Viciados em cocaína buscam novas doses da droga para evitar a tristeza

Estudo sugere que dependentes de cocaína buscam novas doses não só porque desejam experimentar mais uma vez a sensação de euforia que a droga proporciona, mas também para evitar os efeitos desagradáveis que se seguem ao uso

por Paloma Oliveto 23/11/2013 16:00

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Primeiro, vem a euforia. A autoestima, então, se eleva, acompanhando a sensação de prazer intenso. Para completar, a sociabilidade vai às alturas: a pessoa torna-se falante, desembaraçada, cheia de energia para compartilhar com o grupo. Mas tudo isso tem prazo de validade. Passado o período de euforia ou de intoxicação, o lado sombrio da cocaína se apodera da mente e do corpo. Usuários descrevem o momento como um turbilhão de emoções negativas: ansiedade, paranoia, ataque de pânico, nervosismo, cansaço extremo, irritabilidade e medo. Os efeitos ruins só passam com a próxima dose e, cada vez mais, são necessários intervalos menores e quantidades maiores para satisfazer o usuário.

O ciclo do vício tem sido explicado, tradicionalmente, como uma busca pelas sensações positivas desencadeadas pela cocaína logo após o consumo. Essa percepção norteia as pesquisas que visam aprimorar os tratamentos para a dependência química. Depois de mais de uma década estudando o comportamento fisiológico do vício, contudo, o psiquiatra Mark West, professor da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, oferece outra explicação. Em um artigo publicado na revista Psychopharmacology, ele defende que, antes de buscar na droga a explosão de alegria, os usuários recorrentes voltam à cocaína porque querem combater as sensações desagradáveis que seguem o período de intoxicação.

Anderson Araújo/Valdo Virgo/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Anderson Araújo/Valdo Virgo/D.A Press)
“Nós sabemos que, assim como outras drogas, a cocaína age em circuitos cerebrais associados à recompensa. A ativação dessas redes é responsável pela experiência prazerosa desencadeada pelo entorpecente”, explica West. De acordo com ele, a busca por fármacos capazes de enfrentar a dependência, seja em cocaína, seja em tabaco, leva em consideração o bloqueio desses circuitos. Sem desencadear os efeitos estimulantes, a droga perderia a graça. West concorda com a abordagem, mas acredita que os cientistas também precisam desenvolver estratégias que lidem com os sintomas ruins que surgem depois da fase de intoxicação. “Os dependentes químicos podem acabar num ciclo em que buscam cada vez mais a droga, não porque querem passar de novo pela euforia característica, mas por tentarem evitar desesperadamente a fase de baixos emocionais”, defende.

Na pesquisa da Universidade de Rutgers, o cientista e colegas analisaram as vocalizações ultrassônicas de ratos expostos à cocaína. Os roedores emitem sons imperceptíveis aos ouvidos humanos, mas que podem ser medidos por equipamentos especiais. Dependendo da faixa de frequência, é possível saber o estado emocional do animal, se positivo ou negativo. Além de capturar as vocalizações das cobaias, os pesquisadores fizeram testes de sangue para avaliar a quantidade de droga consumida por eles.

Os especialistas constataram que, nos primeiros 35 a 40 minutos depois do consumo, os ratos emitiam vocalizações associadas a um estado positivo. Depois desse período, a droga continuava a circular no organismo, mas os bichos não demonstravam, pelos sons, nem euforia nem ansiedade. “Contudo, quando os níveis de droga caíam para quase zero, eles começavam a emitir vocalizações que estão de acordo com uma sensação negativa. Nesse momento, passavam a procurar mais droga, desesperadamente”, conta David Barker, aluno de pós-graduação de Mark West, que também assina o artigo. “Sem dúvida, isso pode nos ensinar sobre o tratamento da dependência química em humanos. Se levarmos o resultado do estudo em consideração, poderemos ter avanços no desenvolvimento de terapias farmacológicas ou comportamentais”, acredita.

Barker cita um estudo publicado, há quatro meses, pelo Instituto de Pesquisa The Scripps, da Califórnia. Partindo do princípio de que o vício é desencadeado pela tentativa de compensar as sensações ruins, mais do que atingir um estado eufórico, os cientistas realizaram um experimento no qual conseguiram controlar a busca pela cocaína. Com exames de imagem, eles encontraram sinais da abstinência em circuitos da amígdala, uma região do cérebro associada à mediação do medo e da ansiedade. Em roedores que haviam sido expostos à droga, essa área ficava ativada quando se suspendia o acesso à substância.

Daniel Ferreira/CB/D.A Press
Estudo diz que antes de buscar na droga a explosão de alegria, os usuários recorrentes voltam à cocaína porque querem combater as sensações desagradáveis que seguem o período de intoxicação (foto: Daniel Ferreira/CB/D.A Press)
A amígdala contém uma alta concentração de uma classe de neurotransmissores chamados dinorfinas, que se ligam a receptores opioides kappa. A hipótese dos pesquisadores é a de que o sistema receptor dinorfina/opioide kappa se torna hiperativo com o uso excessivo de cocaína. Eles, então, bloquearam a recepção do neurotransmissor e verificaram que os ratinhos não foram atrás da cocaína, mesmo depois de já ter experimentado a droga anteriormente. “Enquanto mudanças nos circuitos cerebrais relacionados ao prazer podem dominar os primeiros estágios de uso da droga, estamos encontrando evidências de que alterações no circuito ‘negativo’ também levam o indivíduo a usar os entorpecentes. Não por causa de seus efeitos eufóricos, mas buscando aliviar temporariamente a disforia sentida depois da retirada da cocaína”, alertou, em um comunicado de imprensa, George F. Koob, presidente do Comitê de Neurobiologia dos Distúrbios de Dependência do instituto.

Humor
Segundo Steven J. Simmons, pesquisador do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade da Califórnia, muitos usuários de cocaína relatam que não conseguem abandonar a droga justamente porque têm dificuldade para regular o humor. “Um estado emocional negativo está por trás da maior parte dos casos de recaída. A dependência química tem um componente muito maior que a busca pela euforia. Quanto mais entendermos o que faz com que o indivíduo se coloque dentro da armadilha que é o ciclo do vício, melhor serão as abordagens para resgatá-los”, defende.

David Barker acredita que a tendência é considerar múltiplos fatores nos estudos que procuram entender por que as pessoas se tornam dependentes e têm recaídas. “Uma teoria apenas não basta. Diversas coisas parecem desempenhar um papel: a disponibilidade da droga, o uso por parte dos amigos, o contexto, o estresse”, ressalta. “É importante aprendermos quais são esses fatores.”

Dependência não transmitida
Um estudo apresentado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia no Neuroscience 2013, encontro da Sociedade de Neurociência dos EUA, indica que o uso de cocaína por parte do pai pode fazer o filho menos sensível à droga e, portanto, pouco propenso a comportamentos de vício. A pesquisa, realizada com animais, também constatou que os descendentes machos, mas não as fêmeas, além de se sentirem menos atraídos pela substância, são mais resistentes a seus efeitos. Isso sugere que a cocaína causa mudanças epigenéticas — alterações no DNA que não envolvem mutações na sequência — no esperma. As informações reprogramadas são transmitidas, portanto, apenas para as futuras gerações do gênero masculino.

No ano passado, Christopher Pierce, professor associado da universidade, descobriu que o abuso de cocaína por ratos machos fez com que os descendentes se interessassem menos pela droga. Ele constatou que, nesses animais, havia mudanças no fator neutrófico derivado do cérebro, uma molécula importante para a sensação de recompensa associada ao uso do opioide. Contudo, isso só ocorria nos filhotes que jamais haviam experimentado a cocaína.

Agora, o pesquisador focou a fisiologia dos neurônios dos descendentes antes e depois de experimentarem a droga. Eles não só se interessam menos, mas, uma vez que fazem uso, não apresentam comportamentos característicos do vício. “Esse resultado se junta a um crescente corpo de evidências de que o abuso de cocaína por parte do pai pode afetar a forma como seus filhos respondem à droga, e aponta os mecanismos em potencial que contribuem para o fenômeno”, observa Pierce.

Composto natural contra a metanfetamina
Cientistas da Universidade de Missouri, nos EUA, descobriram que o resveratrol, um composto natural encontrado em vegetais coloridos e frutas, especialmente nas uvas, tem o poder de bloquear os efeitos da metanfetamina, uma droga altamente viciante. Com isso, a substância que já se mostrou eficaz para minimizar o impacto de derrames e dos males de Parkinson e de Alzheimer ganha mais uma possibilidade de uso médico. Segundo o estudo, o resveratrol é um bom regulador da dopamina, neurotransmissor associado ao prazer que tem sua quantidade no cérebro aumentada com o uso da droga. Para chegar a essa conclusão, os cientistas deram doses diárias do composto natural a ratos que tinham acesso à metanfetamina. Exames posteriores mostraram que o nível de dopamina nesses animais era mais baixo que o observado em roedores que também ingeriam a droga mas não contavam com a proteção do resveratrol. “Nossos dados sugerem que o resveratrol poderia ser incluído no tratamento de pessoas viciadas em metanfetamina”, afirmou Dennis Miller, um dos autores da pesquisa em um comunicado à imprensa.