Decisão de Angelina Jolie de retirar os ovários divide especialistas

A estrela volta a causar polêmica ao anunciar a retirada dos ovários. Há cerca de um ano, ela removeu as duas mamas, devido ao alto risco de desenvolver um câncer

por Bruna Sensêve 11/03/2014 09:30

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Jason Merritt / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP
Diretor-médico do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), Marcelo A. Calil, diz que, enquanto não há alteração diagnosticada nos órgãos, colocar a paciente sob cirurgia é expô-la a um risco sem garantia total (foto: Jason Merritt / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP)
Mais uma vez, Angelina Jolie levanta polêmica, ao anunciar uma nova cirurgia preventiva ao desenvolvimento de câncer, dessa vez, ovariano. Recentemente, a atriz hollywoodiana declarou à mídia norte-americana que pretende realizar em breve a segunda etapa de procedimentos que visam conter o alto risco diagnosticado geneticamente, tanto para o surgimento de tumores mamários quanto para os do tipo ovariano. Em maio do ano passado, Jolie anunciou a remoção das duas mamas e, agora, pretende fazer a retirada dos ovários. Mesmo sem diagnosticar o mal, a premiada atriz norte-americana, mãe de três filhos biológicos e três adotivos, conhece a doença de perto. Aos 56 anos, sua mãe, Marcheline Bertrand, perdeu uma batalha de 10 anos contra o câncer de ovário e faleceu em 2007, em decorrência da doença.

Segundo o diretor-médico do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), Marcelo A. Calil, os ovários estão em regiões profundas da pélvis, onde há uma dificuldade de acesso. Por esse motivo, os exames para detecção de algum câncer ou tumor ainda não são tão precisos. Porém, ele acredita que, enquanto não há alteração diagnosticada nos órgãos, colocar a paciente sob cirurgia tentando prevenir que ela não venha a ter a doença é expô-la a um risco cirúrgico sem garantia total de necessidade do procedimento. Calil lembra que, mesmo com a retirada dos ovários, ainda é possível que a paciente desenvolva uma doença semelhante no mesmo local ou nas adjacências. “A Angelina Jolie tem um risco genético aumentado, que exige que se faça um controle maior, mas não há um consenso de que se deve tirar os ovários. Em uma mulher jovem, sempre há maiores riscos porque os ovários são os produtores dos hormônios femininos.”

A retirada de ambos pode levar à necessidade de uma reposição hormonal, que também pode levar a efeitos colaterais indesejados no organismo. “A cirurgia reduz as chances de ela ter um câncer de ovário, mas não em 100% e expõe a paciente ao risco cirúrgico e anestésico, além da menopausa precoce com a interrupção da produção de estrógenos.” Calil considera que, no caso de Angelina, a reposição é mandatória, já que a falta dos hormônios femininos naturais pode levar à osteoporose, elevação do risco de doenças cardiovasculares e até mesmo uma alteração da pele da atriz. O último ocorreria devido à aceleração do processo de envelhecimento, comum na falta de estrógenos. “Ainda não há nenhuma posição da comunidade científica, que está muito dividida quanto a essa ooforectomia profilática.”

RISCOS
Nesse ponto, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e chefe de ginecologia do Instituto de Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Jesus Paula Carvalho, é mais categórico e incisivo: às pacientes com a mutação genética BRCA 1 e BRCA 2 é recomendado que retirem os ovários e as tubas uterinas entre 35 e 40 anos. O médico é irredutível e mostra-se cético quanto à necessidade de cirurgia em casos como o de Angelina Jolie. Ele argumenta que, quando o risco aumentado é garantido por exames, as chances de ocorrência da doença está próximo de 50% ao longo da vida. “E é uma doença fatal na maioria dos casos. Esse é o drama, porque, se esperar para tirar depois, não dá mais. A doença já se desenvolveu.”

A recomendação apontada por Carvalho está nas diretrizes de 2013 da National Comprehensive Cancer Network (NCCN) – uma aliança de 23 centros de câncer nos Estados Unidos, a maioria dos quais são designados pelo Instituto Nacional do Câncer norte-americano. “Quando ela anunciou que faria a dupla mastectomia, eu questionei porque ela não começou pelos ovários, que levam a uma doença muito mais grave. Isso porque o câncer de mama é curável, o de ovário não.”

Os tumores ovarianos com motivação na herança genética estão entre 5% e 10% dos casos e a única forma de prevenção é a retirada profilática. Ele reforça que, nessa condição, a doença começa a se desenvolver a partir dos 35 anos, sem qualquer sintoma aparente. “Claro que é um problema, porque ela vai ficar estéril e vai perder os hormônios naturais dela. Então, é algo muito sério. Mas ela sabe que é mutada e sabe o risco que tem de ter a doença.” Ele afirma que o procedimento não é comum no Brasil, porque as pessoas desconhecem essas informações e o teste genético também é algo recente.

O coordenador de oncologia clínica do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, Artur Katz, é mais ponderado quanto à indicação da cirurgia e até mesmo do exame genético. Segundo ele, para que a paciente chegue a fazer o exame genético é preciso que confirme alguns fatores específicos que predisponha à possibilidade de um risco elevado. Somente quando esse risco hereditário é certificado, é que a remoção profilática de útero e ovários passa a ser discutida. “O exame deve ser discutido com um oncogeneticista, porque não é toda mulher que tem indicação para fazê-lo. As condições são muito precisas.”

Anderson Araujo / CB / DA Press
Clique para ampliar e saber mais sobre os fatores de risco (foto: Anderson Araujo / CB / DA Press)
Entre elas, estão mulheres que tiveram um tumor abaixo dos 40 anos, mulheres com tumor mamário bilateral, com duas familiares de primeiro grau com tumor de mama. “Existe uma série de critérios claramente estabelecidos de quem deve ou não fazer esse teste. Então, não é qualquer mulher que deve ir ao laboratório porque está preocupada e dizer que quer fazer o exame. Ele só pode ser solicitado por um oncogeneticista, que vai avaliar se tem a indicação ou não.” Caso o resultado seja positivo, deverá discutir com o oncogeneticista se esse resultado realmente confere a ela um risco suficientemente elevado para que se tome uma atitude preventiva.

Katz considera o procedimento cirúrgico de certa forma simples. O maior inconveniente seria a infertilidade e a indução da menopausa precoce. “A menopausa precoce traz os inconvenientes já conhecidos sobre saúde óssea, redução de libido e sintomas ginecológicos, como a secura vaginal.” A reposição hormonal é feita com ressalva em pacientes desse tipo, pois também deve obedecer uma série de recomendações que garantem até que ponto é um procedimento seguro.

Prevenção genética
A atriz teria removido as duas mamas devido ao alto risco (87%) de desenvolver o câncer de mama, identificado por ela depois de um exame genético. A escolha feita por ela trata de uma cirurgia de retirada do tecido mamário em que a redução do risco é diretamente proporcional à quantidade de tecido retirado. Sendo o mais indicado retirar entre 90% e 95%. Quanto maior o risco, maior tende a ser a intervenção preventiva.

Terapia hormonal
A terapia é contra-indicada para mulheres com histórico de câncer de mama ou endométrio, trombose, distúrbios de coagulação sanguínea, infarto e sangramento genital de causa desconhecida. Na mulher com útero, associa-se estrogênio e progesterona, pois o uso isolado do estrogênio eleva o risco de câncer de endométrio. É importante, ainda, observar o tempo de tratamento. Segundo o estudo norte-americano Women’s Health Iniciative, depois de cinco anos aumenta-se o risco de câncer de mama e doenças cardiovasculares. A maioria das mulheres colherá ganhos importantes com a terapia hormonal, feita com critério e acompanhamento médico. Mas haverá casos em que isso será contra-indicado. Não há uma resposta universal aplicável a todas as mulheres e cada uma deve ser avaliada de forma personalizada.