Pediatra da Unicamp condena uso de medicamentos para TDAH

Maria Aparecida Affonso Moysés questiona rigor científico de trabalhos desenvolvidos sobre o tema e destaca dependência causada pelo metilfenidato. Para ela, vivemos a 'era dos transtornos'

por Letícia Orlandi 27/08/2013 09:26

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Reprodução / ensaiosdegenero
Cida Moysés: não há nenhuma evidência concreta de que existe melhora do prognóstico em longo prazo com o uso do medicamento (foto: Reprodução / ensaiosdegenero)


Em entrevista recente ao Portal da Unicamp, a pesquisadora Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, demonstrou outro ponta de vista sobre o TDAH e o uso do metilfenidato, que no Brasil se tornou sinônimo de ritalina.

De acordo com a professora, em um levantamento de 2011, publicado pelo equivalente ao Ministério da Saúde nos Estados Unidos, foram analisadas todas as publicações de 1980 a 2010 sobre o tratamento de TDAH. “O primeiro dado interessante foi que, dos dez mil trabalhos que provaram que o metilfenidato funciona e é seguro, apenas 12 foram considerados publicações científicas. Todo o resto foi descartado por não preencher os critérios de cientificidade. Dos 12 trabalhos restantes, o que eles encontraram foi que a orientação familiar tem alta evidência de bons resultados, e o medicamento tem baixa evidência”, afirma.

Segundo ela, isso não quer dizer que a família seja culpada. “É preciso orientá-la como lidar com essa criança”, afirma Cida Moysés. A médica acrescenta que dados sobre rendimento escolar foram inconclusivos, assim como não há nenhuma evidência concreta que permita dizer que existe melhora do prognóstico em longo prazo com o uso do medicamento. “Fala-se muito que, se a criança não for tratada, vai se tornar uma dependente química ou delinquente. Nenhum dado permite dizer isso. Então não tem comprovação de que funciona. Ao contrário: não funciona. E o que está acontecendo é que o diagnóstico de TDAH está sendo feito em uma porcentagem muito grande de crianças, de forma indiscriminada”, defende a pediatra.

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Ela questiona também a porcentagem de indivíduos que teriam o transtorno. “Quando se fala em 5% a 10% de pessoas com determinado problema, o conhecimento médico exige que se assuma que isso é um produto social, e não uma doença inata, neurológica, como seria o TDAH, e muito menos genética. Não dá para pensar em porcentagens. Em Medicina, sobre doenças desse tipo fala-se em 1 para 100 mil ou em 1 para 1 milhão. Então, é algo vem sendo produzido socialmente”, aponta.

Para ela, estão sendo medicadas as crianças questionadoras (que não se submetem facilmente às regras) e aquelas que sonham, têm fantasias, utopias e que ‘viajam’. “Quando impedimos isso quimicamente, segundo a frase de um psiquiatra uruguaio, a gente corre o risco de estar fazendo um genocídio do futuro. Estamos dificultando, senão impedindo, a construção de futuros diferentes e mundos diferentes”, lamenta a pesquisadora.

Embora muitos pesquisadores dedicados ao TDAH digam que a tava de prevalência na população não mude, Cida Moysés discorda. “Ao contrário do que se propaga, de que a taxa de prevalência é a mesma em todos os lugares, isso não é verdade. Varia de 0,1% a 20%, conforme o estudo da Universidade McMaster do Canadá. Varia de acordo com valores culturais, região geográfica, época e conforme o profissional que está avaliando. Há trabalhos que mostram, por exemplo, que médicas diagnosticam mais TDAH em meninos e que médicos mais em meninas, provavelmente por uma falta de identificação. Alguns trabalhos mostram que crianças pobres têm mais chances de receber o diagnóstico”, alerta.

De acordo com a professora, vivemos a ‘Era dos Transtornos’ – uma epidemia dos diagnósticos. “A França, por exemplo, tem uma resistência muito grande a isso por uma questão de formação de médicos, de valores da sociedade. Existe um movimento desencadeado por médicos, muitos deles psiquiatras, que se chama collectif pas de 0 de conduite. Esse movimento surgiu como reação à lei que propunha avaliar o comportamento de todas as crianças até três anos de idade, principalmente pobres e imigrantes, e conseguiu derrubar tal lei”, exemplifica.

Cida Moyses diz que não indica a ritalina mesmo quando há o diagnóstico de TDAH, porque as reações adversas não compensam os benefícios: insônia, sonolência, piora na atenção e na cognição, surtos psicóticos, alucinações, risco de suicídio, hipertensão, taquicardia, arritmia, falta de apetite, dor no estômago. “A droga traz o mecanismo clássico da dependência química, semelhante ao da cocaína. Interfere em todo o sistema endócrino, que afeta a hipófise. Altera a secreção de hormônios sexuais e diminui a secreção do hormônio de crescimento. A relação de custo-benefício não vale a pena. Não indico metilfenidato para as crianças. Se não indico para um neto, uma criança da família, não indico para uma outra criança”, conclui.

Como alternativa, a pediatra indica a articulação do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (https://medicalizacao.org.br/), que reúne 40 entidades acadêmicas profissionais e mais de 3.000 pessoas físicas no Brasil em busca de difundir as críticas que existem na literatura científica sobre isso. O fórum foi lançado em 2010, após o I Seminário Internacional “A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos”, realizado em São Paulo. De seu lado, a Associação Brasileira de Déficit de Atenção dedica uma seção em seu site a rebater argumentos de que a doença é ‘inventada’.