Eficiência cardiovascular e disposição conquistados com a corrida fazem a diferença para quem já chegou à maioridade

Às vésperas de completar 90 anos, José Doutor da Boa Ventura tem saúde invejável e corre dia sim dia não

por Carolina Cotta 11/09/2013 14:00

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Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Aos 89 anos, José Doutor da Boa Ventura dá exemplo de vitalidade: "Correr faz bem" (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
A mãe sonhou para ele um futuro ilustre. Queria que o filho se destacasse e inventou para ele um nome excêntrico: José Doutor da Boa Ventura. Oitenta e nove anos atrás, Brejaubinha, distrito de Governador Valadares, viu nascer não um homem da ciência e um senhor corredor. Campeão pela Federação Mineira de Atletismo na categoria de 85 a 90 anos, “Zé Doutor” era incompreendido nas pequenas cidades onde viveu. Décadas atrás, os benefícios da corrida eram pouco disseminados. “O povo me via correndo de madrugada e achava que eu era louco. Até que enfim descobriram como correr faz bem.”

A corrida deu mais que vida longa ao morador do Bairro Santa Terezinha, em Belo Horizonte, onde treina dia sim, dia não. Condicionamento físico, postura, independência e disposição correm lado a lado com José Doutor, que às vésperas de completar 90 anos tem saúde invejável: toma um único medicamento para a hipertensão. A alimentação ajuda: frutas, verduras, legumes e peixes. Conhecido dos corredores de BH, ele sai para correr às 6h. Nas revistas especializadas, descobriu uma blusa que o protege dos raios solares. Logo pediu ao filho Hugo, com quem tem o costume de correr e já foi companheiro de uma equipe: a Bretas.

Os 10 quilômetros habituais são feitos em cerca de uma hora. Mas ele se lembra de quando o corpo o ajudava a ser mais rápido. “Hoje, tenho certa dificuldade. Minha passada está mais lenta. A sensação é a mesma: sinto-me bem disposto. Não deixo de ir.” Não deixa mesmo. A filha Dulce se lembra de quando a mãe ainda era viva e se preocupava ao ver o tempo fechando. “Esconde o tênis do seu pai porque vai chover”, rememora. Afinal, nada o impedia de treinar. “A corrida me dá um contentamento muito grande. Ela me ajudou a vencer. Se estou hoje aqui é por causa dela”, conta o aposentado, que corre desde os 16 anos.

PREPARAÇÃO
Uma vida dedicada à corrida deixa José Doutor liberado para a atividade física. Fazer um treinamento dessa intensidade em idade avançada, entretanto, exige ainda mais preparação. Segundo o educador físico Mário Bawden, do Studio Personall, quem já vem correndo há muito tempo e chega à melhor idade precisa adotar cuidados. “É preciso observar o volume total de treinamento, que é a quantidade que se corre durante a semana. A intensidade, a força e a sobrecarga que o corpo absorve a cada treino também precisam ser controladas”, alerta o especialista.

O corpo de quem já passou dos 60 não tem a mesma funcionalidade de um corpo mais jovem, e a sobrecarga na coluna e a angulação do quadril precisam ser bem acompanhadas. “Pesquisadores defendem que com o tempo absorvemos mais sobrecarga no joelho, abrindo a passada. A tendência dos idosos é ter uma passada mais lateralizada.” Daí a importância de fortalecer a musculatura da coxa, lombar e abdômen. Se a pessoa começar a correr depois de idosa, o cuidado deve ser ainda maior: o volume e a intensidade devem aumentar de forma gradativa para não levar a uma lesão futura.

O ideal é começar treinando de duas a três vezes por semana, alterando corrida e caminhada. Se for um corredor já acostumado, o certo é correr dia sim, dia não, alternando com musculação. “Não se deve passar de três ou quatro vezes por semana. Assim como o calçado, o corpo tem quem descansar”, alerta o personal runner. Ortopedista, cardiologista, nutricionista e o educador formam uma equipe perfeita para acompanhar quem quer correr. “A preocupação deve ser a manutenção da saúde, e não apenas estética e rendimento físico. Isso vem como consequência da saúde bem mantida.” Que o diga Zé Doutor.

João Miranda/Esp. EM/D.A press
Lúcio Mauro Diniz já participou de 550 provas e ganhou 327 troféus (foto: João Miranda/Esp. EM/D.A press)
O homem das medalhas
Ele adorava bater uma bolinha com os amigos. O clube era o destino no fim de semana; o futebol, o seu negócio. Mas a aposentadoria revelou uma vida nova para Lúcio Mauro Diniz, de 70 anos. “Gostavam de dizer que a aposentadoria era como uma morte. Mas escolhi que fosse apenas uma segunda etapa da minha vida. Eu me propus a me preocupar com essa segunda fase e fui correr”, lembra Lúcio. O futebol e o clima sério dos campeonatos ficaram de lado. Ele chamou os filhos e comunicou a decisão: “Já criei vocês. Agora, vou pagar as minhas contas e todo o resto vou gastar com corridas”.

O treinamento começou por conta própria, sem a orientação de um educador físico. Depois de um mês, disputou a primeira prova. Era agosto de 1998 e de lá até aqui ele já participou de 550 provas. Resultado: 541 medalhas e 327 troféus. Lúcio nunca pensou em ser um atleta, apenas investir na saúde, mas quando viu já estava disputando pelo menos três provas por mês, e viajando para isso. A corrida mudou sua alimentação, satisfação pessoal e tranquilidade. “Todo mundo tem problema, mas quando saio para correr a adrenalina sobe e me sinto outra pessoa, tamanho é meu bem-estar.”

Com acompanhamento médico sistemático, ele disputa provas no domingo e na segunda está na academia. Terça corre, quarta faz musculação, quinta está de novo na rua. Nesse ritmo, segue a orientação de intercalar os treinos, enquanto fortalece a musculatura. A família já se acostumou e até tenta acompanhar. Só tenta. Nem o filho de 40, nem o neto de 17 acompanham seu ritmo. No ano passado, conseguiu reunir 13 familiares em uma prova, mas a mulher alfineta. “Ela acha que sou um bobo e me pergunta se acho que vou viver mais só porque corro. Respondo que vivo o hoje e se estou bem hoje é o que interessa.”

O prazer de correr é antigo. Natural de Esmeralda, aprendeu com o pai que era preciso trabalhar desde cedo. Aos 7 anos, ele e o irmão de 10 iam diariamente à fazenda do pai, a três quilômetros da cidade, para tirar o leite. “Ia andando, mas sempre voltava correndo, como se fosse um instinto. Meu irmão vinha caminhando atrás, mas meu pai gostava que chegássemos juntos. Então, sentava e o esperava. Um dia ele contou para minha mãe que eu sempre corria e o deixava pra trás. Ela perguntou porque ele não corria também e ele respondeu: ‘Se eu correr vou ficar velho depressa’”. Tomara que esteja tão jovem quanto Lúcio, aos 70.