Radioterapia com prótons é chance de cura para câncer raro; mineira faz campanha

Tratamento aplicado contra o cordoma de clivus impede que radiação se espalhe pelos órgãos saudáveis, diminuindo sequelas. Campanha arrecada recursos para que a mineira Danielle Pedrosa, de 16 anos, possa se tratar fora do Brasil

por Carolina Cotta 20/02/2014 07:52

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 (SASCHA SCHUERMANN/AFP)
Sala de radioterapia com prótons, na Alemanha. Esse foi o primeiro centro de tratamento criado no mundo para pacientes com câncer (foto: (SASCHA SCHUERMANN/AFP) )
Um em um milhão. É essa a incidência do cordoma de clivus, um câncer raro, que tem cerca de 300 casos diagnosticados por ano nos Estados Unidos. Situado no clivus, região nobre na base do crânio pela presença de vários nervos, esse tumor exige abordagem minuciosa: uma pequena falha na cirurgia pode significar sequelas expressivas. Não há uma idade mais comum para o cordoma de clivus se manifestar: pode aparecer em crianças, adultos e idosos. Outra característica que o difere dos vários tipos de câncer é o fato de ser um tumor de crescimento local, não representando risco de cair na corrente sanguínea e se espalhar. Por esse motivo, se houver uma recidiva, ela será no mesmo local.

Segundo o oncologista Leandro Alves Ramos, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica – Regional Minas Gerais, os cordomas podem ocorrer em qualquer região da medula espinhal, mas são mais comuns em suas extremidades: no clivus – base do crânio, próximo ao tronco cerebral – ou na região sacral. O local onde aparece dá nome à doença: cordoma de clivus ou cordoma sacral. Todo cordoma tem origem nas células embrionárias, chamadas notocordia. “Todo mundo pode ter resquícios dessas células embrionárias no organismo, mas não necessariamente elas vão evoluir para um tumor. Por algum motivo ainda não esclarecido, mas há apontamentos para fatores genéticos, essas células embrionárias se desenvolvem e tornam-se um câncer”, esclarece Ramos.

Os sintomas são dor de cabeça acentuada e diplopia ocular, quando a pessoa vê duas imagens ao mesmo tempo. Isso está relacionado à inervação ocular. O clivus é uma estrutura óssea na base do crânio, próxima de nervos importantes, que são comprimidos à medida que cresce o tumor. Essa localização delicada é também o que confere à cirurgia um alto grau de risco. Segundo o neurocirurgião Paulo Sanematsu, chefe do departamento de neurocirurgia do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, o procedimento cirúrgico visa retirar o máximo possível do tumor, o que é muito difícil. “As técnicas cirúrgicas cerebrais são complexas, porque qualquer área que se atinge pode levar a sequelas leves ou graves. O acesso à área do clivus é muito difícil”, explica Sanematsu.

Marcos Vieira/EM/D.A Press
Belo-horizontina lançou, na semana passada, campanha para arrecadar R$ 250 mil, preço da radioterapia de prótons, só disponível nos Estados Unidos, Europa e Japão (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Há duas maneiras de operar. Uma delas é abrir o cérebro e ir deslocando a estrutura cerebral até chegar ao clivus, uma abordagem de grande risco. Outra opção é menos invasiva. Pelo nariz do paciente entra uma sonda com uma câmera e outra com uma pinça. Como o clivus está relativamente perto no nariz, chega-se com mais facilidade à área, e com apenas uma pequena incisão. A técnica, conhecida como endoscopia ultracraniana, também traz grandes riscos, porque, apesar de abordar a área de forma menos invasiva, continua próxima a nervos importantes. Mas, segundo Sanematsu, o tratamento do cordoma de clivus normalmente não é resolvido apenas com cirurgia. “No mundo inteiro, a experiência mostra que a melhor alternativa é combinar com a radioterapia de prótons.”

POUCO ACESSO

É quando a doença toma novas dimensões para os pacientes brasileiros. A radioterapia de prótons só está disponível em poucos centros americanos e europeus, e um ou dois orientais. Segundo o radioterapeuta Marcus Castilho, coordenador do serviço de radioterapia do Instituto Mário Penna e secretário geral da Sociedade Brasileira de Radioterapia, esse tipo de tratamento beneficia principalmente crianças e pacientes mais jovens. “A radioterapia com prótons impede que a radiação se espalhe pelos órgãos saudáveis do paciente, diminuindo a incidência tardia de outros tumores radioinduzidos e de sequelas do tratamento. Em alguns casos selecionados, o tratamento pode aumentar as chances de cura”, explica o especialista, segundo o qual se trata de um tratamento extremamente caro. “Estamos falando de um aparelho que custa de R$ 70 milhões a R$ 100 milhões e demanda uma estrutura gigantesca”, explica.

Há dois tipos principais de radiação para tratamento de tumores: por fótons e por prótons. Segundo o radioterapeuta Michael Chen, do Núcleo de Radioterapia do A.C.Camargo Cancer Center, a radioterapia por fótons é a disponível e acessível em todo o mundo. O paciente entra em uma máquina, o acelerador linear, e recebe uma dose de radiação por alguns minutos, em uma média de 30 sessões. Na radioterapia por prótons, o paciente entra também em uma máquina, o acelerador de prótons, para receber uma dose de radiação por alguns minutos e na mesma média de sessões. A diferença está no tipo da radiação. “Por suas características, a de prótons permite uma carga maior, o que beneficia alguns tipos específicos de tumor, caso do cordoma de clivus. Ela é mais precisa, porque acerta, basicamente, apenas a região de interesse.”

 

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
DANIELLE PEDROSA, 16 ANOS - Solidariedade
Marcos Vieira/EM/D.A Press
(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Se depender da solidariedade, Danielle Pedrosa, de 16 anos, poderá se tratar. Diagnosticada com cordoma de clivus em outubro de 2013, a belo-horizontina lançou, na semana passada, campanha para arrecadar R$ 250 mil, preço da radioterapia de prótons, só disponível nos Estados Unidos, Europa e Japão. É uma luta contra o relógio. Dani precisa ter o dinheiro até o fim da próxima semana, quando termina o prazo para começar o tratamento. Ela está confiante, já venceu muita coisa até aqui. “Fiquei assustada ao saber que era um câncer raro e tive medo da cirurgia. Agora, só precisamos terminar de matar as células que ficaram para trás. Estou tranquila e emocionada com o apoio dos meus amigos, que estão fazendo o maior esforço para eu conseguir chegar aos Estados Unidos”, conta a garota. No fim do ano passado, Dani sentiu uma forte dor de cabeça. Uma ressonância identificou a presença de um tumor de quatro centímetros grudado ao tronco. Era preciso retirá-lo, por meio de uma cirurgia de alto risco (de vida e de sequelas).

 

Segundo o pai da menina, o comerciante Marco Antônio Bitar, de 48, o caso foi encaminhado para o cirurgião Aldo Stanm, especialista em endoscopia ultracraniana. “Toda a cirurgia foi feita pelo nariz. O risco de ela morrer, ficar tetraplégica na cirurgia ou no princípio da recuperação era altíssimo. Mas foi um sucesso, foi um milagre”, emociona-se o pai, que acompanhou a filha nos mais de 20 dias que passou em São Paulo. Foi quando veio a outra notícia: o tumor estava infiltrado no osso e ficaram resíduos de células cancerígenas, que devem ser bombardeadas com a radioterapia de prótons, um tratamento caríssimo, que vai exigir que Dani fique pelo menos seis semanas nos Estados Unidos. “Procuramos o governo, mas não são pagos tratamentos fora do país. Foi quando pensamos em criar uma página no Facebook e pedir ajuda dos amigos próximos, que abraçaram a causa. “Não esperava o resultado que estamos tendo. Foi uma manifestação de solidariedade maravilhosa.”

 

Enquanto lutam para reunir o valor necessário para o pagamento – os R$ 250 mil não incluem os gastos com passagem e hospedagem –, Dani e o pai correm atrás da documentação exigida. Solidários, amigos de escola de Dani iniciaram também uma campanha, conseguindo, inclusive, o apoio de jogadores do Clube Atlético Mineiro. Na segunda-feira, às 12h30, alguns jogadores disputam uma partida de futsal com a equipe sub-17 e os treinadores, no Ginásio Poliesportivo José Alonso, do Colégio Magnum. Haverá sorteio de uma camisa autografada do Clube. Ingressos estão sendo vendidos pelos alunos, hoje e amanhã, a R$ 10.

EM / DA Press
Clique para ampliar e saber mais sobre o cordoma de clivus (foto: EM / DA Press)
CÂNCER DE MAMA
Oncologistas, mastologistas, radioterapeutas, radiologistas e patologistas se reúnem no próximo sábado para debater as principais novidades apresentadas na última edição do San Antonio Breast Cancer Symposium (SABCS), considerado o mais importante congresso mundial sobre câncer de mama. O 1º Simpósio Pós-San Antonio, promovido pela Oncomed BH, no Hotel BH Platinum, terá palestras, mesas-redondas e debates de casos clínicos. Entre os temas que serão discutidos, destaque para os novos medicamentos, direcionados especificamente para células tumorais e para as recentes abordagens cirúrgicas, menos agressivas. As inscrições são gratuitas e estão abertas, inclusive, a médicos residentes de áreas correlatas. Mas as vagas são limitadas. Mais informações pelo telefone (31) 2516-4356.

Saiba mais - NOMENCLATURA
Cada câncer se origina de células específicas do corpo humano. Os tumores levam o nome dos tecidos de onde se originaram. Todo cordoma, por exemplo, é um tumor de células embrionárias. Os sarcomas vêm de células musculares. Os carcinomas, caso do câncer de mama, são formados a partir de glândulas. Os melanomas, caso do câncer de pele, têm origem nos melanócitos, células responsáveis pela pigmentação.