Pesquisa da UFMG mostra importância do sorriso nas relações sociais e na saúde física

Cientistas apontam como o estado dos dentes interfere na autoestima e facilita as relações. Especialistas alertam que os cuidados bucais vão além das questões estéticas. Protegem de doenças como o diabetes e a obesidade

por Correio Braziliense 06/02/2014 08:20

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Iano Andrade/CB/D.A Press
José Carlos decidiu colocar aparelho nos dentes depois que conseguiu um emprego com carteira assinada (foto: Iano Andrade/CB/D.A Press)
O rosto de uma pessoa tem papel significativo e influência direta nas relações sociais e na autoestima. Boa parte desse poder vem do sorriso, que, além de ser umas das principais maneiras utilizadas pelo ser humano para demonstrar alegria, funciona como uma espécie de cartão de visita. Resultados de uma pesquisa recente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) confirmam a tese. Ao estudar 1.612 jovens, os cientistas constataram que fraturas dentárias de grau mais elevado influenciam diretamente na qualidade de vida dos adolescentes e da família deles.

Os participantes foram selecionados por sorteio e, após serem avaliados, responderam a um questionário com perguntas sobre o impacto dos problemas bucais na qualidade de vida. “Os resultados mostraram que apenas fraturas mais graves provocaram impacto negativo. Isso ocorreu principalmente porque eram essas as que causavam algum prejuízo estético. Jovens com fraturas dentárias relataram maior dificuldade de sorrir e se mostraram preocupados com o que os outros pensavam”, explica a coordenadora da pesquisa, Cristiane Baccin Bendo, professora do Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UFMG.

Ter os dentes feios pode estigmatizar uma pessoa e afetar a autoestima, dificultando as relações profissionais e pessoais. Em março de 2012, quando se viu desse jeito, o empresário Carlos Roberto Ferraz, 63 anos, decidiu buscar uma solução para o problema. Ele usava dentadura superior e inferior havia 20 anos. “Um amigo me apresentou o Proesa. Após cerca de três meses, vários exames e consultas médicas, entrei na sala de cirurgia usando dentadura e saí com os pinos, que, logo mais, sustentaram toda a minha arcada dentária”, conta, referindo-se a um projeto social de reabilitação dentária desenvolvido em Brasília.

Nascido na década de 1950 em uma família com poucos recursos financeiros, Carlos Roberto define a vida antes do implante de uma forma que classifica como “sucinta e abrangente”. “Era terrível. A minha primeira extração foi aos 11 anos e já eram (dentes) definitivos. Naquela época, o jeito mais fácil de solucionar a maioria dos problemas na boca era mesmo arrancando. Desse jeito, cheguei aos 24 anos sem arcada dentária alguma. Foi quando comecei a usar a dentadura”, relata. Carlos não sorria direito por medo da prótese cair, além de sofrer dores sempre que tinha que mastigar algo mais consistente.

Proprietário de um quiosque no interior do Parque Ecológico de Águas Claras, ele sentia-se mal quando tinha que tratar com os clientes. “A mudança é mesmo muito grande, tanto na parte psíquica quanto na questão física. Além das relações profissionais que melhoraram muito. Passei a viver bem. Hoje, almoço com outras pessoas e até para beijar ficou melhor”, brinca.

De acordo com Cristiane Baccin Bendo, de maneira geral, com a recuperação dos dentes, há uma melhora na qualidade de vida dos indivíduos. Isso porque há a resolução de problemas que dificultavam atividades rotineiras, como comer, dormir e namorar. “O mesmo ocorre após o uso do aparelho ortodôntico, pois o alinhamento dos dentes geralmente traz satisfação com a estética do sorriso”, diz.

Ed Alves/CB/D.A Press
Carlos Roberto usou dentadura durante 20 anos. Agora, comemora o implante dentário: "Hoje, almoço com outras pessoas e até para beijar ficou melhor" (foto: Ed Alves/CB/D.A Press)
Falta prevenção

O dentista Marco Antônio Cançado, especialista em implantodontia, prótese dentária e dentística, é o criador e responsável pelo projeto que tanto ajudou o empresário Carlos Roberto. Segundo ele, a falta de conhecimento e o descuido geram situações de desconforto dentário aos pacientes, que só costumam recorrer aos consultórios odontológicos depois da existência do problema. “Chega um momento em que a pessoa olha no espelho e não consegue mais conviver com a dentadura ou com os poucos dentes que restam.” Ele conta o caso de uma paciente recente. Integrante do coral da igreja, ela foi surpreendida pela queda da dentadura que usava bem no meio de uma apresentação. “No dia seguinte, ela estava aqui procurando um implante.”

Cançado reforça a importância de desmitificar o fato de que a saúde bucal está diretamente relacionada à situação econômica de determinada região. Segundo ele, o Brasil conseguiu diminuir muito o índice de cáries por habitante após a criação da política pública para a adição de flúor à água da torneira. “Apesar da falta de um sistema público de assistência odontológica realmente eficaz, que disponibilize acesso ao dentista a quem precisa, o brasileiro médio tem a boca relativamente saudável”, afirma.

Em 2010, o país tinha 19% dos dentistas do mundo, segundo o livro Perfil atual e tendência do cirurgião-dentista brasileiro”, lançado no Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo daquele ano. Esse recorde, no entanto, não se reflete no acesso de boa parte da população aos serviços odontológicos. Cerca de 60% desses profissionais concentram-se na Região Sudeste, além de dois terços do total trabalharem como autônomos, por meio de atendimento particulares.

Prejudicado pelas estatísticas, o porteiro José Carlos Silva de Oliveira, 33 anos, morador de Arapoanga, tratou de cuidar dos dentes assim que foi contratado com carteira assinada, em julho do ano passado. Saiu em busca de uma solução que o incomodava havia mais de 10 anos. “Já tinha algum tempo que eu percebia que minha aparência não andava legal. A questão é que, como meu maior problema era na parte inferior da boca, só fui perceber como meus dentes estavam de fato quando cheguei ao dentista”, lembra.

No caso de José Carlos, não havia dor nem incômodo. A decisão de usar o aparelho ortodôntico foi estritamente estética. “A minha boca foi se adaptando, sem eu perceber, para sempre esconder os dentes que estavam tortos. Percebi que estava ficando com a boca fechada por muito tempo e que tinha achado um jeito de sorrir sem mostrar a parte de baixo da boca. Isso tudo porque eu mesmo me cobrava, me questionava e não gostava”, conta. Segundo o porteiro, não há previsão para o fim do tratamento. Ainda assim, mesmo tendo que comprometer parte do salário com a manutenção do aparelho, o tratamento vale a pena.

Segundo Bendo, outros estudos têm revelado que alterações bucais importantes, como o tratamento de lesões de cárie dentárias, dentes fraturados por traumatismos e fora de posição provocam impacto negativo na qualidade de vida das pessoas. “Qualquer um desses problemas bucais pode ocasionar um prejuízo na aparência. O sorriso desempenha um papel importante no bem-estar emocional e, consequentemente, nas interações sociais dos indivíduos.”

Tratamento acessível
A ideia do Projeto de Odontologia Social Comunitária (Proesa) é possibilitar a reabilitação de pacientes que perderam todos ou quase todos os dentes por meio do uso de implantes de titânio, devolvendo a função mastigatória e estética e, principalmente, proporcionando cidadania e inclusão social aos participantes. Desde a inauguração do projeto, QUANDO, foram mais de 1.200 beneficiados. Parte dos custos dos tratamentos é patrocinado pelos parceiros do projeto, entre eles, empresários, fornecedores de materiais dentários e indústrias, cabendo ao paciente somente os custos operacionais.
Para mais informações acesse www.proesa.org ou ligue 3047-2608

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
A influência da alimentação

A alimentação tem um papel fundamental no estabelecimento da saúde bucal. O excesso de alimentos doces, além de favorecer o aparecimento de lesões de cárie, é responsável por outras doenças graves e muito prevalentes nos dias de hoje, como diabetes, problemas de coração e obesidade. Por isso, a necessidade de evitar a ingestão em excesso de balas, chocolate, refrigerantes e doces em geral. Em relação a crianças e adolescentes, a supervisão dos pais é de extrema importância para a manutenção da saúde bucal dos filhos. Crianças com até 6 anos não possuem coordenação motora suficiente para fazer a higiene bucal sozinhas. Portanto, esses cuidados devem ser feitos pelos pais ou responsáveis pelo menos uma vez ao dia. Acima dessa idade, os pais devem supervisionar se a criança está escovando os dentes e passando fio dental de maneira adequada e suficiente. A higiene bucal deve ser realizada 3 vezes ao dia, após as principais refeições. Lembrando que escovar os dentes antes de dormir é fundamental, pois a quantidade de saliva na boca fica reduzida durante a noite, o que favorece a ocorrência de cárie.

Cristiane Baccin Bendo,
professora do Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UFMG


Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Exageros na adolescência

Crianças e adolescentes são, provavelmente, aqueles que mais sofrem com problemas na arcada dentária. Isso se explica pelo simples fato de que os dentes deles ainda estão crescendo e se adaptando à estrutura óssea. O convívio social e a necessidade de se enquadrar em um padrão básico de beleza, que inclui, além de diversas outras características, um sorriso ideal, fazem com que os mais jovens fiquem ainda mais preocupados em corrigir problemas que poderiam ser solucionados com o simples passar do tempo.

Para o psicólogo João Claudio Santini, é importante que os pais acompanhem de perto as mudanças na aparência dos filhos, mas sempre tendo a consciência de que muitas características são mutáveis e circunstanciais. “A adolescência é o período em que aflora a busca por objetivos e, com isso, começa uma espécie de competição. Aí, surgem os pequenos preconceitos e as diferenças começam a ser notadas e faladas”, diz. Santini alerta para o fato de que, mesmo com a cobrança dos jovens e o risco de bullying, às vezes, a melhor solução é a procura por um tratamento psicológico.

O tratamento estético para crianças e adolescentes não é recomendado por diversos dentistas. A ideia é que os pequenos somente usem aparelho ou sofram intervenções quando forem realmente necessárias. Foi diante dessas recomendações que Joana Sodré, 17 anos, colocou aparelho nos dentes aos 11. “Lembro que não conseguia encaixar a arcada superior com a mandíbula. A princípio, não me incomodava. Nem queria colocar o aparelho somente por conta disso. Só que eu tinha muita dor de cabeça e o médico descobriu que a causa estava na minha mordida”, relata.

Após a descoberta, os pais de Joana, que tinha um sorriso aparentemente perfeito, começaram a árdua tarefa de tentar convencê-la a aceitar a instalação do aparelho. “Foi difícil fazer com que uma criança de 11 anos aceitasse se sacrificar por algo que só traria resultados no futuro”, conta Melissa Sodré, mãe de Joana.

Joana submeteu-se à intervenção e, em apenas dois anos, já colhia os resultados. “Tinha o sorriso mais bonito da escola”, orgulha-se. A adolescente gostou tanto do resultado que planeja novos tratamentos. Da próxima vez, estéticos. “Acho que dá para melhorar um pouquinho, juntar um pouco mais meus dentes para ficar com um sorriso ideal. Mas não pretendo fazer isso por agora”, diz. Os pais não veem necessidade para isso. Para eles, por mais clichê que pareça, o sorriso da filha é perfeito.