Cada vez mais receitas caseiras têm resultados comprovados cientificamente

Não é só tradição popular que atravessa gerações. Nos últimos anos, a ciência tem comprovado os efeitos do uso de plantas e até da canja de galinha

por Paloma Oliveto 17/04/2014 09:10

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CB/D.A.Press
(foto: CB/D.A.Press)
Houve um tempo em que o hospital e a farmácia ficavam no quintal de casa. Sem acesso à medicina formal — no Brasil, as primeiras faculdades só surgiram no século 19 —, os antigos lançavam mão de plantas e outros produtos derivados de minerais e animais para curar as moléstias do corpo e da alma. A origem dos remédios tradicionais, aliás, confunde-se com a do próprio homem. Evidências arqueológicas, como restos de ervas em potes de cerâmica, indicam que o conhecimento empírico das benesses da natureza existe há milhares de anos.

Passada de pai para filho, a sabedoria popular ainda hoje é amplamente utilizada. Todo mundo já tomou chá de camomila para acalmar; mel e limão no combate à gripe; aplicou emplastro de arnica para diminuir hematoma. Boa parte dos remedinhos da vovó, de fato, funcionam. “Nos últimos anos, a ciência tem dado mais valor a essa tradição popular, e pesquisas científicas têm comprovado os efeitos benéficos do chás”, afirma o nutrólogo Alan Ferreira Coutinho, do Hospital Santa Helena. Ele lembra que as infusões de plantas são usadas milenarmente para combater males como insônia, cólicas menstruais, diarreia, dores de estômago e controle do colesterol.

Coutinho cita um estudo publicado no Journal of Agricultural and Food Chemist que evidenciou os efeitos positivos da camomila. A pesquisa constatou que o chá dessa planta aumenta, na urina, os níveis de hipurato, um produto da decomposição de compostos herbais conhecidos como fenólicos — alguns deles, associados à atividade antibacteriana. “Isso pode ajudar a explicar porque o chá parece impulsionar o sistema imunológico e combater infecções associadas a gripes”, diz. O consumo da infusão da mesma planta também eleva níveis de glicerina, um aminoácido que alivia espasmos musculares, justificando sua utilidade para cólicas menstruais, além de relaxar os nervos. “Apesar dessas novas pesquisas, muita coisa sobre os efeitos dos fitoterápicos continua desconhecida, sendo necessários novos estudos para confirmá-los”, observa o nutrólogo.

Remédios naturais
Na família da esteticista Edna Pereira da Silva, 50 anos, o uso de plantas no combate a doenças atravessa gerações. A avó, parteira em Barreirinhas, nos Lençóis Maranhenses, tinha remédio para tudo. Folhinha de arruda para dor de cabeça, espinheira-branca para inflamações, boldo e casca de laranja para digestão, folha de maracujá para pressão, alho e gengibre para gripe, mel para lombrigas, mastruz para cicatrizar, cravo-da-índia para acelerar o metabolismo, pimenta para ajudar no parto… A lista é infindável. “Lá, no interior do Maranhão, é muito difícil ter médico. Na minha cidade, para ir ao ginecologista, você tem de viajar quatro, cinco horas e, às vezes chega ao hospital, mas não tem quem atenda. Sempre fui tratada com remédios caseiros”, diz. Moradora de Brasília desde 1997, ela conta que, apesar de ter mais facilidade de acesso aos serviços de saúde, continua recorrendo às receitas naturais. Mãe de sete e avó de 10, Edna criou os filhos à base de plantas. “Os chás funcionam de verdade”, garante.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Edna da Silva lembra que na casa avó, no Maranhão, sempre havia um remédio caseiro (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Não são apenas as infusões a atuar como “santo remédio”. A canja de galinha é uma das mais infalíveis receitas das avós quando se trata de curar uma gripe. O nutrólogo Alan Ferreira Coutinho explica que elas estão certas. “Existem, sim, estudos científicos sérios sobre os efeitos benéficos da canja de galinha para o tratamento de resfriados”, atesta. Um deles, publicado na Chest, importante revista de referência da área de pneumologia, evidenciou que o consumo de canja de galinha reduz os sintomas da gripe. O médico destaca, porém, que até hoje não se sabe como a sopa atua para melhorar o sistema imunológico.

No meio científico, também não se tem certeza dos mecanismos do leite sobre a qualidade do sono. Tomar um copo da bebida antes de dormir é uma das mais tradicionais receitas caseiras para combater a insônia. Faltam, contudo, evidências sobre a eficácia desse método. Acreditava-se que o segredo estaria no aminoácido tripotofano, presente no leite e em todos os alimentos proteicos. Ele é um componente precursor da serotonina e da melatonina, neurotransmissores que desempenham um papel importante no sono. Contudo, a quantidade de tripotofano no leite é muito pequena para justificar o possível efeito sonífero.

Interessado em saber se a dieta influencia na qualidade do sono, o pesquisador Michael A. Grandner, do Centro de Sono e Neurobiologia Circadiana da Universidade da Pensilvânia, analisou os padrões de consumo alimentício de mais de quatro mil pessoas que participaram de um estudo nacional de nutrição nos Estados Unidos, englobando um período de dois anos. Os dados revelaram diversas associações entre diferenças na ingestão de micronutrientes e qualidade do sono. “Pessoas que relataram poucas horas de sono eram as com consumo de proteínas e carboidratos mais baixo”, observa Grandner. A pesquisa, porém, apenas encontrou uma relação estatística positiva entre qualidade do sono e ingestão de determinados alimentos — não apenas leite, mas frutas, verduras, legumes e cereais. Por isso, o cientista ressalta que, apenas com base nesse estudo, não se pode afirmar que o leite combate insônia.

Nem sempre a sabedoria popular acerta. Autor de um estudo sobre os tabus que cercam a alimentação durante a gestação, o médico indiano Rajkumar Patil, da Faculdade de Medicina de Geentanjali, diz que essa é a fase da vida em que mais surgem ideias erradas a respeito da saúde. “A quantidade de nutrientes ingeridos terá de aumentar, mas por meio de uma dieta balanceada. A mulher não pode ‘comer por dois’, como reza a lenda popular. Para a segurança da gestante e do bebê, é muito importante ouvir o médico e ignorar os boatos”, avisa.

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)

Alan Ferreira Coutinho, nutrólogo


Alho, mel e limão são, tradicionalmente, receitados pelas vovós como um santo remédio contra problemas de garganta. Elas estão certas?
Sim, elas estão certas. O alho é rico em alicina, um composto com forte efeito antibacteriano e antiviral. Além disso, existem estudos evidenciando que o consumo de alho reduz o risco de alguns tipos de cânceres, como o de intestino. O limão é rico em citral, que também tem efeito antimicrobiano. O mel é conhecido por seu efeito expectorante, ajudando a elimiar as secreções. O gengibre é rico em calendreno (combate cólicas renais e menstruais, efeito analgésico), felandreno (também presente na menta, com efeito expectorante), além do zingibereno e zingerona, que são antivirais. Canela e cravo também contêm substâncias que ajudam nas infecções de garganta.

Comer manga e tomar leite em seguida faz mal?
Não é verdade. Essa crendice vem da época do Brasil escravagista. Como os negros comiam muitas frutas quando estavam trabalhando (em especial a manga, por ser mais facilmente disponível e muito calórica) e os senhores de escravos não queriam que eles roubassem o leite, essa crendice foi espalhada. Lógico que vários negros morreram após consumir manga e beber leite, não por causa da combinação, mas porque os senhores de escravos envenenavam o leite, fortalecendo, assim, a crença.

Outro conselho antigo comum é comer cenoura para a saúde dos olhos. Há algum fundamento nisso?
Você já viu coelho de óculos? Essa era uma coisa que minha mãe falava. Qual a verdade nisso? Até há pouco tempo, a população brasileira era deficiente em vitamina A. A deficiência dessa vitamina, também conhecida como retinol (de retina mesmo) provoca um quadro conhecido como cegueira noturna, que pode evoluir até para a perda da visão. Hoje, essa é uma situação muito rara, até porque vários alimentos vêm suplementados com vitamina A. E o que a cenoura tem com isso? Ela é rica em betacaroteno, que é um precursor da vitamina A. Portanto, o fundamento é esse.