Para psicoterapeuta, o sentido da vida está nas pequenas coisas do dia a dia

Celebrar o simples fato de existir. O que o faz se emocionar e lutar pelo melhor em sua vida? Para a psicoterapeuta da família Cláudia Prates, o sal da vida está nas coisa miúdas

por Lilian Monteiro 09/02/2014 07:53

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Jair Amaral/EM/D.A Press
A psicoterapeuta de família Cláudia Prates diz que o sal da vida está nas coisas miúdas, embora muitas vezes não seja fácil identificá-las (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
"O que tem valor na vida é o pequeno, o miúdo, que fica invisível aos nossos olhos. Como o amanhecer, um olhar atento, um gesto cuidadoso, o tempero de mãe, o apoio do pai, a lembrança da infância", é o que pensa e comprova, tanto na vida quanto na sala de seu consultório de psicoterapia, Cláudia Prates, psicoterapeuta de família. Para ela, o sal, o alho, a cebolinha da vida são essas coisas miúdas, tão fundamentais e valiosas. Mas ela avisa que não é simples identificá-las. Apesar de estar ao alcance de todos, só consegue quem tem sensibilidade e presença. "A vida corrida está nos endurecendo, separando, mas o fundamental desafio do ser humano é estar presente. Aliás, em 80%, 90% do dia temos atitudes e falas automáticas. Estamos vendo e ouvindo sem sentir."

Para a psicoterapeuta, estamos presentes de corpo, mas nossa consciência, atenção e concentração não ficam conosco porque a vida moderna nos rouba tempo e presença. Assim como a capacidade de ver e ouvir. Na análise de Cláudia, o mundo automático tem feito as pessoas perderem a noção. Ela revela a surpresa ao se deparar dias atrás com um aparelho que embala o bebê. "Aparelho sonoro, lúdico, que embala a criança, que vai ficar privada do calor do colo da mãe. Esse bebê está tendo a presença roubada. O calor do colo é o miúdo da vida." Para testar como seus pacientes se comportam, Cláudia conta que, às vezes, assim que chegam ao consultório ela pergunta: "O que chamou sua atenção no trajeto de carro até aqui?". A resposta? "Não sei. Não notei nada." Ou seja, o caminho foi feito no automático.

Apesar desse caos contemporâneo em que a maioria das pessoas está envolvida, Cláudia tranquiliza e avisa que há dois remédios. "Um dos recursos é a meditação, que traz a atenção de volta, a presença." Antídoto também que resgata a memória. "Muitos dizem que têm problema de memória, mas na verdade estão com dificuldade de registro. Se não registra, como vai se lembrar? Novamente, é a falta de presença." O outro remédio é "desacelerar, uma coisa de cada vez. E não fazer o jantar, cuidar da criança e atender o telefone ao mesmo tempo. Você vai dar conta das três tarefas, mas sem estar presente em nenhuma."

CHUVEIRO Uma boa dica de Cláudia para seus pacientes e que todos podem adotar é: "Debaixo do chuveiro, concentre-se no banho. Agora, se começar a pensar que roupa vai vestir ou qual o trajeto fará de carro, pare e comece de novo." E olha que há quem saia do box com o cabelo cheio de xampu, sem enxaguar. A cena pode ser cômica, mas no fundo é trágica.

Cláudia Prates enfatiza que a falta de tempo para dar valor e pensar no que é o sal da vida causa danos irremediáveis. E por um único motivo: a capacidade de amar tem como instrumento o contato, que só ocorre com a presença. "E a falta dela não é prejudicial apenas para a sobrevivência, mas para a nossa evolução, que ficará prejudicada. As pessoas estão perdendo o controle e a consciência do valor da presença." Ela enfatiza que é preciso cuidado e estar atento para fazer o diagnóstico: "A maioria está se isolando no preto e no branco e os detalhes são coloridos. Sem esse ingrediente não adianta nada. Tudo é precioso, do balbuciar da criança até o último suspiro e tudo se perde com a falta da presença."

Euler Junior/EM/D.A Press
A espiritualista Joana Angélica de Oliveira recomenda o filme Tempero da vida para pessoas interessadas em sentimentos como afeto e autorrespeito (foto: Euler Junior/EM/D.A Press)


Certas pessoas têm o dom de falar e a capacidade de emocionar quando pensam a respeito do comportamento intrínseco do ser humano. Assim é Joana Angélica de Oliveira. No currículo, matemática, física, professora, profissional do direito previdenciário, mas, acima de tudo, espiritualista. E como poucas, interpreta sobre o sal da vida de forma marcante. "Acredito ser o tempero do processo de compreensão da vida. Cada um tem o seu e cada caminho ocorre de um jeito. O sal nos permite enxergar que o tempero é uma escolha. É atitude, já que o nascer e o morrer são iguais. Então, o ato de escolher dar a minha vez no trânsito ou admirar o pôr do sol fazem sentido."

Em sua reflexão, Joana lembra que o sal, ao longo da história, é tão importante que, além de dar sabor, fez parte da barganha política, do poderio econômico, motivo de briga por monopólio, usado como insurreição, enfim, "quem toca o sal tem o dom de temperar com doçura ou de forma agressiva, já que o uso desordenado causa problemas de saúde. Se o levarmos para os relacionamentos e convivências, sabemos que a amizade que excede fica chata e, na quantidade certa, será a costura benfeita, como apreciar o amanhecer. O sal deve estar presente em nossas vidas sempre, na medida certa, porque não só deixa sabor na comida, como mata."

Joana indica o filme Tempero da vida, produção greco-turca de 2003 roteirizada e dirigida por Tassos Boulmetis, que retrata a magia da imaginação infantil transformada ao longo da vida por acontecimentos familiares e sociais. Enredo de uma trajetória. "É uma inter-relação do sentir, do afeto. O sal da vida tem de mexer com a sensibilidade e o autorrespeito. É preciso se doar, viver o que gosta, e não é utopia. Mas faz parte escolher um canto de leitura, outro para balançar, alguma coisa que o revigora, uma válvula de escape, seja tecer um cachecol, ter um tempo livre, fazer aula de canto. Tempero é hobby."

ALMA Para Joana, "a vida é um estado d’alma, não é um parque de diversões." Ela acha pertinente a comparação com os impérios, principalmente o romano, maior em poder e extensão. "Tudo nasce, cresce, tem o seu apogeu e o declínio porque é necessário. O revés da vida é uma oportunidade sempre, apesar de a maioria desconhecê-lo e vê-lo como sofrimento."

Ela lembra ainda que o uso descontrolado da tecnologia, que é necessária e tem o lado bom, é uma distorção que afeta a vida. "É preciso querer se conhecer. Um amigo já perguntou à mulher que dia ele vai tê-la de volta do WhatsApp! O tempero está distorcido, o sentimento de humanidade. É preciso querer conhecer, já que o ser só é respeitoso quando se conhece. Se não dá conta, procure ajuda no convívio e não nas redes sociais. O tempero da vida vai quebrar essa rede."

Como dica, Joana enfatiza que "tempero é compreensão que leva à reflexão e tomada de atitude. Quem tem sal na vida, tem saúde. Quem não tem, vive aos borbotões, porque não conhece o processo da vida, que é divino, que é seu Deus interior, seus sentimentos, qualquer coisa que o faça ter gratidão com a vida."