Dieta com excesso de carboidratos pode aumentar risco de demência

Especialista americano defende que as gorduras voltem a ser priorizadas nas refeições

por Bruna Sensêve 04/03/2014 07:15

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Valdo Virgo / CB / DA Press
David Perlmutter, do Instituto de Medicina Funcional em Washington, é categórico ao dizer que os carboidratos e a glicose são prejudiciais para a saúde do cérebro (foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
Os motivos para reduzir os carboidratos no prato ficam cada dia mais fortes. Batatas, pães, arroz e massas, principalmente os processados, são conhecidos por subir os ponteiros da balança e causar alterações muitas vezes graves nos exames de glicemia. O que não se esperava era a relação da comilança de carboidratos com o aumento do risco de doenças neurológicas bastante temidas, como o Alzheimer, a demência e outros tipos de distúrbios que trazem consigo a queda na cognição. Uma entrevista publicada na revista científica Alternative and Complementary Therapies acende uma discussão que divide opiniões entre os médicos. O professor David Perlmutter, do Instituto de Medicina Funcional em Washington, é categórico ao dizer que os carboidratos e a glicose são prejudiciais para a saúde do cérebro.

Ele argumenta que jornais e revistas respeitados têm publicado relatos de que níveis mais elevados de glicose no sangue são especificamente prejudiciais ao cérebro em geral e, mais especificamente, para o hipocampo, o mediador da função de memória. Um artigo na revista Neurology, por exemplo, relatou que elevações de glicose no sangue e da hemoglobina glicada (HbA1c) levam ao comprometimento da memória e ao encolhimento do hipocampo. Outro estudo no The New England Journal of Medicine demonstrou que, mesmo discretas, as elevações de açúcar no sangue podem ser traduzidas em um dramático aumento do risco para o desenvolvimento de demência. “É uma correlação profunda reconhecer que até mesmo elevações sutis de glicemia — bem abaixo dos níveis a serem considerados diabéticos — podem ser prejudiciais ao cérebro.”

Perlmutter lembra que um estudo no Journal of Alzheimer’s Disease também demonstrou que indivíduos que consomem alta quantidade de carboidratos tiveram um aumento de 89% no risco para demência. O resultado está em contraste com pessoas que adotaram dieta com alto teor de gordura e obtiveram uma diminuição do risco em 44%. Essa é a base dos aconselhamentos de Perlmutter. “Nós vivemos com essa noção de que uma caloria é uma caloria, mas, pelo menos em termos de saúde do cérebro, e acredito que para o resto do corpo haja grandes diferenças entre as nossas fontes de calorias em termos de impacto sobre a nossa saúde.”

O médico descreve que as calorias de carboidratos elevam a glicose no sangue e são dramaticamente mais prejudiciais à fisiologia e especificamente à saúde humana do que as derivadas de fontes saudáveis de gordura. “A dieta que eu recomendo — rica em gordura e pobre em carboidratos — foi simplesmente o que comemos por um milhão de anos.” Ele garante que a noção de que essa é uma nova e revolucionária indicação alimentar tem de ser colocada em contexto. “Na realidade, a dieta que as pessoas agora estão consumindo é terrivelmente rica em carboidratos e pobre em gordura.”

Diabetes
O professor de neurologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Paulo Bertolucci lembra que uma dieta rica em carboidrato é calórica, o que surte efeito sobre a saúde geral. No entanto, a ciência tem encontrado relações mais diretas entre a cognição e esse tipo de alimento, ainda que não totalmente comprovadas. “Existe uma relação epidemiológica entre a doença de Alzheimer e o diabetes. Claro que as duas doenças são muito comuns, mas vemos que isso vai além da coincidência de enfermidades.”

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O médico descreve que as calorias de carboidratos elevam a glicose no sangue e são dramaticamente mais prejudiciais à fisiologia e especificamente à saúde humana do que as derivadas de fontes saudáveis de gordura (foto: sxc.hu)
Entre as hipóteses de relação, está uma desregulação dos receptores para insulina no cérebro. Essa condição levaria a falhas em outro tipo de receptor. “Também há um aumento da agregação de moléculas beta-amiloide, que é um dos indicadores do início da doença de Alzheimer”, diz Bertolucci. Existe uma segunda hipótese que destaca a amilina, substância secretada com a insulina e responsável pela regulação da produção do hormônio. “A relação disso com o Alzheimer é que ela tem o mesmo perfil de neurotoxicidade da própria beta-amiloide”, explica o neurologista. Segundo Bertolucci, há substâncias que impedem a atuação do receptor da amilina bloqueiam ou reduzem a toxicidade da beta-amiloide, mas elas ainda estão distantes das farmácias.

O neurologista Ivan Okamoto, do Hospital Israelita Albert Einstein, alerta que uma teoria existente há cerca de 15 anos faz a associação entre a intolerância à glicose nos pacientes com Alzheimer. “Alguns chegaram a chamar a situação de diabetes tipo 3, mas nunca foi confirmada. É uma boa teoria, mas nenhuma das associações com o controle adequado de açúcar não foi efetiva para o controle ou a prevenção da doença de Alzheimer. A prova terapêutica não foi positiva.” A teoria, segundo Okamoto, relaciona o aumento do açúcar ao estresse oxidativo a ponto de levar a perdas neuronais.

Hoje, o mau controle do açúcar está intimamente associado à demência vascular. “Há 100 anos, pensavam que todos os quadros demenciais eram resultado da falta de circulação cerebral. Na verdade, a gente sabe que é uma morte cerebral. No caso do Alzheimer, a morte ou degeneração neuronal, enquanto na demência vascular é a falta de circulação”, esclarece. Okamoto mensura que de 50% a 60% das causas de demência são por Alzheimer e outros 20% por demência vascular. Pode acontecer também a associação da doença de Alzheimer e a demência vascular. Esse último problema acontece por pequenas isquemias, clinicamente não evidentes, mas que, com o tempo, passam a obstruir pequenos vasos. O cérebro faria compensações até o momento em que elas se tornariam impossíveis.

Intolerância à insulina
Os alimentos sofrem digestão no intestino e se transformam em açúcar, chamada glicose, que é absorvida para o sangue. A glicose no sangue é usada pelos tecidos como energia. A utilização dela, porém, depende da presença de insulina, uma substância produzida nas células do pâncreas. Quando a glicose não é bem utilizada pelo organismo, ela se eleva no sangue, o que chamamos de hiperglicemia, e leva ao diabetes.

Placas perigosas
O acúmulo de placas da proteína beta-amiloide nos neurônios é identificada com uma das possíveis causas para a doença de Alzheimer. Os fragmentos da proteína beta-amiloide estão presentes no cérebro inicialmente como pequenos aglomerados solúveis que circulam livremente. Com o passar do tempo, elas formam as placas características da doença nos neurônios, levando a um processo inflamatório crônico nas células nervosas e prejudicando a condução dos impulsos nervosos.

Vantagens contra o descontrole muscular
Nem tudo é espinho quando o assunto envolve dieta com alto teor de carboidratos. Em alguns casos, ela pode ser até benéfica. Pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston (EUA), conseguiram resultados animadores ao incrementar com carboidratos a alimentação de pacientes com esclerose lateral amiotrófica, mal que afeta neurônios motores e faz com que a pessoa perda gradualmente a capacidade de controlar os músculos, incluindo os respiratórios.

Normalmente, os pacientes sofrem com uma perda rápida de peso, músculos e gordura devido à dificuldade de alimentação e deglutição. Os 20 participantes foram divididos em três grupos. O de controle deveria manter o peso com a dieta convencional. Os outros dois foram submetidos a um regime hipercalórico: o primeiro, com muito carboidrato, e o segundo, com maior quantidade de gordura. O experimento durou quatro meses.

Os pacientes que receberam as dietas hipercalóricas apresentaram uma diminuição significativa de eventos adversos (23 contra 42 do grupo controle). Nenhum foi caracterizado como grave frente a nove eventos severos no grupo de controle, incluindo mortes por insuficiência respiratória. Para Anne-Marie Wills, líder do estudo, as evidências mostram que, em esclerose lateral amiotrófica, a sobrevivência pode ser determinada pelo estado nutricional do paciente. Os resultados foram publicados na edição de hoje da revista científica Lancet. (BS)