Aprender um instrumento na maturidade não é impossível quando há orientação e esforço adequados

Segundo especialistas, as experiências adquiridas ao longo do tempo podem até dar uma cadência especial ao desafio

por Correio Braziliense 01/09/2013 11:00

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Viola Júnior/Esp. CB/D.A Press
Após a aposentadoria, Assis decidiu dedicar-se ao violão: "A música ajuda a passar o tempo com mais tranquilidade" (foto: Viola Júnior/Esp. CB/D.A Press)
 “A arte torna a vida menos árida.” Por pensar assim, Assis Coelho, 63 anos, decidiu ter aulas de violão no ano passado. Ele já arranhava alguns acordes que aprendera sozinho, mas acreditou que era o momento, depois da aposentadoria, de se dedicar ao violão e dominar, de fato, o instrumento. “Agora, estou realmente aprendendo a tocar. Sozinho, você não vai muito longe”, afirma.

A música sempre esteve presente na vida do professor, que usava, desde jovem, letras dos Beatles e de outras bandas para aprender inglês. Depois de se aposentar, ele teve o tempo disponível para se dedicar a mais atividades. Sedento pela busca de conhecimento, o também escritor encaixou o estudo de violão na nova rotina. “A música sempre me atraiu. Depois de me aposentar, tive o tempo necessário”, diz.

Para Assis, não existe a intenção de se tornar um virtuose. Os benefícios do aprendizado de música são outros. Diminuir a solidão, facilitar novas amizades, deixar a memória mais atenta estão entre eles. “Existe também um bem-estar maior, a música ajuda a passar o tempo com mais tranquilidade.” A intenção do professor aposentado é continuar a aprender até quando puder. “A música é uma companheira para a vida toda”, acredita, para, logo em seguida, citar Nietzsche: “Sem a música, a vida seria um erro”.

O senso comum diz que o aprendizado musical só é possível quando jovem, mas especialistas e casos como o de Assis comprovam que nem sempre a afirmação popular é verdadeira. Apesar de enfrentar dificuldades naturais, pessoas mais velhas, quando bem orientadas, são capazes de receber educação musical e de aprender um instrumento. “Depende da vontade, da atenção e das condições de saúde. Se esses quesitos forem preenchidos, qualquer pessoa pode aprender”, explica a mestre em música pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) Eliane Martinoff.

Presente desde o início na vida, a linguagem musical já está, de certo modo, inserida no cotidiano e no imaginário mesmo de quem nunca tenha encostado em um instrumento musical. Por isso, aprender música depois de mais velho pode ser mais fácil do que se pensa. Doutora em ciências da saúde e graduada em música, Maria Eugênia Albinati tem experiência com o ensino musical na maturidade e confirma a ideia de que a presença cotidiana de canções ajuda no aprendizado tardio. “De todas as linguagens artísticas, a música é a mais presente na vida das pessoas. Então, o idoso já tem familiaridade com ela.”

Renovação
Mestre em música pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Andréa Cirino trabalhou com o tema em sua dissertação de mestrado. Para ela, o fato de o desempenho musical na maturidade não se igualar ao processo que se dá quando o aprendizado acontece na juventude ou na infância não pode ser visto como um impedimento. Essa dificuldade pode, inclusive, ser compensada pela experiência que se adquire ao longo da vida. “A competência que a pessoa já tem pode ser explorada para a descoberta de novos significados”, afirma.

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Depois de 20 anos, Luiz voltou às aulas de música para aprimorar a técnica e ganhar mais agilidade (foto: Viola Júnior/Esp. CB/D.A Press)
 Aos 73 anos, o aposentado Luiz Ribeiro voltou, há três meses, às aulas de violão depois de 20 anos sem estudar formalmente o instrumento. A intenção de Luiz era aprimorar a técnica. Com o passar do tempo, o aposentado notava algumas dificuldades surgidas pela falta de prática. “Não tinha mais agilidade e precisava de mais desenvoltura”, conta.

Outro benefício conquistado é a possibilidade de se atualizar nos novos estilos musicais. Com as aulas, Luiz planeja acompanhar melhor as mudanças e aprender técnicas que lhe possibilitem estar mais próximo das diferentes e novas maneiras de tocar o instrumento. “A música evoluiu bastante. Muita coisa que é feita agora não era antigamente”, afirma. O único desafio que diz enfrentar nas aulas é a dificuldade das mãos para acompanhar alguns exercícios.

Manter-se em atividade com o estudo de violão, para Luiz, também é uma forma de acompanhar as transformações da sociedade. “Na minha idade, às vezes, é difícil seguir as mudanças que acontecem, as aulas ajudam a me atualizar nisso”, diz. O aposentado se diz satisfeito por voltar a praticar uma atividade que acredita fazer bem para a sua vida e, com isso, se manter ativo depois de chegar à maturidade. “Diferentemente de uns 15 anos atrás, hoje a terceira idade já não tem mais impedimento para praticar o que quer que seja”, afirma.

Se caem os preconceitos, ficam ainda mais evidentes os benefícios. “A música, como linguagem para se expressar, propicia saúde, aumento da autoestima, bem-estar, sociabilidade, percepção e autonomia na vida social”, enumera Andréa Cirino. Segundo Albinati, o aprendizado na maturidade pode ser fator de mudança em diversas áreas. Por meio da música, é possível manter a memória mais ativa e evitar o isolamento, por exemplo. Tocar um instrumento musical torna ainda possíveis os momentos de socialização, reuniões que acontecem em torno da música. “Por propiciar trabalho em grupo prazeroso, o instrumento musical estimula a sociabilização na maturidade e propicia se expressar e se comunicar”, ressalta a especialista em ciência da saúde.



Uso até na reabilitação física

“A manipulação do instrumento musical, embora se assemelhe a alguns exercícios físicos propostos pelos atendimentos de fisioterapia ou de fonoaudiologia do idoso, adquire para ele um significado maior ao resultar em música. O prazer de criar sons interessantes o leva a repetir muitas vezes o mesmo exercício, tornando o instrumento musical um recurso importante à reabilitação física, capaz de motivá-lo a fazer movimentos que, sem música, não resultariam em fruição estética.”

Maria Eugênia Albinati, especialista em ciência da saúde