Pesquisadores conseguem decifrar os caminhos da perda de memória

Pesquisadores dos EUA conseguem diferenciar, pela ação de uma proteína, quando o problema acontece devido ao envelhecimento ou quando é indício do mal de Alzheimer. As descobertas podem ajudar no desenvolvimento de terapias que curem o primeiro caso

por Bruna Sensêve 30/08/2013 11:30

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Valdo Virgo / CB / DA Press
As descobertas sugerem ainda que a perda de memória relacionada à idade pode ser reversível em terapia futura. Clique para ampliar (foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
Com o avançar da idade, é comum que detalhes de lembranças a curto e a longo prazo comecem a faltar. Não lembrar exatamente onde estão os óculos, o nome de um parente mais distante ou como foi mesmo aquela história vivida na infância fica mais rotineiro. Características similares a alguns sintomas da temida doença de Alzheimer, que também apresenta os primeiros sinais em pessoas com idade avançada, mas carrega outras deficiências cognitivas mais debilitantes. Ainda sem saber exatamente a razão dessas diferenças, cientistas da Universidade de Columbia, em Nova York, identificaram que pode explicar os dois tipos de perda de memória no cérebro humano. As descobertas, relatadas na edição desta quinta-feira (29) da revista científica Science Translational Medicine, sugerem ainda que a perda de memória relacionada à idade pode ser reversível em terapia futura.

Após uma série de experimentos, a equipe liderada por Elias Pavlopoulos foi capaz de relacionar a perda de memória associada com a idade ao giro denteado, enquanto os deficits do Alzheimer estão ligados ao córtex entorrinal — ambas sub-regiões de uma área do cérebro conhecida como hipocampo. Os pesquisadores tiveram acesso a oito cérebros humanos de pessoas sem qualquer doença mental. O objetivo era analisar post mortem as proteínas expressas no giro denteado e a variação delas de acordo com a idade do indivíduo. Células do córtex entorrinal também foram analisadas pela equipe e serviram de controle, uma vez que não estão ligadas ao esquecimento derivado do avançar da idade.

Apesar de terem encontrado 17 genes significativos para a expressão de proteínas que podem estar ligadas ao processo, uma em particular chamou a atenção dos pesquisadores: a RbAp48, que, de acordo com as análises, teve a expressão reduzida em idosos. Os cientistas decidiram, então, explorá-la em camundongos. Primeiramente, o gene responsável pela expressão dela foi inibido em cobaias jovens e, como o esperado, os animais começaram a apresentar sinais de perda de memória similares aos observados em indivíduos mais velhos. Em um segundo momento, os pesquisadores tentaram provar se o contrário também era possível, isto é, se ao incrementar a expressão da proteína em camundongos mais velhos, eles recuperariam a propriedade cognitiva.

“Ficamos espantados não só com a melhora do desempenho dos camundongos nos testes de memória, mas também porque ele foi comparável ao de ratos jovens”, relatou Pavlopoulos, pesquisador associado do Departamento de Neurociência da Universidade de Columbia. É importante ressaltar, no entanto, que os experimentos são impossíveis de serem reproduzidos hoje em humanos pela forma como foram feitos nas cobaias — uma terapia genética aplicada diretamente no cérebro. Ainda assim, os pesquisadores acreditam que o fato de eles conseguirem reverter a perda de memória relacionada à idade em camundongos já é um cenário muito encorajador.

Aplicação promissora
Os estudiosos sugerem a possibilidade de outras mudanças no giro denteado também contribuírem para a perda de memória ligada à idade, apesar de o estudo indicar a importância do RbAp48 nesse processo. Além disso, alerta para o fato de que esse decréscimo de memória acontece devido a uma mudança funcional em neurônios de um tipo específico, ao contrário do que causa a doença de Alzheimer, na qual não há uma perda significativa de neurônios. “Se esses compostos vão funcionar em humanos, não é conhecido”, pondera Scott Small, coautor da pesquisa. “Mas a questão mais ampla é que, para o desenvolvimento de intervenções eficazes, primeiro você tem que encontrar o alvo certo. Agora temos um bom alvo. Nós o desenvolvemos com os camundongos e temos um caminho até as terapias que pode ser eficaz.”

Para o membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia Salo Buksman, existe um grande número de pesquisas em andamento buscando elucidar as causas da diminuição da cognição nos idosos. Ele explica que a cognição envolve muito mais que a memória. Inclui também capacidades como se orientar no tempo e no espaço, se expressar e entender o que os outros expressam, se focar com atenção e concentração, além das capacidades executivas — aquelas que permitem à pessoa fazer julgamentos, tomar decisões, planejar o futuro e ser capaz de gerenciar a vida financeira.

“Esses pesquisadores tentam fazer com que sejam elucidados os mecanismos pelos quais o indivíduo consegue manter a memória e, para entender esse processo, tentam entender o motivo pelo qual as pessoas idosas têm diminuição da memória”, resume Buksman. Principalmente por essa busca, o geriatra acredita que os resultados sempre serão animadores. “Todas as pesquisas de alto nível que envolvem a elucidação de mecanismos patológicos que provocam a diminuição da memória sempre são animadoras porque, eventualmente, se pode achar algum circuito ou alguma enzima que tem um papel muito importante.”

Por meio desse conhecimento, poderiam ser produzidas intervenções em nível molecular capazes de reverter ou de prevenir a diminuição da memória pelo envelhecimento, afirma Buksman. “A questão é que a pesquisa básica é uma coisa, já a efetividade de um medicamento produzido para uso clínico pode ser decepcionante. Não dá para ter uma ideia de sucesso de uma estratégia como essa em absoluto”, avalia.

Small, coautor do estudo, reconhece que há uma grande quantidade de análises sobre falhas dos testes de drogas com base em resultados de modelos de camundongos com o mal de Alzheimer, mas ressalta que o trabalho desenvolvido por eles tem um diferencial. “O Alzheimer não acontece naturalmente no camundongo. Aqui, nós já causamos a perda de memória relacionada à idade na cobaia e mostramos que os resultados podem ser relevantes para o envelhecimento humano.”

 

Causa de demência
O Alzheimer é uma doença degenerativa incurável. O tratamento disponível permite melhorar a saúde, retardar o declínio cognitivo, tratar os sintomas, controlar as alterações de comportamento e proporcionar conforto e qualidade de vida à pessoa que tem a doença e à família dela. A enfermidade é a principal causa de demência em pessoas com mais de 60 anos no Brasil, sendo cerca de duas vezes mais comum que a demência vascular.


Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)


Processo pode ser natural
“O envelhecimento normal gera alguma dificuldade de lembrar palavras, situações ou, eventualmente, uma certa lentidão em fazer algumas atividades. Isso é normal, é da idade. Muitas vezes, as pessoas acham que pode ser o prenúncio da doença de Alzheimer, mas não é nada disso. Quando isso fica mais acentuado, tem o nome de comprometimento cognitivo leve, que pode, sim, evoluir para um quadro de Alzheimer. O trabalho do professor Pavlopoulos é bem interessante, pois está propondo encontrar uma explicação para o fato de uma pessoa com 100 anos estar um pouquinho mais devagar, mais lenta, e outras com 50, 60 anos ter um deficit de memória grave. Vale a pena sempre alertar que isso é um processo ainda em investigação. O trabalho dele é muito interessante, pode abrir uma perspectiva de tratamentos ou até de exames, mas que ainda está em uma fase inicial.”

Milton Gorzoni, professor adjunto do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo