Identificação de genes amplia prevenção do câncer de mama, mas luta está longe do fim

O isolamento dos genes BRCA 1 e 2, que permitiu identificar pacientes mais suscetíveis ao câncer de mama e ovário, completa 20 anos

por Bruna Sensêve 28/03/2014 11:30

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AFP PHOTO / Joe KLAMAR
A atriz Angelina Jolie retirou, em 2013, os dois seios por ter tido resposta positiva para câncer nos genes BRCA 1 e 2 (foto: AFP PHOTO / Joe KLAMAR )
Em 1994, um artigo publicado na revista Science relatou o isolamento do gene BRCA 1 pela primeira vez. O mesmo processo no BRCA 2 ocorreu logo em seguida. O feito permitiu mostrar que mutações nesses dois pedaços do DNA impedem que eles protejam a pessoa do desenvolvimento de tumores, aumentando, assim, as chances de ela desenvolver câncer de mama e de ovário. Até hoje, as estruturas estão no centro de polêmicas, seja devido à decisão da atriz Angelina Jolie de se submeter a uma cirurgia preventiva após descobrir ter o risco hereditário, seja por causa de uma decisão da Suprema Corte norte-americana a respeito da legalidade de se patentear material biológico. Para lembrar as duas décadas da descoberta, a mesma publicação científica responsável por seu anúncio volta ao tema.

Uma série de artigos de revisão e de perspectiva sobre o assunto foi divulgada não só na Science, mas também em outros títulos do grupo, como a Science Translational Medicine e a Science Signaling. Os textos exploram as inúmeras questões que surgiram nessas duas últimas décadas, período em que mais de 1 milhão de pessoas fizeram o teste que identifica a mutação genética. Os avanços na medicina molecular gerados pelo isolamento do BRCA 1 e 2 levaram a novas opções de tratamento e prevenção que podem ter reduzido as taxas de mortalidade nos países mais ricos do globo, mas não nas nações em desenvolvimento (Brasil incluído), ainda com acesso restrito a essas inovações (veja gráfico).

Além disso, a estratégia de rastreamento levou não só a uma detecção precoce de células cancerígenas, mas também a um dilema médico. Lesões ainda não cancerígenas, que podem ou não se tornar um tumor, devem ser tratadas agressivamente? Ou a máxima “esperar e observar” deve imperar? Antônio Frasson, membro da Sociedade Brasileira de Mastologia, lembra que os avanços nas descobertas dos genes permitiram a identificação de um grande número de mulheres com mutações genéticas e com uma grande predisposição de desenvolverem câncer de mama e de ovário. Nesse grupo, a intervenção preventiva permitiu que muitas vidas fossem salvas.

Para Frasson, a possibilidade de identificar pessoas com chances de desenvolver doenças e, a partir disso, tomar atitudes para reduzir a incidência das enfermidades claramente abriu caminho para um tratamento personalizado e preventivo. “Nesse caso, você não espera pelo problema, mas evita que ele aconteça.” Ele considera, por exemplo, que a decisão de Angelina Jolie de se submeter a uma cirurgia de retirada do tecido mamário foi acertada. Segundo o médico, a cirurgia preventiva reduz o risco de a doença aparecer de 90% a 95% — sem a intervenção, a chance de a atriz ter câncer até os 50 anos era de aproximadamente 87%.

“Esse risco, na minha opinião, é extremamente alto para não tomar uma atitude, mesmo que radical. Além disso, para esse tipo de tumor, não é certo que os métodos de rastreamento (mamografia, ultrassonografia e ressonância) sejam tão eficazes quanto a cirurgia profilática. O mesmo acontece com remédios que podem ser usados para prevenção.” O médico reforça, ainda, que as técnicas cirúrgicas evoluíram, e os resultados estéticos estão bastante satisfatórios. “Isso afasta a ideia de mutilação que estava associada à cirurgia no passado”, afirma

Mais desafios
No entanto, Frasson considera, assim como é relatado nos artigos publicados na Science e em outros periódicos, que a corrida ainda não acabou. Isso porque ainda não são conhecidos todos os genes associados ao aparecimento de tumores de mama e ovário. “Às vezes, há muitos indícios de que determinado tumor seja de origem hereditária, mas os genes BRCA 1 e BRCA 2, ou outros genes conhecidos, não estão mutados.”

Desde 1994, foram identificadas dezenas de outros genes que aumentam o risco de uma mulher desenvolver o câncer de mama hereditário, mas, por enquanto, seus efeitos são incertos, tornando ainda mais complicada a testagem e o aconselhamento genético. Ao longo dessa explosão de pesquisas, grupos de defesa têm impulsionado o financiamento e a definição dessa busca.

Na opinião da mastologista Maira Caleffi, presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), o maior avanço foi a recente derrubada de patentes sobre os dois genes, o que dificultou muito o acesso aos testes durante as duas últimas décadas. “Os artigos são emblemáticos por trazer à tona uma discussão muito atual. Houve realmente um atraso de toda uma possibilidade de usar o teste genético em grande escala, porque realmente só pessoas com bastante dinheiro tinham acesso.” Caleffi conta que a falta do exame, muitas vezes, fez com que médicos deixassem de caracterizar uma paciente como de alto risco ou optar por cirurgias baseados apenas no histórico familiar.

A queda da patente trouxe uma outra realidade, acredita a especialista. “Primeiramente, a gente vai poder fazer o rastreamento para mama e ovário como uma prática. Vamos conseguir implementar isso. Um dos exemplos é que, de uns seis meses para cá, o exame se tornou acessível para pessoas com plano de saúde no Brasil.” Além disso, existe um proposta em trâmite no Congresso Nacional de tornar o teste disponível também no Sistema Único de Saúde. “A Femama é um dos proponentes com a Sociedade Brasileira de Genética Clínica. É a primeira grande mudança que a gente vai ver.”

Especialistas ressaltam que o exame para os BRCA 1 e 2, apesar de importante, não deve ser visto como uma solução completa do problema. Mutações nesses dois genes são responsáveis por apenas 5% a 10% dos casos de câncer de mama na população em geral. Para Sérgio Masili, mastologista do Instituto do Câncer de São Paulo, o ideal é testar para a presença do gene após um aconselhamento genético e, principalmente, se a paciente já tem câncer, pois seu risco de reincidiva pode ser aumentado. Se o resultado for positivo, então, buscar testar também seus descendentes. “O que muda na clínica é que, se soubermos que uma paciente tem a mutação, serão adicionados alguns exames àqueles que naturalmente ela já faria.” Ele alerta, por outro lado, que o resultado negativo não significa que a paciente não vai ter câncer, mas que não vai ter a doença relacionada à herança genética familiar. Os riscos do câncer ocasional — que é a grande maioria — se mantêm.

Decisão inédita
O patenteamento de materiais biológicos tem sido um tema de grande discussão devido a aspectos científicos, éticos e legais. Em 13 de junho de 2013, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, por unanimidade, não mais reconhecer bens naturais como passíveis de patenteamento e invalidar o monopólio do laboratório de diagnóstico genético Myriad, que detinha, até então, a patente do exame que detecta as mutações no BRCA 1 e BRCA 2. A decisão tornou o exame mais acessível.

Densidade perigosa
Estudo realizado recentemente com 463 pacientes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que a ocorrência de uma mutação conhecida como PVULL, que favorece o desenvolvimento do câncer de mama, é 75% mais frequente em mulheres com mamas ainda consideradas densas (com menos gordura) após a menopausa. Essa variação afeta o gene do receptor de estrógeno na mama e aumenta a ação hormonal nesse tecido. Os resultados foram publicados no Journal of Cancer Science & Therapy.