Imunoterapia é grande aposta contra o câncer no pulmão

A imunoterapia, que potencializa as células de defesa do paciente, é a estratégia dos médicos para conter o tumor cuja incidência cresce 2% ao ano no mundo. Aumento da sobrevida e redução dos efeitos colaterais estão entre os benefícios da técnica

por Paloma Oliveto 02/12/2013 15:00

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Rio de Janeiro — O ano era 1891 e o cirurgião William B. Coley se viu diante de um caso aparentemente perdido. Seu paciente tinha um tumor ósseo inoperável e provavelmente teria morrido não fosse uma ideia brilhante que passou pela cabeça do chefe dos Serviços de Tumores do Hospital Memorial de Nova York. Havia muito pouco, Robert Koch provara a existência das bactérias, as relacionando a uma série de infecções. Com a compreensão de que o processo inflamatório nada mais era do que o organismo superativando seu sistema de defesa contra agentes externos, Coley imaginou que poderia estimular o corpo a destruir as células cancerosas. Ele injetou estreptococos no paciente, e o resultado foi o encolhimento do tumor. Até o fim da vida, o cirurgião trataria mais de mil pessoas com essa técnica.

Passado mais de um século, a imunoterapia — extremamente desacreditada pelos pares de Coley — foi considerada a grande aposta do combate ao câncer pela revista Science, uma das mais importantes publicações científicas do mundo. É claro que hoje ninguém injeta bactérias nos pacientes. Com um conceito renovado, o tratamento, que chegou ao Brasil há dois meses, acorda as células de defesa, enganadas pelas cancerosas (veja arte), permitindo ao sistema imunológico fazer o seu trabalho de forma apropriada. Uma das áreas mais promissoras é o combate ao câncer de pulmão de células não pequenas, doença que tem mortalidade maior que os tumores de mama, próstata e colorretal juntos.

“Durante décadas, a intenção da imunoterapia na oncologia era estimular a produção de células-T (de defesa). Agora, o que essas novas classes de moléculas fazem é bloquear os mecanismos que as células cancerosas usam para se esconder”, explica Rogério C. Lilenbaum, chefe do Centro de Câncer em Yale, nos Estados Unidos. Na semana passada, o carioca, um dos maiores especialistas mundiais em câncer de pulmão, esteve no V Congresso Internacional de Oncologia D’Or, no Rio de Janeiro, onde foram discutidos os avanços da imunoterapia.

O tratamento, embora promissor, ainda tem custo altíssimo (o preço de uma dose fica em torno de US$ 30 mil) e está distante dos usuários do Sistema Único de Saúde. Apesar desses impeditivos, os médicos estão otimistas com os resultados das pesquisas, que indicam não só uma sobrevida maior, mas efeitos colaterais menos tóxicos que os da quimioterapia. “Estamos vendo para o câncer de pulmão um resultado que não tínhamos há muito tempo”, conta o oncologista Lucianno Santos, da Clínica Acreditar, de Brasília, que integra o Grupo Oncologia D’Or.

Valdo Virgo / CB / D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Valdo Virgo / CB / D.A Press)


Chegando ao Brasil
Por enquanto, a imunoterapia não vai substituir a químio. No Brasil, o único medicamento aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para câncer de pulmão é o nivolumabe, indicado também para melanoma. No caso do câncer de pele, ele pode ser usado como primeira opção de tratamento. Contudo, nos tumores torácicos, a indicação é para segunda linha, ou seja, para o paciente com câncer localmente avançado ou metastático que não respondeu à quimioterapia. No mercado brasileiro, há outra imunoterapia oncológica disponível, o pembrolizumabe, que, por ora, só tem aprovação para pacientes de melanoma.

Já nos Estados Unidos, além do nivolumabe, o pembrolizumabe é utilizado no tratamento de câncer de pulmão. Essa última molécula acabou de receber indicação para primeira linha, no caso de tumores com presença da proteína PD-L1 em pelo menos 50% das células tumorais. A proteína é expressa pelo câncer para “cegar” os linfócitos T, que compõem o sistema imunológico. “As pesquisas mostraram um aumento enorme da sobrevida, comparado à quimioterapia”, conta Lilenbaum.

Nos estudos, os pacientes que utilizaram a imunoterapia viveram 10,3 meses, sem progressão da doença, contra seis meses no caso dos submetidos aos quimioterápicos. A sobrevida geral também foi prolongada: 80% dos indivíduos do primeiro grupo estavam vivos seis meses depois do início do tratamento, comparado a 72% do segundo. Há duas semanas, os EUA aprovaram mais uma imunoterapia para câncer de pulmão, o atezolizumabe, também indicado como segunda linha de tratamento. As pesquisas mostraram que a sobrevida dos pacientes aumentou em quatro meses, comparado à químio.

O oncologista Lucianno Santos ressalta que, embora muito promissora, a imunoterapia para câncer de pulmão não é para todos os pacientes, pois eles precisam ter marcadores tumorais específicos. Também lembra que, apesar de não provocar os efeitos colaterais característicos da quimioterapia, como enjoo e queda de cabelo, o novo tratamento também pode desencadear reações adversas. “Os efeitos colaterais estão relacionados à hiperestimulação do sistema imunológico. Ela pode gerar pneumonia, colite e hipertireoidismo, que são toxidades que a quimioterapia não tem. Em algumas situações raras, a gente tem de parar o tratamento”, alerta. Contudo, o médico está otimista. “Hoje, na Acreditar, temos aproximadamente 10 pacientes em tratamento. Para alguns, infelizmente, não funcionou. Mas, no grupo em que funciona, funciona muito bem.”


Carlos Gil Ferreira, diretor institucional do Grupo Oncologia D'O

O que faz do câncer de pulmão um bom alvo para a imunoterapia?
Na verdade, é tudo muito novo, mas o que a gente começa a entender é que os tumores que mais respondem à imunoterapia são aqueles com um acúmulo de mutações genômicas muito alto. Ou seja, tumores mais complexos, como melanoma e câncer de pulmão. Foi feito um estudo comparando carga de mutação entre vários tumores. Os de mama, por exemplo, têm uma baixa taxa de mutação e tendem a não responder. O câncer de pulmão é dividido em dois tipos. O no fumante, por causa de todos os danos causados pelo cigarro, tende a ter um grande acúmulo de mutação, que acaba predispondo a resposta à imunoterapia. Já o câncer de pulmão do não fumante tem mutações menores e, geralmente, os pacientes respondem menos à imunoterapia. Então, o grande desafio dos próximos anos talvez seja ter testes para identificar realmente aqueles pacientes que podem se beneficiar da imunoterapia e, a partir dali, você poder otimizar o uso de uma terapia de alto custo.

Podemos falar em cura?

Os resultados são bons, mas, se a gente for realista, em torno de 20% só dos pacientes se beneficiam. E não estamos falando de cura. Mas, mesmo assim, é um grande avanço. Eu acho que, quando a gente fala da imunoterapia atual, talvez a combinação de estratégias na próxima década fará um controle por tempo indeterminado. Se esse controle significa a cura, só o tempo vai dizer. Existe uma estratégia americana para se tentar, por meio de combinações de imunoterapia, que, em 2020, a gente tenha a possibilidade de dizer que alguns pacientes serão curados ou controlados cronicamente. Espero que isso seja realidade.

Como está a imunoterapia no Brasil?
Um dos anticorpos, o nivolumabe, foi aprovado dois meses atrás. Tem sido pago pelos planos de saúde como tratamento de segunda linha no sistema privado. O grande desafio que a gente tem é como conseguir fazer a imunoterapia ser acessível no Sistema Único de Saúde. A não ser que aconteça uma grande mudança no sistema e na relação entre a indústria farmacêutica e o governo, acho pouco provável que a imunoterapia vá se tornar palpável no SUS, pelo menos até a próxima década.

* A repórter viajou a convite da  Oncologia D’Or