Cadeirante mochileira descreve suas aventuras em blog

Sem poder andar há sete anos, depois de um acidente de carro, designer de moda faz intercâmbio em Boston

por Maria Júlia Lledó 18/10/2013 09:30

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Arquivo Pessoal
"Minha maior alegria aqui é me sentir independente e integrada à sociedade" - Michele Simões, designer de moda (foto: Arquivo Pessoal)
Há sete anos, a paulista Michele Simões, 31 anos, decidiu que estava na hora de realizar um sonho. Depois de dar o primeiro passo rumo a um mundo de descobertas fora da zona de conforto da família, em São Bernardo do Campos (SP), a jovem, que se formou em moda no Paraná, foi morar na capital paulista para crescer profissionalmente. Após alguns meses de economias, estava decidida a fazer um intercâmbio e, finalmente, tocar o mundo com a ponta dos dedos. Mas um grande obstáculo adiou os planos da recém-formada designer de moda. Pouco depois de chegar a São Paulo, ela sofreu um grave acidente de carro que a colocou em uma cadeira de rodas. “É como se você trocasse de corpo estando vivo”, recorda. Foram quatro anos sem ao menos conseguir ficar sentada devido a outro agravante: um problema de pressão. “Durante esse tempo, tomava café, almoçava e jantava na cama. O máximo que conseguia era ir à fisioterapia e voltar. Foi bem difícil.”

Só que Michele não esmoreceu. Estava determinada a abrir mão do medo de voltar a ser independente e de estar em um cenário totalmente desconhecido. O destino? Boston, nos Estados Unidos. O período? Dois meses para fazer um curso de inglês. Fortalecida, em agosto passado, arrumou as malas e embarcou com o patrocínio de empresas que apostaram no projeto da estilista: contar, em um diário virtual, como é ser uma mochileira cadeirante. Hoje, o Guia do Viajante Cadeirante (guiadoviajantecadeirante.blogspot.com.br) tem milhares de acessos e centenas de seguidores no Facebook. “Sei que, como eu, existem dezenas de deficientes que gostariam de se aventurar por aí, mas, quando abrimos a porta de nossa casa e nos deparamos com um mundo totalmente despreparado para nos receber, essa vontade fica lá, em um canto escuro, esperando por uma luz”, escreveu no primeiro post.

Arquivo Pessoal
Michele com o namorado (foto: Arquivo Pessoal)
Com o blog, Michele pretende inspirar outros a criar asas. Para mostrar que é possível, é ela quem se vira, sozinha, na cidade norte-americana, mesmo que esteja na companhia do namorado, que conheceu pouco antes do acidente e também embarcou no projeto. Pegar ônibus, andar de metrô, flanar pela cidade, fazer compras e outras atividades são alguns dos desafios relatados por ela no blog. Para compartilhar essa experiência com os leitores da Revista, Michele contou o que a motivou a realizar essa aventura. Disposta e feliz por ter concretizado esse sonho, a blogueira encerrou a entrevista fazendo um convite simples e direto: “E agora? Bora viajar?”

Arquivo Pessoal
Michele aventurando-se no windsurf e com o namorado (foto: Arquivo Pessoal)
As viagens
“Sempre amei viajar e, principalmente, o desafio de estar em um lugar diferente sem conhecer ninguém. Por isso, quando terminei o colégio, decidi prestar vestibular e morar no Paraná (minha família é de São Paulo). Logo que me formei, resolvi me mudar de Londrina para São Paulo a fim de ganhar experiência e poder juntar uma grana para viajar. Porém, tudo mudou com o acidente e tive que esperar um pouquinho. Desenvolvi o projeto do blog e encaminhei a algumas empresas, que abraçaram a ideia e me apoiaram muito, como a Central de Intercâmbio (CI), a House (butique de impressão) e a Kana (produtora), inclusive também escrevo no blog da CI. A opção de ir para os EUA foi definida pelo preço, pois ficaria mais barata. A escolha por Boston foi a junção de critérios como acessibilidade, cultura e lazer. A cidade é linda quase totalmente acessível, consigo andar nas ruas e sair sozinha aqui!”

A experiência
“É absolutamente incrível. Apesar de estar com meu namorado aqui, nesses dois meses fiz trajetos como ir à escola, lavanderia e mercado sozinha, peguei metrô, ônibus, fiz coisas que nunca mais tinha conseguido após o meu acidente no Brasil. Aqui, as ruas são acessíveis e todos os lugares têm banheiro acessível, então não tenho a menor preocupação se vou sair de casa e terei como entrar nos lugares. É como se eu voltasse a existir para a sociedade outra vez. Minha maior alegria aqui é me sentir independente e integrada à sociedade.”

Arquivo Pessoal
A designer de moda registra vários momentos de sua temporada em Boston (foto: Arquivo Pessoal)
A reação dos outros
“Já fui a várias baladas! Aqui, é muito diferente, as pessoas não me olham com pena. O mais engraçado é que, na maioria das vezes, eu defino os destinos. Agora mesmo, estou no laboratório de computação e estão todos aqui esperando que eu termine a entrevista (risos).”

O namoro

“Está sendo maravilhoso morar com o meu namorado aqui, porém estou testando os dois lados. Na primeira vez que peguei o metrô sozinha, subi vários lances de rampa e me comuniquei em inglês. Quase explodi de tanta emoção. Quanto à escola, pedi classes separadas, ou seja, mais um desafio, pois ser a única cadeirante no meio de pessoas de diferentes nacionalidades, sem dominar a língua, é um pouquinho assustador. Porém, a minha cara de pau e a vontade de me jogar nessa viagem me ajudaram a fazer inúmeros amigos. Os passeios, a maioria fazemos juntos, pois a turma é a mesma, porém conduzo a cadeira para ver a acessibilidade e me testar. O mais fofo de tudo são os amigos que fiz por aqui e que me ajudam também quando minha pressão não está legal.”

Planos para um livro
“Não sei se lançarei um livro, mas gostaria muito de dar continuidade ao projeto. Recebi inúmeros e-mails e mensagens de outros deficientes e não deficientes que se identificaram com o blog. Inclusive, conheci uma cadeirante brasileira que mora aqui há oito anos e me disse que, após me conhecer, ela se sente motivada a fazer mais coisas e a se aventurar. Acho que quase não existem cadeirantes viajando no Brasil ou fora. O tabu de que os deficientes são pessoas frágeis ainda existe, e a falta de informação e de interesse do setor de turismo pelos deficientes ajuda a desencorajá-los. A Central de Intercâmbio (CI) me deu todo suporte, mas raras agências fazem isso. Quero muito continuar esse projeto e compartilhar minha experiência com pessoas que, como eu, sonham conhecer o mundo.”