O que faz a vida valer a pena? Histórias de sabedoria e otimismo dão exemplos

Obra literária escrita em prosa poética pela francesa Françoise Héritier reúne resoluções de sabedoria e otimismo que dão sentido à nossa existência

por Lilian Monteiro 09/02/2014 07:41

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Marcos Michelin/EM/D.A Press
O médico Bruno Squarcio Sanches vive em um mundo feminino -rodeado pela mulher Graziela, pela filha Maria Eliza e pela labrador Maria Eduarda - e admite que isso é que dá riqueza à sua vida (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)

Por acaso esbarrei com o livro O sal da vida – o que faz a vida... valer a pena!, da antropóloga Françoise Héritier, sucessora de Lévi-Strauss no Collége de France, uma das maiores intelectuais francesas da atualidade. O impacto foi tão grande que, além de me fazer pensar no que é importante na minha existência, quis dividir e convidar os leitores do Bem Viver a tomar a mesma atitude. Encontrar tempo para pensar no que realmente é importante, no que devemos dar valor para fugir de uma vida sem sal e encontrar os temperos essenciais para torná-la uma aventura e tanto.

O dia a dia faz as pessoas esquecerem o que vale a pena na vida. Françoise, de forma simples e preciosa, nos propõe parar, analisar, listar e correr atrás do que realmente nos toca, nos transforma e nos torna melhores. O jornal Le Figaro definiu o livro como “a busca pela força imperceptível que nos impulsiona e que nos define”. E o Libération como “uma inesquecível lista de diminutas epifanias”. É isso. Em pouco mais de 100 páginas, a proposta é verbalizar ou captar sentimentos, sensações e vivências que nos fazem ser quem somos. Aviso que não é autoajuda.

Fenômeno de crítica e público na Europa, primeiro lugar na lista de best-sellers na França, segundo lugar na Itália, sucesso em praças distintas, como China, Grécia, Polônia, Inglaterra e Dinamarca, Françoise escreve sobre o que há de mais profundo em memórias e situações cotidianas que resgatam o que há de mais especial em todos nós.

Nascida em 1933, em Veauche, Françoise Héritier, sucessora de Claude Lévi-Strauss, antropólogo, professor, filósofo, considerado fundador da antropologia estruturalista e um dos grandes intelectuais do século 20, nos presenteia com um livro que devemos reler ao longo dos anos. De maneira despretensiosa, ela conseguiu tocar as pessoas em diversas partes do mundo. Em suas palavras: “Existe, sim, uma forma de leveza e de graça no simples fato de existir, que vai além das ocupações, além dos sentimentos poderosos, além dos engajamentos políticos e de todos os gêneros, e foi unicamente sobre isso que eu quis falar. Sobre esse pequeno plus que nos é dado a todos: o sal da vida”.

A verdade é que precisamos sair do automático para poder viver, reviver e sonhar com o que nos faz bem, com momentos que jamais nos serão roubados, que aliás podem ser lembranças e experiências felizes e outras nem tanto. “Quis ir atrás da força imperceptível que nos impulsiona e que nos define. Ela depende, naturalmente, da nossa história de vida, mas não é passadista: ela é a própria essência e a justificativa, embora ignorada, de toda ação presente e futura”, ensina Françoise.

Na edição brasileira, nas páginas finais os leitores são convidados pela Editora Valentina a criar sua própria lista do que representa o sal da vida. Para Françoise Héritier, são situações como: pular corda com duas amigas, adorar o Dr. House, sentir a terra girar debaixo dos pés ao olhar as nuvens, esperar a filha na saída da escola, manter a amizade como um compromisso, fazer uma joaninha andar no seu dedo, rever Butch Cassidy e Sundance Kid, dividir o prato no restaurante, enrubescer e se odiar por isso, beber no gargalo ou entornar a bebida na boca, ter a lourice artística e pálida de Tilda Swinton, colecionar Cahiers du Cinéma, não caber em si de contentamento diante de uma pequena vitória no uso do seu smartphone, sapecar uma beijoca no focinho de um gato que não ficou nada satisfeito, sonhar com um belo smoking Yves Saint Laurent, sentir as papilas se contraírem com o gengibre e catar vaga-lumes

Qual é a sua lista? A dona de casa Maria de Fátima Pereira, a aposentada Anita Carvalho do Carmo e o médico Bruno Squarcio Sanches elegem seus tópicos mais valiosos.

 

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Maria de Fátima Pereira, dona de casa: "Mel foi uma bênção para minha família. Nunca olhei para ela "como especial (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

O que realmente tem significado em sua vida? Você atribui valor no que realmente importa? O que lhe dá sabor? Chorar de tanto rir. Devorar um petit gâteau. O colo do pai que se foi. O banho de chuva naquela tarde de verão. O cheiro do empadão da avó. O gol inesquecível do pior jogador de seu time... Para a dona de casa Maria de Fátima Pereira, o sal de sua vida é Melissa, de 1 ano e 6 meses, uma pequena especial de quem é tia-avó. “Mel foi uma bênção para minha família. Nunca olhei para ela como especial, mas com um olhar comum, normal. É adorada, chamo sua atenção se preciso e dou todo o meu carinho.” Esse encontro mudou a visão da vida de Fátima, “porque nosso amor e gostar são recíprocos”. As segundas-feiras foram instituídas na família o “dia da tia” – é quando Mel deixa os pais para ficar com “Titi”, como a chama. “A casa fica feliz, alegre e todos chegam mais cedo só para curti-la.” Para a tia-avó-coruja, “Mel veio iluminada e todos nos apaixonamos por ela, que tem algo especial. Ela olha dentro dos nossos olhos e nos derrete. Sem falar que adora dar um abraço forte, apertado, que me

Fátima conta que seu amor por Melissa é o mesmo que sente pelas filhas e revela que aprendeu com a sobrinha “a olhar para o outro e, principalmente, para quem é especial. Antes, não os ‘via’. Agora, procuro por eles”. Esperta, aprendendo as coisas da primeira vez e atenta para repetir tudo que ouve, Mel “é a criança que dorme e acorda com um sorriso. É de bem com a vida, não é mal-humorada e interage com todos. Ela veio nos ensinar muitas coisas, mas principalmente o valor do amor. E alimenta minha alma. É gratificante fazer parte da sua vida, estar disponível e ajudá-la no seu desenvolvimento”. A relação dessas duas é tão forte que “às vezes, acordo com uma saudade que dói no peito e tenho de vê-la de qualquer jeito. E ela sente a mesma coisa. Tem dias que não consegue dormir, chora pedindo ‘Titi’ e só se acalma quando a mãe me coloca no telefone com ela. É apaixonante. Mel é o sal da terra. Tempero que só me ajuda”.

Euler Junior/EM/D.A Press
Anita Carvalho do Carmo reúne filhos, netos e bisnetos todos os domingos em sua casa. Na foto, ela recebe o carinho da filha Maria Nicolau ... (foto: Euler Junior/EM/D.A Press)


DANÇA O joelho com dor é o único incômodo. Chateia um pouco, já que deixou a dança de lado. Um tempero e tanto em 90 anos de vida, sabedoria de sobra, alegria de viver e sempre pronta a ajudar. Anita Carvalho do Carmo é assim: 13 filhos e mais um bocado de netos, 55, e bisnetos, 19. “O verdadeiro sal da vida é a família. Mas com ela há agregados, como o samba e o carnaval, que me fazem felizes.” Para ela, nada se iguala ao almoço de domingo, com 50 integrantes do clã, no mínimo! “É ruim ficar sozinha. Gosto da casa cheia. Desde que perdi meu marido, há 30 anos, o domingo é sagrado. E se alguém não aparece, telefono para saber o que houve.” E nesse almoço, o inesquecível está no cheiro que aguça o paladar e atiça o apetite da famosa macarronada com frango. “Levanto cedo e preparo tudo. Nunca sai do cardápio.” Depois da comilança, ela conta que se delicia com a cena: “Os homens ao redor da churrasqueira falando cada vez mais alto e as mulheres jogando buraco. Fico só observando e agradeço cada momento”.

Todos os dias, antes do trabalho, os filhos que moram por perto não deixam de pedir a bênção à mãe. “É uma atenção, carinho. Hoje em dia essa atitude é rara.” Devota de Nossa Senhora de Sant’Ana, todo 26 de julho Anita reza o terço e levanta a bandeira no mastro do quintal. É dia de casa ainda mais cheia, com parentes e vizinhos e de rodada de “canjica e quentão. É tradição e está na família há 150 anos”.

Anita é querida por tanta gente e gosta tanto das pessoas que decidiu há mais de 30 anos se vestir de Mamãe Noel e distribuir presentes aos parentes, amigos, vizinhos e agregados. São mais de 200! “Começo a comprar em setembro. Fico feliz e me faz bem.” Generosa com conhecidos ou não, ela conta que “sempre tenho um prato de comida para morador de rua ou quem bate na minha porta. Para eles não dou presente, mas um dinheiro para dividirem. E tenho água gelada e cafezinho para os varredores de rua”.

Arquivo Pessoal
Há mais de 30 anos, Anita se veste de Mamãe Noel e distribui presentes para amigos, parentes e vizinhos (foto: Arquivo Pessoal)


Com gestos singelos, ela passa os dias de bem com a vida. Espanta as lamentações. Alegre, gosta de receber, conversar e rezar. “É um prazer e agradeço porque Deus me ajuda com força e saúde. Recebo tanto, não me custa dar um pouco em troca.”

MENINAS O médico Bruno Squarcio Sanches vive num mundo feminino. A mulher, Graziela, a filha, Maria Eliza, e a labrador Maria Eduarda. Cada uma, em pequenos e grandes gestos, o faz perceber diariamente a riqueza da vida. “Antes de minha filha, sem conhecer quem seria sua mãe, sabia que seria pai de uma menina chamada Maria Eliza. Chorei dentro da sala de ultrassonografia ao confirmar o sexo, defendi meu mestrado com minha mulher com sete semanas de gravidez, adiei o doutorado e há cinco anos me dedico a quem mais preenche minha existência. Maria Eliza mudou o eixo da minha vida.” Bruno revela que todos os dias fala para a filha: “Tenho um segredo para te falar. Ela responde: ‘Eu sei o que é, você me ama’. Ela é brincalhona, gosta de travessuras, risonha e sempre me divirto na sua companhia”.

Graziela, também médica, foi amiga por um ano até se tornar o grande amor. Tudo começou na época da residência médica, no Hospital Odilon Behrens. “Ela é companheira, parceira, sabe dos meus defeitos e é quem mais me conhece. Forte, bem-sucedida, me conquista a cada dia por saber ouvir meus problemas e, em vez de chorar comigo, tem a capacidade de me fazer seguir em frente, de apontar meus erros e dizer se estou agindo como vítima.”

À espera do segundo filho ou filha, Maria Eduarda também faz parte da família de Bruno. “Ela chegou na nossa casa com dois meses de casamento. Agora, aos 8 anos, adestrada, ainda é insaciável. Apesar dos ciúmes entre ela e Maria Eliza –, há disputa por atenção entre as duas –, Maria Eduarda deixa a Maria Eliza ‘cavalgar’ nela e é minha companheira todas as noites, quando estou comendo uma fruta. Fica rondando querendo ganhar, quem sabe, a casca. Às vezes, me rouba. Ela adora roçar minha pernas, é amorosa, festiva e todos os dias, às 5h30, me acorda para lhe dar a ração. Cutuca, lambe, pula em cima, só falta falar.”