A ciência matou Deus? Para muitos cientistas, a resposta é não

O Saúde Plena conversou com especialistas de áreas diferentes para tentar jogar luz à polêmica questão da relação entre fé e ciência. Deus existe? Darwin era um mentiroso? Podemos acreditar que viemos de macacos e também em Deus?

por Gabriella Pacheco 22/10/2013 09:31

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JuliaN Tubes v4 | Reprodução Internet: https://tubaholics-anonymous.deviantart.com/art/JuliaN-Tubes-v4-57911449
"Dizer que Deus não existe porque não conseguimos o provar é uma infantilidade acadêmica" - Jorge Ponciano Ribeiro, professor emérito da Universidade de Brasília (foto: JuliaN Tubes v4 | Reprodução Internet: https://tubaholics-anonymous.deviantart.com/art/JuliaN-Tubes-v4-57911449)
Parte 1  - O físico britânico Peter Higgs foi premiado com o Nobel da Física por sua descoberta da 'partícula de deus'. O apelido dado ao bóson de Higgs – que são as partículas de matéria mais elementares, presentes em tudo no planeta, desde plantas à pedras e nós – decepcionou o cientista ateu, defensor de que de divino o universo não tem nada. Contudo, independentemente de sua opinião sobre os diferentes tipos de religião, o britânico criticou publicamente a reincidente postura radical do consagrado biólogo Richard Dawkins contra religiosos. Quem também recentemente provocou criacionistas foi o roqueiro Jimmy London, vocalista do Matanza, ao falar, ao vivo no Rock in Rio 2013, sobre o último álbum da banda Alice in Chains, 'The devil put dinosaurs here'. Ao comentar o porquê do título, London afirma que criacionistas acreditam que o diabo criou os dinossauros para destruírem os bichinhos criados por Deus.

REUTERS/Russell Cheyne
Ganhador do Nobel de Física de 2013, Peter Higgs acredita que ciência e fé não são incompatíveis (foto: REUTERS/Russell Cheyne )
Assim como eles, formadores de opinião de diversas áreas do conhecimento têm há muito tempo disputado um cabo de guerra no que diz respeito a possibilidade ou não da coexistência pacífica de ciência e religião. A disputa ficou mais acirrada, especialmente, com o aparecimento do Criacionismo, doutrina que lê a Bíblia literalmente – incluindo os dois primeiros capítulos de Gênesis, que narram a criação do mundo em sete dias por Deus. Mito, fato ou poesia, a discussão causa frisson no meio intelectual, filosófico e teológico. Em meio a tudo isso, resta ao censo popular o sentimento de que se posicionar a favor de uma teoria necessariamente nos faz contrários à outra. Mas afinal de contas, é possível ter fé e, ao mesmo tempo, acreditar no que a ciência nos ensina sobre a vida?


Reprodução internet
Álbum mais recente da banda Alice in Chains critica a proposta criacionista, em defesa do ensino exclusivo da Teoria da Evolução em escolas norte-americanas (foto: Reprodução internet)
 Em entrevista ao jornal espanhol El Mundo, Higgs afirmou que acredita, apesar de não ser religioso, que ciência e fé não são incompatíveis. “O crescimento da nossa compreensão do mundo por meio da ciência enfraquece a motivação que faz de algumas pessoas religiosas. Mas isso não é a mesma coisa que dizer que religião e ciência são incompatíveis. Eu simplesmente penso que algumas das razões tradicionais para a fé estão bem minadas. Contudo, isso não encerra a questão. Qualquer um que é convencido, mas não é um crente dogmático, pode continuar com suas crenças. Isso significa que eu acho que você tem de ser mais cuidadoso sobre todo o debate entre ciência e religião do que algumas pessoas foram no passado”, disse Higgs ao El Mundo.

A premissa indica que não é impossível para uma pessoa acreditar em ambas as coisas. No entanto, muitos especialistas pontuam que não há como contestar o que uma diz, com base na outra, como seria possível entre outras áreas do conhecimento.

Para o historiador e professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, Rodrigo Coppe Caldeira há uma incomensurabilidade entre ciência e religião. “Cada uma tem o seu lugar como fenômeno humano", afirma. Assim como defendem outros teóricos, Coppe acredita que essas áreas do conhecimento não se anulam, mas buscam responder perguntas diferentes da psiquê humana: o "como" e o "por quê". "A ciência busca conhecer e explicar como a vida existe, já a religião fala sobre o sentido da vida", comenta.

Teto da Capela Sistina, Vaticano, Michelangelo
Adão e Eva, de Michelangelo Buonarrotti (foto: Teto da Capela Sistina, Vaticano, Michelangelo)
Coppe ainda ressalta que as origens do pensamento científico estão intrinsecamente ligadas a pensadores religiosos. “Na verdade, quem buscou os avanços físicos e filósofos, no século XVII, eram de religiosos, como René Descartes, Isaac Newton, entre outros nomes, que contribuíram de maneira muito importante para a ciência e não por isso deixaram de se considerar crentes”.

Entender que desde a epistemologia da palavra religião já tem definições diferentes é, na opinião do professor emérito da Universidade de Brasília, Jorge Ponciano Ribeiro, um dos primeiros passos para a discussão. Segundo ele, os grupos religiosos se dividem, assim como os significados da palavra. Religare, vem de ligar, e segundo Ponciano, designa o grupo que tem Deus a priori. Relegere, vem de reler, e é associado a um grupo que busca Deus, mesmo que não intencionalmente.

O primeiro, que usa de rituais religiosos para se aproximar desse Deus, é composto por pessoas, em sua maioria, mais simples, de religiosidade natural e tradicional. “Elas podem ser um pouco alienadas mesmo e acabam colocando a religião acima da realidade”, afirma. Do outro lado temos pessoas como Sartre e Einstein, que tiveram a impressão de terem descoberto ser possível sim a existência de Deus. São pessoas que tem Deus à sua imagem e semelhança e têm uma profunda relação de intimidade e cumplicidade com ele”.

Contudo, ele destaca: “dizer que Deus não existe porque não conseguimos o provar é uma infantilidade acadêmica e querer dizer que o cientista não pode acreditar em Deus é uma ignorância absoluta”.