Experimento mostra que placebo pode reduzir até 50% da dor

Em experimento, voluntários relataram melhora em crise de enxaqueca mesmo tendo ingerido conscientemente comprimidos inativos

por Bruna Sensêve 09/01/2014 10:30

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Comprovado cientificamente, o efeito placebo está centrado na ideia de que as expectativas e as crenças do paciente podem promover mudanças biológicas a favor da cura de enfermidades. Há confirmações de resultados de melhoras em diferentes doenças com o uso de droga inativa ou a simulação de um procedimento médico. Os mecanismos biológicos que atuam nesse processo ainda são parcialmente desconhecidos. Novos dados divulgados hoje na revista científica Science Translational Medicine prometem dar mais um nó na cabeça dos pesquisadores. Voluntários com enxaqueca ingeriram placebo cientes de que as pílulas não tinham o remédio que aliviaria a crise, ainda assim, relataram progressos.

Curiosamente, a eficácia do tratamento foi similar entre os voluntários que tomaram a medicação pensando ser placebo e os que ingeriram placebo imaginando ser o remédio contra o problema. Resultados como esses levaram os pesquisadores a concluir que as expectativas do paciente, sejam elas positivas, negativas ou neutras, influenciam os efeitos terapêuticos tanto do medicamento quanto do placebo. Em particular, eles sugerem que uma mensagem positiva com o ritual de ingestão do comprimido pode influenciar a eficácia dos cuidados médicos.

CB / DA Press
Resultados como esses levaram os pesquisadores a concluir que as expectativas do paciente, sejam elas positivas, negativas ou neutras, influenciam os efeitos terapêuticos tanto do medicamento quanto do placebo (foto: CB / DA Press)
As conclusões retiradas do estudo liderado por médicos do Centro Médico Beth Israel Deaconess, da Escola de Medicina de Harvard, tiveram como base a observação de 66 pacientes. No total, os voluntários relataram mais de 450 ataques de enxaqueca — que podem ser comumente definidos como dores de cabeça latejantes, acompanhadas algumas vezes de náusea, vômito e sensibilidade à luz e ao som. Inicialmente, cada voluntário passou por uma primeira crise que não foi tratada e descreveu a dor e os sintomas 30 minutos e duas horas após o problema. Em seguida, foram entregues aos participantes seis envelopes, cada um com um comprimido. As pílulas deveriam ser tomadas imediatamente após o início das seis crises subsequentes.

Cada pacote continha um tratamento diferente e um rótulo que indicava o conteúdo dele. Dois tinham o objetivo de gerar expectativas positivas no paciente por meio do rótulo com o nome rizatriptano (substância tradicionalmente prescrita contra a enxaqueca), ainda que só um deles portasse a terapia real e outro, placebo. Outros dois levavam as expectativas negativas com a etiqueta de que eram placebo e a outra dupla de envelopes era neutra, levando o nome de rizatriptano e placebo.

Em cada uma das três situações — positiva, negativa ou neutra —, um dos dois envelopes continha o remédio, e outro, placebo, independentemente do que o rótulo apontava. Os relatos das seis crises seguintes foram feitos nos mesmos moldes da primeira descrição. De acordo com os dados recolhidos pela equipe de médicos, o reforço positivo aumentou a eficácia da terapia quando realizada tanto por placebo quanto por remédio.

Nova terapêutica
Outro resultado surpreendeu ainda mais o time norte-americano: os participantes que receberam o placebo e sabiam disso narraram um alívio da dor se comparados ao primeiro momento em que não foram submetidos a tratamento. “Ao contrário da sabedoria convencional de que os pacientes respondem ao placebo porque pensam que estão recebendo uma droga ativa, nossos achados reforçam a ideia de que o tratamento placebo aberto pode ter um benefício terapêutico”, afirmam os autores. Eles reforçam que novas pesquisas precisam ser feitas para explorar as formas de aplicação dessas descobertas na clínica médica e, no futuro, usar esses conhecimentos para turbinar o potencial terapêutico de tratamentos medicamentosos.

Segundo Ted Kaptchuk, professor da Escola de Medicina de Harvard e um dos autores do estudo, o trabalho desenrola e redefine os efeitos clínicos do placebo e da medicação. “Mesmo que o rizatriptano tenha sido superior ao placebo em termos de aliviar a dor, verificou-se que, em cada uma das três mensagens, o efeito placebo foi responsável por pelo menos 50% de alívio geral da dor. Quando, por exemplo, o rizatriptano foi batizado de rizatriptano, os sujeitos relataram alívio da dor duas vezes maior em comparação à situação em que o remédio foi batizado de placebo. Isso nos diz que a eficácia de um bom medicamento pode ser duplicada, aumentando o efeito placebo.”

Efeito mental
Para o neurologista do Hospital Santa Helena e da Academia Brasileira de Neurologia Cláudio Carneiro, a eficácia do efeito placebo por si só já é conhecida. Só de tomar um comprimido, mesmo que ele seja de farinha, o paciente pode ter uma melhora de até 30%. “A pessoa toma o remédio e parece que a dor melhora, mas, na verdade, é a mente que faz com que ela fique mais resistente à dor ao tomar o placebo. A dor permanece”, analisa.

Carneiro reforça que os resultados encontrados pelos médicos norte-americanos indicam uma nova faceta desse efeito. “Mostram que a mente da pessoa é influenciada pelo ato de tomar o remédio, independentemente de qual remédio é”, diz. O neurologista compara os resultados quando o remédio é ingerido com consciência do fator terapêutico e sem. Ao saber que se trata de uma medicação eficaz, o efeito dela dobra. “Esse fator já é observado na clínica médica. Um paciente que está mais seguro com o tratamento, que teve uma explicação melhor sobre a medicação, vai ter um prognóstico melhor.”
Arte: Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Arte: Soraia Piva / EM / DA Press)

A força da consulta
“Os resultados sobre o poder das mensagens positivas mostram também a importância da relação médico/paciente. A forma como o médico se posiciona diante do doente, positiva ou negativamente, influencia. Um médico com problemas pessoais, por exemplo, ao conversar com um paciente pode achar que tudo piora, dando uma expectativa negativa à pessoa que o procurou. Quando ele está bem consigo mesmo, a situação pode até parecer mais simples, levando a uma expectativa positiva para o doente. Isso envolve algo chamado carisma médico. Tem paciente que toma o medicamento certinho e não melhora. O profissional prescreve o mesmo medicamento de forma magistral e o resultado é bom. Isso envolve a fé e a confiança que a pessoa tem no médico. Depende sempre da maneira como é enfocado o problema. Precisa-se que haja otimismo, perspectiva de cura. É um conjunto de dados que promove a cura.”

Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e diretor da Escola Paulista de Medicina