Com promessa de reduzir cintura, corset ganha adeptas no Brasil

Médicos fazem ressalvas sobre a prática e, mesmo entre as adeptas do 'tight lacing' (laço apertado), a regra é procurar um especialista antes de começar o treino para diminuir a cintura. As contraindicações vão desde quem passou por uma cesariana recentemente ou tem hérnia de disco até quem é sedentária. O Saúde Plena conversou com um ortopedista que afirma:"O corset imobiliza e induz a uma deformidade óssea que não foi programada geneticamente"

por Valéria Mendes 01/04/2014 08:29

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Pioneira no Brasil, a estilista Leandra Rios, 32 anos, dona da marca Madame Sher tem 58cm de cintura: "comecei a usar porque gostava da peça para compor visuais" (foto: nagash.net)
De um lado, símbolo da feminilidade. Do outro, distintivo da opressão social. Estamos falando do corset, peça do vestuário feminino muito usada séculos atrás e que, no início dos anos 2000, retornou às passarelas internacionais da moda para, em meados da década, enfileirar adeptas do ‘tight lacing’ no Brasil. A expressão em inglês que, em tradução livre, significa laço apertado, define a prática do uso da indumentária para redução de cintura.

Apesar de todos os argumentos desfavoráveis dos profissionais de saúde (leia ao final da matéria), fato é que à medida que a prática se torna mais conhecida, mais mulheres encomendam o seu. A peça é única, feita sob medida e pode custar de R$ 350 a R$ 1500. Kênia Batista é arquiteta e tem 27 anos. “Eu já tinha ouvido falar, mas não entendia para o quê servia. Em uma visita à casa de uma amiga em São Paulo, vi que ela usava. Ela tem uma cintura espetacular que eu achava que era natural”, conta.

A amiga a que Kênia se refere é a estilista Rosane Mascarello, de 25 anos, autora do trabalho “O tigh lacing e a valorização da silhueta feminina”, defendido em 2011 no curso de graduação em moda pela Faculdade de Divinópolis (Faced). “O corset é uma peça artesanal com número de barbatanas superior a 12, fechamento frontal de chapa metálica tipo ‘busk’, mínimo de cinco camadas de tecido engomado e com fechamento traseiro de cadarço acetinado”, explica. É o famoso espartilho que, nos tempos atuais, passou a ser confundido com modelos de lingerie vendidos em sex shops. Por isso, o substantivo no português foi substituído pela palavra francesa para evitar o entendimento errado.

Rosane diz que o corset começou a cair em desuso na década de 40 quando descobriram a lycra. “A peça foi adaptada e os colchetes substituíram a amarração. Como o corset também tinha o objetivo de sustentar o seio, quando o sutiã surgiu, as mulheres pararam de usá-lo”, diz. A estilista é adepta do tight lacing há cinco anos. “No meu caso uso por estética e para manter minha cintura”. Ela diz que tinha 68 cm e chegou a 64. “Quando estou com o corset chego a 55 cm”, diz.

Arquivo Pessoal
A arquiteta Kênia Batista, de 27 anos, confessa que, a princípio, achou loucura: "É uma liberdade de escolha e estou fazendo isso por um prazer pessoal" (foto: Arquivo Pessoal)
Ortopedista e especialista em cirurgia de coluna, Bruno Fontes explica que o corset atua nas duas últimas costelas. “A décima primeira e décima segunda são flutuantes porque não existe conexão entre elas e os arcos costais superiores. Como têm essa flexibilidade o que acontece é uma deformidade na articulação”, detalha. “Na medicina, nem veneno podemos falar que vai fazer mal, mas o uso frequente do corset tem tudo para dar problema. É simples: muda de lugar, altera o funcionamento”, defende. Dentro dessa perspectiva, o médico afirma que também é contra a cirurgia de retirada das costelas.

Liberdade de escolha
Depois que conversou com Rosane, em novembro do ano passado, Kênia pediu o seu pela internet. Com a ajuda da mãe que tem experiência em costura, tirou suas medidas e recebeu o espartilho neste ano. “Não imaginava isso na contemporaneidade”, diz. A arquiteta admite que não procurou um médico antes de se decidir, afirma que sua coluna é saudável, que leu muito durante dois meses antes de adotar a prática do tight lacing e que suas expectativas não são muito grandes. “Eu sou magra, minhas medidas são menores e meu resultado vai ser mais a longo prazo”, comenta. A jovem faz aulas de muay thai e começou a fazer abdominais.

A arquiteta diz que não usa o espartilho para sair. “Minha peça é mais simples, é um corset de treino. Estou usando em casa. A primeira vez que coloquei não consegui ficar duas horas com ele”, conta. Atualmente, ela usa entre seis e sete horas por dia, para dormir e diz que ainda não é considerada uma usuária avançada, ou seja, mulheres que usam entre 15 a 20 horas por dia. Kênia explica que o objetivo do tight lacing é fechar o corset totalmente. “O encontro é gradativo. Fechou o corset, atingiu o objetivo. Li depoimentos de meninas que conseguiram alcançar a meta em sete meses. Atingindo essa meta, algumas mulheres passam a usar como manutenção, sem muita assiduidade, e outras seguem em busca de cinturas cada vez mais fina”, detalha.

Arquivo Pessoal
A estilista de 25 anos, Rosane Mascarello, pratica o 'tight lacing' há cinco anos. Ela diz que tinha 68 cm de cintura e chegou a 64: "Quando estou com o corset chego a 55 cm" (foto: Arquivo Pessoal)
Rosane Mascarello diz que esse espaçamento nas costas é entre 10 e 12 cm e reforça que existem, sim, aquelas que não sabem a hora de parar. “Quando conseguem juntar esse espaçamento, encomendam um novo corset com medidas ainda menores”, explica. A estilista, que é filha de médico, recomenda acompanhamento de profissional de saúde antes de se decidir pela prática do tight lacing. “É uma questão séria”, alerta.

Kênia confessa que, a princípio, achou loucura. “Sempre achei bonito cintura mais fina. E fiquei admirada em poder aumentar a diferença entre as medidas do quadril e da cintura. Eu considero que é uma escolha minha, não é mais uma obrigação como já foi. É uma liberdade de escolha e estou fazendo isso por um prazer pessoal”, reflete.

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Rosane Mascarello, que é filha de médico, recomenda acompanhamento de profissional de saúde antes de se decidir pela prática do tight lacing: "É uma questão séria" (foto: Arquivo Pessoal )
A arquiteta lembra ainda que a peça não pode ser usada diretamente na pele para não machucar. “Tem que colocar uma blusinha de algodão embaixo”, diz. Para ela, é importante conversar sobre o tight lacing por que, no Brasil, não tem muita informação sobre a prática. “Tenho ciência que se eu usar de maneira exagerada e inadequada pode trazer riscos para minha saúde, mas li coisas que são exageradas”, aponta.

Silhueta feminina
Pioneira no Brasil, a estilista e corsetier da marca Madame Sher, Leandra Rios, 32 anos, diz que nunca foi adepta do treino pesado de tight lacing. Ela conta que começou a usar porque gostava da peça para compor visuais. “Usei com mais frequência durante seis meses, mas como uso há muitos anos, o efeito a longo prazo tem se mostrado: passei de 64 cm para 58 cm. Mesmo quando eu engordo, dá para ver que costela entra de uma maneira mais marcada”. Leandra explica que o perfil da praticante de tight lacing no Brasil é de treino leve. “Em alguns países, mulheres ficam amarradas num corset durante 15 anos”, observa. Ela é defensora do comedimento. “A busca por reduções muito grandes oferece riscos maiores para a saúde”, alerta. Ela afirma que a venda de corsets da sua marca se mantém estável ao longo dos anos, mas o que indica o aumento de uso da peça entre as brasileiras é a multiplicação de novas empresas dedicadas a fabricar espartilhos.

Sobre o uso do espartilho por adolescentes, ela diz que a questão é bem polêmica. “A gente não indica para mulheres menores de 18 anos e sempre recomendamos, independentemente da idade, o acompanhamento médico junto com a decisão de praticar o tight lacing. No entanto, não é impossível que uma adolescente use. Se ela já alcançou a estatura definitiva, por exemplo”, afirma.

Para ela, o uso de calça de cintura baixa favorece um acúmulo de gordura extra na cintura. “Se as mulheres não estivessem usando calças muito justas, talvez conseguissem manter o desenho do corpo feminino, de acumular gordura no quadril. Dentro desse contexto, recomendo o uso do corset para rebater o efeito das roupas que temos usado”, explica. Além de atuar na modelagem do corpo, Leandra diz que a peça pode auxiliara também na correção da postura e redução de medidas – não só da cintura – mas também na diminuição do culote.

Leandra Rios diz que considera um treino razoável de tight lacing seis horas por dia de segunda a sexta-feira. “Era mais ou menos o que eu fazia quando estava fazendo o teste para avaliar os resultados do corset. Usei ininterruptamente dessa forma durante um semestre”, relata.

Ela sugere que a prática do tight lacing venha acompanhada de uma atividade física. “Recomendamos exercícios lombares e abdominais para rebater os efeitos da compressão do espartilho. Se a mulher usar de forma incorreta, vai perder tônus muscular nessa região”, salienta.

A estilista reforça também as contraindicações da prática do tight lacing: “Como o uso de corsets aumenta a pressão intra-abdominal, não deve ser usado por mulheres que têm problemas circulatórios e/ou varizes; as que são sedentárias; quem passou por cirurgia recente como abdominoplastia e cesariana; quem tem hérnia de disco ou algum comprometimento de qualquer órgão interno”, enumera. Segundo ela, qualquer doença nos órgãos internos pode ser agravada pelo treino. Por isso, repete: “ninguém deve se submeter ao uso diário antes de consultar o médico e fazer exames específicos”.


Bruno Fontes é ortopedista e especialista em cirurgia de coluna

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Ortopedista e especialista em cirurgia de coluna, Bruno Fontes "libera" o uso do corset como peça de vestuário: "Desde que não seja usado muito apertado". Na foto, Leandra Rios (foto: nagash.net)
A prática do ‘tight lacing’ com o objetivo de reduzir cintura é vista com desconfiança pelos especialistas. Apesar de não existirem estudos científicos que corroborem as consequências negativas, o ortopedista e cirurgião especialista em coluna, Bruno Fontes é categórico: “saudável não é”. Ele explica que a coluna tem uma musculatura que é feita para trabalhar. “Se você coloca uma estrutura para atuar no lugar dessa musculatura, a pessoa terá uma coluna mais fraca”, afirma. Outra questão que o ortopedista vê com preocupação está relacionada à distribuição de órgãos internos. “Os órgãos são razoavelmente fixos, mas podem sair do lugar”, esclarece.

Outro efeito possível, segundo ele, é a mudança da mecânica respiratória. “Aperte a sua barriga para ver se você respira bem? Respirar é algo que as pessoas fazem de forma automática, sem ter que pensar. Para quê mudar isso?”, questiona.

Para Bruno Fontes, tudo que imobiliza qualquer articulação já é motivo suficiente para ser visto com cautela. “Muitas mulheres fazem um uso sistemático do corset que se torna quase uma religião. Por que foi muito usado no passado não significa que é bom. As mulheres morriam antes dos problemas de degenerações que hoje acontecem com muita frequência e que vemos rotineiramente nas consultas”, reforça. O ortopedista “libera” o uso do corset, entretanto, como peça de vestuário. “Desde que não seja usado muito apertado”, salienta.

Sobre o uso de corset para ‘tratar’ a hiperlodose, ele afirma que “a lordose é uma curva natural do corpo e, apesar de ser muito famosa, não faz mal”. Para ele, as mulheres muitas vezes arriscam a saúde por conta de imposições sociais. “Por que não aceitar o que natureza ofereceu? Aceite o corpo que você tem e cuide dele da forma mais natural da possível”, problematiza. “Do ponto de vista científico não existe argumento favorável. O corset imobiliza e induz a uma deformidade óssea que não foi programada geneticamente”, conclui.

Ele alerta também que, no caso de crianças, o uso do corset é expressamente proibido. “É uma fase de crescimento ósseo, passível de modelar igual a um bonsai, fora o sofrimento. Criança tem brincar solta, com roupas leves e sem preocupação com a moda, já que ainda tem chance. Interferir nisso é querer ir contra a natureza”, ressalta. Para o ortopedista, a melhor maneira de manter uma cintura fina é a combinação atividade física e boa alimentação.