Uso exagerado de smartphones interfere no desempenho escolar, diz estudo

Estudo com 500 universitários dos Estados Unidos comprovou que o uso exagerado de smartphones interfere no desempenho escolar e no sentimento de satisfação com a vida, além de elevar o nível de ansiedade

por Bruna Sensêve 30/12/2013 08:00

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“Algumas vezes, o celular só faz com que eu me sinta em um mundo todo novo de obrigações que eu tenho porque qualquer um pode entrar em contato comigo a qualquer momento, basta pensar em mim. Se minha mãe quiser me ligar agora e falar só por um segundo, ela pode. E, se eu não ligar de volta até o fim do dia, ela vai ficar preocupada.” O relato foi feito por uma participante não identificada do estudo conduzido pelo professor Andrew Lepp, da Universidade de Kent State, nos Estados Unidos. Os sinais claros de ansiedade demonstrados por ela são apenas um dos resultados encontrados pela equipe de cientistas. Eles avaliaram também a relação do uso de smartphones com o desempenho escolar e a satisfação de 500 universitários com a própria vida.

O trabalho, divulgado neste mês na publicação científica Computer in Human Behavior, apresentou dados que ligam o uso frequente dos modernos aparelhos móveis de telefonia a um alto nível de ansiedade, ao desempenho escolar inferior e a taxas de satisfação com a vida ou felicidade autorrelatadas também menores. Para chegar a esses dados, eles gravaram o uso diário do smartphone pelas cinco centenas de estudantes, assim como mediram clinicamente os níveis de ansiedade e de felicidade de cada estudante. No fim do trabalho, todos os participantes permitiram que fossem acessados também os registros universitários oficiais, nos quais foram obtidas as notas médias acumulativas.

Em média, os estudantes relataram gastar 278,67 minutos por dia (mais de quatro horas e meia) usando telefones celulares e outros 76,68 minutos diariamente enviando mensagens de texto. Se a média de uso já chama atenção, vale a pena revelar que o máximo relatado por alguns deles chega a 915 minutos ao telefone (15,25 horas) e 450 minutos (7,5 horas) com mensagens.

Lepp acredita que usuários de alta frequência gastam menos tempo focados em atividades acadêmicas – frequentando as aulas, completando tarefas de casa e estudando – porque uma parte maior do tempo deles é consumida pelo telefone. “Pesquisas anteriores feitas pelo nosso grupo já sugerem que essas pessoas também são menos ativas fisicamente e mais sedentárias que os usuários de baixa frequência.” Isso devido ao convite sempre presente do celular para sentar e jogar.

Uma explicação complementar seria que os usuários de alta frequência são mais propensos a mexer no telefone durante atividades acadêmicas, em sala de aula ou estudando – comportamentos que conhecidamente diminuem o desempenho acadêmico. Os pesquisadores descrevem que a ansiedade percebida nesses estudantes pode ser “resultado de uma obrigação percebida e, talvez, esmagadora de permanecer constantemente ligado a várias redes sociais”. Como o celular está sempre presente, pode ser difícil para alguns desconectar e encontrar a solidão necessária para escapar temporariamente dessas obrigações percebidas. “Solidão ocasional pode ser um componente importante do bem-estar e um antídoto para as pressões da vida diária”, argumenta Lepp.


Impaciência
A psicóloga do Núcleo da Pesquisa de Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (NPPI/PUC-SP) Luciana Ruffo aponta que é complicado definir exatamente qual das condições vem primeiro. Se é o comportamento de ansiedade que leva ao uso do smartphone ou se é o smartphone que faz com que a pessoa tenha essa piora de rendimento. “Percebemos mais que é um comportamento já preexistente na pessoa. O smartphone acaba se tornando uma válvula de escape para um determinado comportamento que já está ocorrendo há algum tempo.” No entanto, ela pondera que, assim como a estudante angustiada com a necessidade de responder à mãe ao telefone, o celular traz essa sensação de emergência que pode ser aflitiva.

“Como se eu precisasse responder sempre rapidamente porque o outro fica esperando. Como o telefone é algo que está sempre à mão, o outro espera que essa mensagem seja imediata.” Luciana lembra que, pouco tempo atrás, quando eram enviadas cartas, as pessoas esperavam quase um mês por uma resposta pacientemente. “Hoje, se manda um e-mail de manhã e a pessoa não respondeu até de tarde, você acha que tem algum problema.” Essa urgência que veio com a velocidade que a tecnologia traz é impressionante para a professora. “Parece que as pessoas perderam a noção do tempo, no sentido de esperar. E o telefone é algo que contribui para isso.” Por imaginar que a pessoa viu a mensagem e não respondeu, uma onda de questionamentos é imediatamente gerada. “A cobrança da resposta imediata faz com que em qualquer lugar o telefone esteja sempre à mão.”

Intervenções
Segundo o pesquisador norte-americano, políticas sobre o uso adequado dos celulares em ambientes educacionais precisam ser cuidadosamente consideradas. O desenvolvimento e o teste de intervenções destinadas a reduzir o uso dos artefatos entre os universitários se justificam pelas evidências de que a combinação está associada negativamente com o desempenho acadêmico, bem como com a saúde mental e física.

Uma pesquisa liderada por Michael Clayton, da Universidade de Jacksonville State, teve sucesso ao posicionar uma placa em uma das vias da universidade com os dizeres: “Por favor, desligue, eu me importo”. O número de motoristas que cumpriu o que dizia a placa foi alto. O uso de telefone celular durante a condução aumenta taxas de acidentes e leva a 2.600 mortes somente nos Estados Unidos a cada ano. “Em câmpus universitários, testar a eficácia de intervenções destinadas a reduzir o uso de telefone celular em sala de aula seria um ponto de partida lógico”, enfatiza Andrew Lepp.

Nessa mesma direção, o dono do restaurante Abu Ghosh, em uma aldeia árabe próxima a Jerusalém, chamou a atenção do mundo a propor um veto aos smartphones na hora das refeições. Jawdat Ibrahim anunciou, no fim do mês passado, que será dado um desconto de 50% aos clientes que desligarem os aparelhos. Ibrahim acredita que a tecnologia dos telefones altamente equipados com redes sociais e internet está destruindo a cultura culinária. Ele declarou à imprensa ficar espantado com grupos de amigos ou casais sentados em silêncio, concentrados nos celulares, até pedir que os pratos fossem esquentados novamente.

O empresário, no entanto, não é o primeiro a tentar conter a febre dos smartphones. Com descontos definitivamente menores, donos de restaurantes em diversos países buscam bloquear a entrada do vício virtual em seus estabelecimentos. Alguns, inclusive, chegaram a proibir o uso do aparelho. No Brasil, circulou nas redes sociais estímulo parecido. Em um bar não identificado, o internauta flagrou uma placa escrita à mão: “Não temos wi-fi, conversem entre vocês”.

Sedentários
No início deste ano, uma equipe liderada por Lepp e Jacob Barkley, também da Universidade de Kent State, identificou uma relação negativa entre o uso de telefone celular e a aptidão cardiorrespiratória. Os dados encontrados durante o trabalho, publicado no International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, mostraram que os usuários de alta frequência eram mais propensos a deixar de praticar a atividade física para usar os celulares. Em segundo lugar, os usuários de baixa frequência relataram uma ligação a grupos ativos por meio dos telefones e citaram isso como uma motivação para a atividade física. Por último, os altos níveis de uso dos aparelhos indicaram um padrão mais amplo de comportamentos sedentários, como assistir à televisão.


Da solidão à compulsividade
Ursula Oberst, da Faculdade Blanquerna de Psicologia, Ciências da Educação e do Esporte, da Universidade ramon Llull, em Barcelona
“Há uma quantidade crescente de literatura científica sobre o impacto das novas tecnologias na área da saúde mental e como os exageros podem produzir sintomas de sofrimento psíquico ou distúrbios. Entre os resultados, encontraram uma correlação significativa entre o grau de dependência da internet e estados psicológicos negativos, como a solidão, a depressão e o comportamento compulsivo; uma associação entre a utilização da internet patológica e autoestima; e entre o uso do computador compulsivo e diferentes sintomas psiquiátricos, assim como estresse emocional geral. Em um estudo recente, os adolescentes com alto uso da internet apresentaram mais psicopatologia em relação a seus pares com baixa utilização. Os autores descobriram que os adolescentes viciados na internet, bem como aqueles com problemas de uso de substâncias, apresentaram valores significativamente mais elevados nos índices de patologia globais e em outras dimensões, como hostilidade, depressão, ansiedade fóbica e sintomas adicionais.”