Ergonomia do cérebro, e não apenas do mobiliário, é essencial no ambiente profissional

Problemas psicoemotivos, como a depressão, são a bola da vez dos casos de afastamento do trabalho

por Carolina Cotta 23/04/2014 08:41

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Janey Costa
Estudo publicado pela revista científica PLOS Medicine revelou que a depressão é a segunda maior causa mundial de invalidez. A pesquisa comparou a enfermidade com outros 200 tipos de doenças e lesões apontadas como causas de afastamento do trabalho. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o problema está associado ainda ao maior índice de faltas no trabalho. Enquanto a média geral é uma falta mensal, o índice sobe para sete nos casos de depressão (foto: Janey Costa)
A depressão já é a segunda maior causa de invalidez em todo o mundo, atrás apenas das dores nas costas. No Brasil, segundo dados da Previdência Social, depressão e ansiedade ocupam o terceiro posto e afastaram, em 2013, 105 mil pessoas dos postos produtivos. Essa realidade tem mudado o foco das medidas de prevenção e cuidados adotadas pelas empresas. Mais do que as condições das estações de trabalho, as atenções precisam se voltar para os aspectos mental e psicossocial que estão colaborando para o adoecimento profissional. A cabeça é a bola da vez.

Segundo o médico do trabalho Hudson de Araújo Couto, vice-presidente da Associação Mineira de Medicina do Trabalho (Amimt), mais de 80% das pessoas em sua na vida produtiva serão acometidas por dores fortes nas costas, em função das condições de trabalho inadequadas. Já os distúrbios osteomusculares, como artrites e artroses, relacionados com o trabalho correspondem a 65% das aposentadorias prematuras. Mas os afastamentos psicoemotivos, como a depressão oriunda das excessivas cargas de trabalhos, já somam 5% dos afastamentos previdenciários e estão crescendo.

Para o especialista, a ergonomia é a principal ferramenta de prevenção dos adoecimentos e acidentes de trabalho, mas é importante valorizar, além das questões físicas, a realidade de carga e saúde mental, como memória, foco, simultaneidade, vigília, fadiga e qualidade de vida no trabalho. O assunto é tema do livro Ergonomia do corpo e do cérebro no trabalho (Editora Ergo), que o professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais acaba de lançar em parceria com a Academia Mineira de Medicina (AMM) e a Associação Mineira de Medicina do Trabalho (Amimt).

Isso porque a ergonomia vai muito além da aquisição de cadeiras e móveis adequados. Trata-se de um conjunto de conceitos e tecnologias para o ajuste mútuo entre o ser humano e seu ambiente de trabalho de forma confortável, produtiva e segura; sempre procurando adaptar a atividade profissional às pessoas. Ela se volta, portanto, para o aspecto físico, mental e psicossocial, sendo esses dois últimos os que mais demandam atenção na atual realidade das organizações e relações de trabalho.

De acordo com Frederico Gasperin, médico do trabalho da Contrei – Gestão em Segurança e Saúde Ocupacional, a depressão é uma doença que requer tratamento, pois prejudica o cotidiano do paciente e interfere, ativamente, em sua vida social e profissional. “Uma pessoa depressiva tem a capacidade laboral prejudicada e a produtividade reduzida, sobrecarregando a equipe de trabalho. O trabalhador fica mais suscetível a sofrer e a causar acidentes, sendo que, em alguns casos, o problema pode ganhar dimensão de epidemia e a situação tende a piorar”, explica.

O bem-estar físico e mental tem ganhado importância nos últimos anos. Isso está intimamente relacionado à ampliação do antigo conceito de saúde: antes tratado como ausência de doença. Um novo olhar nasce exatamente no trabalho, quando o estado mental e psicológico dos profissionais passa a afetar a produtividade e a média de dias trabalhados. A depressão já é, também, a terceira maior causa de perda de dias de trabalho no Brasil. Só em 2013, os transtornos de humor afastaram 105 mil trabalhadores, 10 mil a mais que em 2012.

Um dos problemas é o preconceito. A depressão, a ansiedade e o estresse não têm uma lesão à vista, algo paupável, visível. Isso deixa não só o diagnóstico mais difícil, mas também a crença na existência do problema. “Muitas vezes, essas doenças são vistas como uma fraqueza de caráter, até uma frescura, e isso dificulta ainda mais o paciente procurar tratamento. Ele tem medo de ser rejeitado e das pessoas de seu convívio não saberem lidar com a situação”, acredita Gasperin.

Na saúde mental, até 2007 a depressão só era considerada doença ocupacional quando estava exposta a fatores químicos. Ou seja, a doença existia e estava relacionada a riscos no trabalho, mas para ser considerada uma doença ocupacional precisava estar atrelada a esses fatores. Só com a mudança dessa regra a depressão foi percebida como uma doença de alta prevalência em vários profissionais. “Hoje, a cada seis mil afastados por depressão, mais ou menos 400 têm depressão relacionada ao trabalho”, alerta.

O outro problema é a falta de investimento. Como a depressão é uma realidade mais recente nas organizações, se comparada a outras doenças do trabalho, só agora elas começam a se adaptar para diminuir sua incidência. Daí a importância da ergonomia, que prevê um ambiente saudável, com condições de higiene, controle de temperatura e ruído, além da flexibilização das relações de trabalho. O tipo de gestão e perfil da liderança têm forte relação com o problema.

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
NELMA BORGES MACHADO, 44 ANOS, OFICIAL DE APOIO JUDICIAL


"Bloqueei, fiquei amedrontada"

Uma decisão polêmica e uma carreira transformada. Em 2004, Nelma era uma escrivã realizada com seu trabalho até que uma série de acontecimentos levaram-na a um quadro de depressão com o qual luta desde então. Na época, o juiz com quem trabalhava foi afastado e sua secretaria ficou sem movimentação, o que rendeu a Nelma um processo administrativo e muita pressão no trabalho. O novo juiz cobrava resultados no mesmo momento em que sua equipe, na época composta por 22 funcionários, foi reduzida a quatro concursados: todos eles sem experiência. O que parecia não poder piorar ficou ainda mais difícil e, em 2005, o corpo apresentou a conta. Às recentes dores de cabeça somaram-se a falta de ar e o medo de ir para o trabalho. O diagnóstico confirmou a depressão. Nelma viveu, então, seu primeiro afastamento do trabalho, e, quando conseguiu voltar, já não tinha condições de assumir o antigo cargo. “Mesmo tendo esse direito, não consigo sequer substituir um escrivão de férias. Bloqueei, fiquei amedrontada. Tenho medo até de lidar com um juiz. Sempre gostei do meu trabalho, mas hoje vou quase que empurrada. As pessoas acham que é moleza, que estou é querendo aposentar, mas não é fácil o que sinto.”

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Um mal de origem variada

As causas da depressão são diversas e controversas. Acredita-se que genética, alimentação, estresse, pressão no trabalho com metas quase impossíveis, problemas financeiros, estilo de vida e rejeição, entre outros problemas pessoais, estejam relacionados com o surgimento ou agravamento da depressão. O problema também é associado a um desequilíbrio de substâncias químicas do cérebro, os neurotransmissores. É no restabelecimento dos níveis normais dessas substâncias que está a ação dos principais medicamentos antidepressivos.

Estudos na área da psicopatologia do trabalho revelam que a depressão atinge todas as raças, idades e profissões, tanto profissionais que trabalham direto com o contato humano, como aqueles com atribuições rotineiras, extremamente responsáveis. A atual realidade profissional – com um ambiente corporativo mais competitivo e baseado em tecnologias que demandam ainda mais rigor dos funcionários – é uma das fontes dessa sobrecarga mental que tem aumentado os casos de depressão.

“O volume de informação com o qual precisam lidar é muito maior. Um mesmo serviço feito por 10 pessoas no passado hoje é de responsabilidade de um único profissional. A cobrança é cada vez maior e isso está incapacitando essa força produtiva”, alerta Frederico Gasperin, médico do trabalho da Contrei – Gestão em Segurança e Saúde Ocupacional, segundo o qual essa adaptação às novas tecnologias é um dos focos do problema. Com 39 anos de experiência na área e várias publicações sobre o tema, Hudson Couto também não tem dúvidas sobre como essa exigência de fazer mais coisas ao mesmo tempo estaria atrapalhando os profissionais.

De fato, há menos pessoas em trabalho pesado e repetitivo, o que diminuiu algumas doenças, caso da lesão do esforço repetivivo (LER), tão temida no passado. Por outro lado, há muitas pessoas trabalhando com tecnologias. “A tendinite do digitador é rara hoje. O problema agora é o tempo de fixação visual na tela do computador, que leva à fadiga, pesada carga mental e ao teletrabalho. Temos, hoje, o Homo conectus, o profissional conectado que é cobrado de trabalhar de onde estiver, a qualquer hora”, alerta Couto.

Daí a necessidade da garantia de boas condições e um ambiente de trabalho saudável para que as empresas evitem maiores prejuízos com afastamento por depressão. “É importante que a doença seja tratada assim que diagnosticada, extinguindo qualquer prejuízo ao profissional ou à empresa. A boa notícia é que o tratamento tem bons resultados e, atualmente, existem muitas opções de terapias eficazes, permitindo que o indivíduo se sinta melhor e volte a ter uma vida normal”, observa Gasperin.

CUIDE DE VOCÊ
Os exercícios ou cuidados para o cérebro estão relacionados, principalmente, à redução do nível excessivo de tensão e à prevenção pessoal do estresse

» Trace para sua vida uma espécie de “plano de voo” de tal forma que a relação entre exigências psíquicas e sua estrutura psicológica se mantenha equilibrada;
» Diante de situações de tensão ou de estresse, utilize o princípio do controle cognitivo: procure conhecer bem o problema para adquirir controle sobre ele, reduzindo as exigências e aumentando sua estrutura;
» Procure identificar seus “sinais vermelhos no painel”, procurando trabalhar sobre as situações causadoras de sobrecarga. Os principais sinais são dores nos músculos do pescoço e ombros, “brancos”, esquecimentos, respiração profunda e suspirosa, fadiga à tarde e perda do bom humor, nervosismo e irritabilidade;
» Na existência desses sinais, renegocie prazos, prioridades e recursos necessários para a obtenção de resultados;
» Procure conhecer e respeitar os seus limites (técnicos, físicos, psicológicos, de tempo e financeiros), evitando assumir compromissos bem acima deles – um pouco acima é fator de desenvolvimento, muito acima é causa de estresse e adoecimento;
» Controle o seu senso de ampla responsabilidade sobre tudo; deixe com as outras pessoas as responsabilidades que lhes são próprias;
» Aprenda técnicas de administração de tempo;
» Se você se identifica com o estilo de vida de estar sempre com pressa e obcecado por fazer cada vez mais em cada vez menos tempo, pare de correr contra o relógio, controle sua impetuosidade verbal, não leve tudo “a ferro e fogo” e controle a hostilidade em sua fala;
» Pratique alguma técnica para diminuir a tensão físico-mental sempre que perceber sinais de sobrecarga;
» Mantenha atividade física regular;
» Cumpra o descanso semanal e goze férias regularmente;
» Procure trabalhar sua atitude mental diante das questões da vida, especialmente, aprendendo a definir a real magnitude dos problemas.

1) É preciso entender a diferença entre contratempos, questões, problemas, problemas graves e tragédias (para muitas pessoas, simples contratempos são tratados como algo muito mais grave);
2) Aprenda a focar o problema e encarar a solução;
3) Redefina mentalmente a forma com que se encara o trabalho;
4) Tenha postura de simpatia diante de conflitos, encarando o conflito como energia de mudança;
5) Não aceite transferências de responsabilidade.

QUEM TEM A SAÚDE MENTAL AFETADA PELO TRABALHO

» PROFISSIONAIS MENOS RESISTENTES
Personalidade tensa
Insegurança
Perfil psicológico emotivo
Alto nível intelectual
Expectativa diferente entre o que podem fazer e as possibilidades oferecidas pelo trabalho
Desequilibrados financeiramente
Sem suporte social
Desajustados socialmente
Responsabilidade bem acima de seus limites
Faz uso de ansiolíticos, antidepressivos, álcool ou drogas ilícitas.

» PROFISSIONAIS MAIS RESISTENTES
Personalidade calma, seguros de si e pouco emotivos
Forte ética de trabalho
Expectativa profissional relativamente equilibrada com o que o trabalho pode
lhes oferecer
Responsabilidades dentro de seus limites
Bom equilíbrio financeiro
Praticantes de atividade física
Bom suporte social