúde Amanhã, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), atestam uma tendência para daqui a 20 anos: doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, câncer e hipertensão, ganharão um peso ainda maior em relação a outras. Essas enfermidades representam boa parte do cenário epidemiológico atual, mas a projeção para 2033 é que se sobressaiam mais em relação às infecciosas parasitárias, como as diarreias. A pesquisa mostra que a taxa de mortes a cada 100 mil habitantes por isquemias, a exemplo do infarto do miocárdio, deve crescer em 52%. O mesmo deve ocorrer com o diabetes, com aumento do índice de óbitos em 58,2%.

Gustavo Moreno/CB/D.A Press
Desde que precisou ser internado por causa do diabetes, Eurípedes Barreto, 67 anos, mudou os hábitos de vida (foto: Gustavo Moreno/CB/D.A Press)
O levantamento elaborado pelo professor doutor em epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB) Walter Massa Ramalho e pelo secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, será um capítulo do livro Brasil Saúde Amanhã: ensaios de prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro, previsto para novembro. O estudo não traz detalhes sobre a incidência das doenças, mas das taxas de mortalidade a cada 100 mil habitantes. As estimativas foram elaboradas com estatísticas baseadas no Sistema de Informatização de Mortalidade (SIM) e com a projeção da população para os próximos 20 anos. Os últimos números consolidados do índice de óbitos é de 2011, por isso, eles foram usados como ponto de partida para os cenários de 2033.

Ramalho explica que a transição do cenário epidemiológico de hoje está totalmente associada ao envelhecimento da população. Por isso, podem prevalecer as doenças crônicas não transmissíveis, que recebem essa classificação por terem sintomas prolongados. “Sabemos que as pessoas, em determinado momento, adoeciam das doenças infecciosas e parasitárias, tipicamente de crianças e adolescentes. Mas, agora, a gente passa a ter um maior acúmulo das doenças crônicas degenerativas”, explica. Um estudo publicado em 2006 na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde mostrou que os gastos com as doenças crônicas chegaram a R$ 7,56 bilhões no ano anterior.

As infecciosas eram responsáveis por 11% das mortes no Brasil em 1980. Em 2033, a projeção é que representem apenas 3%. Walter Ramalho ressalva, entretanto, que trata-se de um cenário inicial, mas que pode ser transformado por mudanças inesperadas, como a chegada de um novo vírus no Brasil ou a descoberta de curas. “São coisas que a gente não pode prever: problemas que podemos vivenciar, por exemplo, o ebola, na África, e a febre chikungunya.”

Desafio
Projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que a quantidade de pessoas acima de 65 anos vai praticamente quadruplicar até 2060. De acordo com o censo, a população com essa faixa etária é de 14,9 milhões de pessoas (7,4% do total) e chegará a 58,4 milhões (26,7%). A expectativa média de vida do brasileiro deve aumentar dos atuais 75 anos para 81. A projeção para 2033 é de que o Alzheimer, outras demências e as doenças respiratórias inferiores (pneumonia) cresçam 165% e 118,4%, respectivamente. “O idoso é muito sensível para determinadas doenças. Quando teve uma onda de calor na Europa, uma série de idosos veio a óbito por causa da mudança de clima”, conta.

A presidente do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), Ana Maria Costa, avalia que a dificuldade agora é aumentar o cuidado com o idoso. “Hoje, a expectativa de vida é muito maior em relação há 20 anos. A tendência é ampliar mais ainda, o que acarretará uma necessidade urgente de o país se programar quanto ao sistema de saúde, já que o perfil epidemiológico muda”, diz. Ana e Ramalho ressaltam que é preciso voltar os olhos às políticas de promoção da saúde, à atenção básica e aos cuidados com o diabetes e a hipertensão. Para isso, segundo eles, será necessário aumentar a formação de profissionais.

O câncer, embora deva apresentar uma redução da taxa de mortalidade de 91,3 a cada 100 mil habitantes para 85,4 pela mesma parcela da população em 2033, ainda será responsável por 20% dos óbitos. A taxa de mortalidade por diabetes e hipertensão, ambas de cerca de 30 óbitos por grupo de 100 mil pessoas, aumentará mais de 50% cada uma. Segundo a última pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), 7,4% da população (cerca de 11 milhões) se declara diabética. A doença está associada ao sobrepeso, que acomete mais de 51% das pessoas. Já um quarto dos brasileiros adultos, 24,3% dos habitantes, sofre de pressão alta.

Mudança
Faz 14 anos que o militar aposentado Eurípedes José Barreto, 67 anos, mudou os hábitos. Ao menos três vezes por semana ele vai à Associação do Idoso, em Taguatinga, onde faz ginástica localizada e dança. Exercício que ele concilia com uma alimentação balanceada, com pouca gordura, mais frutas e menos bebidas alcoólicas. A rotina de Barreto nem sempre foi assim. A vida dele mudou quando descobriu que estava hipertenso e com diabetes. “Nunca senti nada. Então, decidi fazer o exame e deu positivo. Comia muita gordura, fumava, bebia. Acho que tudo é consequência”, diz. A doença estava controlada até dezembro passado, quando Eurípedes teve uma complicação e ficou internado por sete dias. Agora, ele tem de tomar insulina.

“A expectativa de vida é muito maior em relação há 20 anos. A tendência é ampliar mais ainda, o que acarretará uma necessidade urgente de o país se programar quanto ao sistema de saúde" - Ana Maria Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde

Programas
O Ministério da Saúde alega que desde 2011 promove ações estratégicas “para qualificar a atenção ofertada às pessoas idosas no SUS, como cursos, produção e distribuição de material com orientação ao cuidado de pessoas idosas”, entre outros para implementar o modelo de atenção integral à saúde do idoso. Afirma também ter montado academias públicas, mas não tem uma política de cuidadores de idosos. Segundo eles, não existe essa política porque não é classificada como profissão.